quinta-feira, 2 de maio de 2013

O HOMEM DE COR


Numa discussão em meio a questão de afrodescência, um indivíduo disse-me que não sou afrodescendente e muito menos africano. Detalhe o indivíduo é negro. Como eu sendo preto, posso conceber tal afirmação? Como eu sendo preto, traços totalmente negros posso relativizar essa condição do não devir negro? Não me vejo  classificando como moreno, mulato e muito menos branco. Ser brasileiro todos nós somos. O IBGE em seu senso pede a classificação de cada pessoa enquanto raça e cor. Existem no Brasil, os pomeranos, prussianos, italianos, alemães, finlandeses etc. todos descendentes. E porque eu não posso ascender-me na diáspora enquanto afrodescendente?
A discussão surgiu em torno da polêmica do tal merdaputado pastor Marcos Feliciano em que o mesmo chamou os afrodescendentes de “amaldiçoados” afirmando que a Bíblia confirma isso. Só que na Bíblia não há nada confirmando e muito menos afirmando. Então esse nobre paladino membro da câmara para se safar da dita burrada, apresentou seus pais negros e se alto afirmando também como afrodescendente assim sendo não poderia ser chamado de racista por ter traços negróides sendo assim é afro.
Bem se um indivíduo desloca-se de sua terra natal, nação de origem e vá se domiciliar, habitar numa outra nação e com o passar do tempo adota esse país como sua nova morada, os nativos dessa terra a qual ele adotou, sempre o trataram e o tratarão com termos referentes a sua terra natal, sempre será o estrangeiro. Por mais que ele seja recebido com amor fraterno, ele sempre será o estrangeiro. Dessa forma somos nós os pretos, os afrodescendentes descendentes dos pretos escravizados, é algo indiscutível e imutável, o indivíduo preto pode ter uma mãe branca e um pai preto vice-versa, de um lado veio  um descendente africano escravizado.
Quando é algo justificável para inferiorizar o negro, enganá-lo culturalmente, espiritualmente tentam o convencer que ele não é negro, nem afrodescendente e muito menos descendente de negros escravizados. Mas no cotidiano de forma sutil nos melhores cargos, nos melhores espaços somos avaliados como negros e afrodescendentes. Para o negro sempre foi e é o pior, para os brancos e claros subservientes sempre foi e é o do melhor. Concordante a Garcia (2007)

Diante das novas relações estruturadas no período pós-abolição, como ficou a fronteira racial estabelecida no “direito costumeiro”? Quanto aos brancos não havia dúvida. Eram os descendentes de europeus e ocupavam os melhores postos na sociedade escravocrata imperial. Existiam também os brancos miseráveis. Esses se negavam a fazer “serviço de negro”, dos ex-escravizados.26 Os pardos, os indígenas, os negros, os “mulatos”, os crioulos e outros que o fizesse. (Garcia, 2007, p-29)

Como citado acima, o negro é afrodescendente sempre no que for para atuar nas piores posições. Mas no que se concerne na luta e conquista de direitos aos negros, na afirmação de sua religiosidade e cultura, o negro não é negro, não descende dos africanos escravizados, e não é afrodescendente. O negro é brasileiro. O branco não, o branco tem seus direitos garantidos tanto espiritual quanto cultural de descendência eurocêntrica. Rápido me veio a mente o processo de destruição identitária do negro em solo brasileiro, da destruição do seu nome, arrancando com força suas raízes da terra mãe, através da negação involuntária de sua ancestralidade. Convivemos na atualidade com essa tortura da negação, da imposição do processo de submissão há um grupo religioso de características europeias e á uma elite racista e desumana.

Dali por diante teriam que conviver com o trauma do desenraizamento das terras dos ancestrais e com a falta de amigos e parentes que deixaram do outro lado do Atlântico. (Albuquerque; Filho, 2006, p. 66)

Chego de certa forma a afirmar que esses indivíduos subservientes que negam suas origens, acabam por contribuir, propagandear e promover involuntariamente um epistemicídio. Colaboram assim sendo com uma prática invisível de segregação e exclusão na qual não se dão conta que também estão inseridos, seja por uma reação fanática religiosa, seja por uma ilusão constante por acreditar que faça realmente e que realmente veio de determinado grupo inserido da elite na qual convive socialmente, portanto sendo forçado a negar sua história, ancestralidade suas raízes.

