quinta-feira, 23 de maio de 2013

Bonde das Maravilhas, a sexualidade da mulher negra e a hipocrisia nossa de cada dia


Por Paula Libence

Há algum tempo, tenho visto algumas repercussões nas redes sociais extremamente ofensivas e incômodas em relação a um grupo de jovens dançarinas do Rio de Janeiro, o chamado Bonde das Maravilhas. As meninas, adolescentes na faixa dos 13 aos 20 anos de idade, vieram a público mostrar o inacreditável. Danças tão cheias de contorcionismos que confesso que a primeira vez que assisti ao vídeo, julguei ser humanamente impossível se equilibrar na nuca para dançar. Tanto que vi outras vezes e, boquiaberta, não conseguia crer, enfim.
Mas o que tem causado tanta polêmica, se assim posso dizer, na mídia, não são os contorcionismos dançantes que as meninas do Bonde das Maravilhas apresentam ao seu público, e sim a estranheza social de ver garotas jovens, bonitas, negras e periféricas dançando e cantando de modo tão singular.
Fiquei a me perguntar por que o ataque ao grupo tem sido tão severo. Por que essa antipatia mordaz às garotas?

Revirei e retirei do fundo do baú alguns grupos que fizeram sucesso com danças sinônimas ao do Bonde, o que não foi tão necessário, pois temos mulheres que dançam funk e põe seus bumbuns pra cima sem causar maiores estranhamentos por parte do público hoje. Mas creio que vale a pena relembrar de alguns.
Suponho que muitos ainda se lembrem do grupo É o Tchan!. O grupo ganhou fama e notoriedade em meados da década de 1990 com danças tão “insinuantes” e “pornográficas” executadas pelas dançarinas Carla Perez e Scheila Carvalho quanto as do Bonde das Maravilhas.
As dançarinas do É o Tchan! seguravam e amarravam o tchan ao seu bel prazer, e nem por isso ninguém as levou ao ministério público. Lembro que Gugu Liberato, no seu antigo programa Domingo Legal, explorou bastante a imagem do grupo e ainda criou um quadro chamado “Banheira do Gugu”, em que mulheres ficavam praticamente nuas em rede nacional e num horário em que as crianças ainda estavam na sala.
Até aqui, ninguém disse nada. Por que será? Perceberam a diferença?
Há também um grupo mais recente de funk, também do Rio de Janeiro, chamado Gaiola das Popozudas, formado só por mulheres e liderado pela funkeira Valesca Popozuda, que trazem a público ritmos dançantes e eivados de insinuações – do tipo “balança o rabo” e “late que eu tô passando” – e nem por isso caiu no desgosto popular. As garotas do referido grupo são mulheres brancas. Elas trazem consigo o patrimônio da cor, o que por si só é um fator extremamente favorável na busca pelos quinze minutos de fama na mídia.
Ah, tem mais uma figurinha cativa. Lembram-se da Gretchen? Lembram o sucesso que ela fez na década de 1980 com o Conga Conga, que inclusive a atual novela das nove remasterizou para a personagem de sua filha, Thammy Miranda? Pois bem, Gretchen ganhou fama e notoriedade com danças insinuantes para a época (afinal, estávamos falando de década de 1980, período em que o Brasil vivia os momentos finais da ditadura). E como os purismos do século XXI condenam o Bonde das Maravilhas, esse é um aspecto que vale lembrar. Não só fama e notoriedade na mídia alavancaram a carreira da cantora e dançarina Gretchen, assim como ela ganhou prêmios e mais prêmios com essa dancinha insinuante e com sonoplastia puramente sexy hot, porque era assim que Gretchen cantava. Parecia que estava gozando!

Não condeno nenhuma dessas cantoras e/ou dançarinas. Só parto do princípio que minha mãe desde cedo me ensinou: “o pau que dá em Chico tem de ser o mesmo que dá em Francisco”. Se for pra escrachar tem de ser geral, e não fazer o que essa mídia podre e asquerosa está fazendo, dando de cacetada no grupo do Bonde das Maravilhas. E o pior de tudo, é a participação popular de uma gentinha hipócrita nas redes sociais.
E pra não dizer que sou insuportável (porque sou mesmo), a mídia tem jogado pra debaixo do tapete as Panicats, assistentes de palco do Programa Pânico na TV.
Isso sem contar a Anitta, outra jovem cantora de funk que largou a faculdade de administração e um estágio numa transnacional pra seguir seu sonho de virar artista e ficar famosa. Aos vinte anos, ela é sucesso nacional. Sua trajetória artística e história de vida ganharam os louros da Rede Globo, exibido naquela medíocre revista eletrônica semanal.
Ah! E ela sabe dançar o quadradinho, só não o faz, pois tem de parecer fina. Quer dizer que Anitta largou a faculdade pra seguir um sonho de menina, ao tempo que as que são malhadas atualmente são piriguetes, burras e futuras prenhas solteiras? Muito bom. Adoro o contexto em que Anitta se insere, frente à análise que a mídia perfaz.
Difícil levantar esse debate sem trazer à tona os aspectos sociais e raciais imbricados nesse bojo teórico reflexivo que envolve o Bonde das Maravilhas.

Não há como não falar da sexualidade da mulher negra sem atentar aos detalhes sutis que emanam dos ataques ao grupo nas redes sociais. Pois, falar que fazer o quadradinho de oito traz como consequência direta uma barriguinha de nove é o extremo do julgamento que se possa deliberar sobre mulheres jovens negras e moradoras de periferia.
Afinal, só mulher preta e pobre transa casualmente e engravida nesse país, e ainda por cima tem o sacrilégio de tornar-se mãe solteira? As brancas de classe média e de boas famílias também fazem isso, oras!! Maria Rita, a filha da saudosa musa Elis Regina, transou casualmente sem o menor compromisso que uma mulher branca do nível social que ela representa possa “merecer”, e engravidou duas vezes, diga-se de passagem, de homens diferentes.
Volto à pergunta. Por que ninguém malha Maria Rita? Porque ela é branca, rica, canta MPB e não mora na favela? Ah, e mais, porque fora alfabetizada? Sim, porque fazer quadradinho de oito é impossível já que se fosse quadradinho de oito não seria quadradinho e sim octógono. Total coisa de quem não concluiu sequer o ensino primário. Não é o que proferem por aí? Ou só eu que estou vendo?
Ou melhor, as meninas do Bonde “emprenham” cedo porque o único destino de meninas pretas, pobres e faveladas é “abrir o rabo pra parir”, ao tempo que branquinhas de classe média alta, ricas e famosas enfileiram um filho atrás do outro e muitas vezes são mães solteiras porque curtem uma “produção independente”, ou até mesmo porque “são férteis”. Faça-me o favor!
Mulheres brancas de classe média têm filhos “do primeiro e do segundo relacionamentos”. Mulheres pretas e faveladas têm filhos “com um e com outro”. Já perceberam isso?
Se for pra jogar na masmorra o Bonde das Maravilhas, tratemos de assegurar o mesmo valhacouto para todas as outras que as antecederam nesse processo provocativo e pornográfico.
Não estou deste modo a defender as representações pejorativas que possam surgir desse movimento musical e a representação que a mulher negra, por sua vez, está cerceada. Só defendo o direito dessa mesma mulher negra não ser condenada por suscitar ações que outras mulheres brancas, ricas e com formação escolar reproduzem sem passar pelo mesmo crivo midiático ao qual se expõe.
No mais, creio que muito ainda se tem para discutir. Isso aqui é só uma provocação.


FUNK-CARIOCA EM BOM JESUS DO ITABAPOANA-RJ. PARTE 1

MEU DIÁRIO PRETO.


NOS DEEM LICENÇA É A SOCIEDADE NÓS POR NÓS
BOM JESUS E PÁDUA ESSA É A VOZ
CHEGAMOS PRA INCOMODAR E DERRUBAR O IBOPE
NOSSO CARTÃO DE VISITA É O RAP O SOM É FORTE.
SEM NEUROSE SEM THE VOICE
É A REALIDADE NUA E CRUA, SEM CLOSE E SEM BUNFUNFA
É A RUA EM BOM JESUS OS EMERGENTES
NEM PIOR, NEM MELHOR APENAS DIFERENTE
CLICK CLECKE BANG OUÇA O ESTALO
NÃO SE APAVORE SINTA O BEAT ESTILO LOCK
E AGORA AS CAIXAS VÃO BOMBAR NO ESTÉREO, GRAVE, AGUDO
ENQUANTO ISSO EU NOS BASTIDORES OUVINDO OS BALANÇOS DE RAY CHARLES, TUPAC E OS DIAS DE HOJE.
FEITA A APRESENTAÇÃO ME DESPEÇO DE FININHO
DEIXANDO VC´S NA COMPANHIA DO GRANDE MESTRE DA BLACK BONJESUENSE DJ BETINHO.

Pretérito perfeito ou imperfeito, não importa a época, só sei que são lembranças maravilhosas. Épocas em que a Voltaça nos pegou numa corrida da praça indo pela beira-rio até a minha casa na Figueiredo. Época que me iniciou nas rimas.