“o genocídio que pontuou tantas vezes a expansão européia foi também um epistemicídio: eliminaram-se povos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho e eliminaram-se formas de conhecimento estranho porque eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos. Mas o epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio porque ocorreu sempre que se pretendeu subalternizar, subordinar, marginalizar, ou ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam ameaçar a expansão capitalista ou, durante boa parte do nosso século, a expansão comunista .... contra os trabalhadores, os índios, os negros, as mulheres e as minorias em geral (étnicas, religiosas, sexuais).” (Santos apud Carneiro, 2005, p. 96).

E por final e mais intrigante, que tal indivíduo seja tão convicto de sua afirmação sobre o povo preto e sua brasilidade, concordando obviamente de quanto a África é amaldiçoada, que o mesmo se quer sabe a origem do nome África. Até a classificação dos pretos africanos de negro é discutida, porém sabe-se afinal de ser uma denominação imposta pelos brancos europeus aos povos de pele escura quando do primeiro encontro de suas invasões a terras estrangeiras. Aportaram em solo africano e relacionaram os povos de pele mais escura a necromancia, consiste na adivinhação mediante consulta aos mortos e seus espíritos ou cadáveres, e começaram dessa forma a chamá-los de negros, necro. Para deleito de meu nobre amigo negro que não se afirma negro e para o leitor (a) que ler esse texto, fecho com chave de ouro com algumas supostas informações sobre a origem do nome África. Independente da origem eu não estou em África, mas África está em mim.

Até a próxima,

Abraços.

Rapper Marcelo Silles.


Nota do coordenador do volume: A palavra ÁFRICA possui até o presente momento uma origem difícil de elucidar. Foi imposta a partir dos romanos sob a forma AFRICA, que sucedeu ao termo de origem grega ou egípcia Lybia, país dos Lebu ou Lubin do Gênesis. Após ter designado o litoral norte‑ africano,
a palavra África passou a aplicar‑ se ao conjunto do continente, desde o fim do século I antes da Era Cristã.
Mas qual é a origem primeira do nome? Começando pelas mais plausíveis, pode‑se dar as seguintes versões:
• A palavra África teria vindo do nome de um povo (berbere) situado ao sul de Cartago: os Afrig. De onde Afriga ou Africa para designar a região dos Afrig.
• Uma outra etimologia da palavra África é retirada de dois termos fenícios, um dos quais significa espiga, símbolo da fertilidade dessa região, e o outro, Pharikia, região das frutas.
• A palavra África seria derivada do latim aprica (ensolarado) ou do grego aprik(isento de frio).
• Outra origem poderia ser a raiz fenícia faraga, que exprime a ideia de separação, de diáspora. Enfatizemos que essa mesma raiz é encontrada em certas línguas africanas (bambara).
• Em sânscrito e hindi, a raiz apara ou africa designa o que, no plano geográfico, está situado “depois”, ou seja, o Ocidente. A África é um continente ocidental.
• Uma tradição histórica retomada por Leão, o Africano, diz que um chefe iemenita chamado Africus teria invadido a África do Norte no segundo milênio antes da Era Cristã e fundado uma cidade chamada Afrikyah. Mas é mais provável que o termo árabe Afriqiyah seja a transliteração árabe da palavra África.
• Chegou‑se mesmo a dizer que Afer era neto de Abraão e companheiro de Hércules! 
(Pag. 30 Joseph Ki-Zerbo)

Referências Bibliográficas:
KI-ZERBO, Joseph. Metodologia e pré-história da África. Ministério da Educação do BRASIL. UNESCO Representação no BRASIL, Universidade Federal de São Carlos

ALBUQUERQUE, Wlamira R. de. FILHO, Walter Fraga. Uma história do negro no Brasil. Centro de Estudos Afro-Orientais. Fundação Cultural Palmares. 2006

GARCIA, Renisia Cristina. Um estudo sobre a história do negro na educação brasileira, identidade fragmentada. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP). 2007.

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Tese apresentada de São Paulo como parte dos requisitos para a obtenção do titulo de Doutora em Educação junto à área Filosofia da Educação, sob a orientação da Professora Drª Roseli Fischmann. São Paulo. 2005.

SANTOS, S. Boaventura. Pela Mão de Alice. São Paulo: Cortez Editora, 1995.

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