Tudo começou com um grupo de funk carioca chamado Nova Geração, se não me engano havia um grupo num programa da Xuxa que também levava esse nome não me vem a memória nesse momento quem fazia parte. O grupo de funk carioca Nova Geração de Bom Jesus do Itabapoana-RJ era formado por mim Marcelo Silles, Almeida, Betinho, Ostim, JB, Léocadio e mais uma pá de gente, na verdade era quase uma banca indo para formação de um coletivo. Os mc´s eram eu Marcelo Silles, Betinho, Almeida, Ostim. MC Almeida (Vitor Almeida) é filho de uma das famílias tradicionais de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, a família Almeida. Lembro bem da primeira vez que rimamos no Aero Club de Bom Jesus, o seu pai e mais um amigo foram lá conferir o evento, de certo festa de preto e os brancos burgueses tinham medo, pois na época o funk carioca ainda era uma novidade e classificado como festa de marginais. Recentemente um dito blogueiro bonjesuense redigiu um texto criticando o carnaval de 2013 de Bom Jesus onde somente estava tocando músicas para marginais, estava tocando somente funk. O funk carioca é representante da classe pobre periférica é normal que pessoas tenham essa visão distorcida, racista e preconceituosa.

Bem a primeira apresentação do grupo, que além de ter o rap (no estilo funk carioca) como elemento, também tinha a dança, e a primeira apresentação do grupo foi na Igreja Capela São Sebastião onde a maioria fazia parte do grupo Jovem na época. E foi uma performance de dança. Eu não dançava, não sei dançar, rs. O grupo durou muito pouco tempo, um episódio muito triste marcou o seu fim, a morte do pai do nosso grande irmão e líder do grupo, Betinho, José Roberto na qual abalou a todos. Betinho logo em seguida, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro onde reside até hoje. Quem realmente continuou por um tempo fomos eu e meu parceiro MC Almeida, o tal da família tradicional de Bom Jesus. Rimamos num evento de festival de funk carioca que ocorreu em 1995, no Aero Club de Bom Jesus onde quem venceu foi um MC de Niterói. Tudo indica que já estava firmada a sua vitória, sabe como é né os cidadãos de Bom Jesus só dão valor o que é de fora.

No mesmo ano rimamos no Olympico Futebol Clube, onde também ocorreu um festival de MC´s, 99% do público era da Voltaça. Lembro-me bem que eu e MC Almeida cantamos um funk exaltando a Figueiredo. O clima para o nosso lado não estava bom, estávamos representando um bairro rival, a Figueiredo. Lembro-me bem de geral nos zuando por causa das nossas roupas (não fazíamos questão de roupas de marca, andar na modinha) e também não tínhamos fama de comedor e nem de pegador. Nesses estilos quem é comedor demais, pegador demais ou se puxou um tempo encarcerado tem certa moral com as minas, elas se amarram.

Essa foi a última apresentação de nossa parceria. Logo continuei solo. A primeira vez que rimei sozinho, foi no mesmo ano no Aero Club de Bom Jesus onde muitos gritavam “o Marcelo é rei, uhuuhu o Marcelo é rei”, confesso que fiquei muito envaidecido com essas palavras hehehehehe. Depois dessa veio a minha última na quadra do bairro Pimentel Marques no mesmo anos, onde não fui bem e, portanto perdi a minha coroa, a minha majestade. Mas esse último evento foi importante pra mim, pois eu descobri que na verdade não rimava funk-carioca e sim rap/hip hop. Na verdade eu fazia parte da Cultura de Rua, da Cultura Black Music. Percebi pela forma e formato das minhas rimas, meu flow e ginga, no emprego das palavras, pela forma crítica e bem elaborada das minhas letras com conteúdos totalmente diferente dos mc´s daqui. E também pela forma rasteira. Mas esse processo contribuiu muito para o meu aprendizado e descobrimento.

Retornei com tudo em 2005 agora na cidade de Cariacica-ES. De 2005 a 2008, fiz muitas coisas, muito mais de quando eu morava em Bom Jesus do Itabapoana-RJ. Gravei o meu primeiro single com os meus irmãos B.G. e Nanda Silva onde fomos convidados a participar da coletânea Hip Hop nas Escolas. Gravei com o grupo de rap Negritude Ativa, Vila Velha-ES, e com o meu parceiro MC Agulha, Vitória-ES, e também com o meu grande parceiro de Guiné Bissau/África Fabian Ifrikan. Atuei em projetos sociais ligados a Cultura de Rua, e vários outros.

Como a Black Music e A Rua estão na alma, à atividade não para e junto com o meu parceiro da antiga daquela época de Bom Jesus, DJ Betinho prossigo na caminhada preparando novos trampos.

Um breve relato de minha parte de como surgiu o funk-carioca em Bom Jesus do Itabapoana-RJ, aconteceram muitas e outras coisas mas o espaço é curto. De volta a Bom Jesus do Itabapoana-RJ e resgatando a Cultura de Rua. É Nós Por Nós.

Texto:

Rapper Marcelo Silles


ALIADOS DA É NÓS POR NÓS - LÉO DA XIII


ALIADOS DA É NOS POR NÓS - FABIO EMECE


ALIADOS DA É NÓS POR NÓS - FELIPE ALEM