quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

OSVALDÃO, GUERREIRO DO LUAR, HERÓI DO ARAGUAIA. O herói negro ocultado pela Ditadura


"NÃO TEM IMAGENS EM MOVIMENTO DE CARLOS MARIGHELLA E CARLOS LAMARCA, POR EXEMPLO, QUE SÃO ÍCONES DE RESISTÊNCIA. DO OSVALDO TEM, E FORA ESSA QUESTÃO, ELE TEM UM LEGADO FORTE NA REGIÃO. É O ÚNICO NEGRO QUE PEGOU EM ARMA [...] PRECISA ESTAR NO PATAMAR DE HERÓI BRASILEIRO"

Tamanha violência pode ser explicada, do ponto de vista do exército na época, pela importância da região para os militares e porque consideravam ser causa de segurança nacional. O governo difundia para a população que era necessário proteger o país dos comunistas e rebeldes alinhados com as ideias dos soviéticos e cubanos. A guerrilha resistiu por quase dois anos, mas foi derrotada definitivamente no Natal de 1973, quando a Comissão Militar foi aniquilada pelo exército. Uma equipe do Major Curió, responsável pelo combate ao movimento no Araguaia, conseguiu chegar a uma reunião do corpo pensante da guerrilha e liquidou quase todos os presentes, com poucas exceções. Uma delas foi Osvaldão, que conseguiu fugir para a mata.

Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão




Osvaldão foi a figura mais forte da Guerrilha do Araguaia. Mineiro de Passa Quatro, foi o primeiro comunista do PC do B a chegar à região, entre 1966 e 1967. Negro, quase 2 metros de altura, ficou marcado e é até hoje lembrado pelo povo local por sua coragem e generosidade. Lá, é considerado um herói, e muitas pessoas o enxergam como um ser mítico, conforme descreve Ana Petta, atriz e produtora do filme “Osvaldão”. “Ele era muito hábil na floresta, tinha dom para caçar e pescar. Os índios falam da técnica dele para imitar os sons dos animais. Osvaldão se integrou à natureza e à vida de camponês. Mesmo não sendo nativo, ele ensinava as pessoas a sobreviverem na mata. Perguntei a um índio se eles o ensinaram a imitar os sons dos bichos e, para a minha surpresa, ele respondeu: ‘não, ele que nos ensinou’”.
Inteligente e hábil para aprender, Osvaldo dominava a língua francesa, idioma que aprendeu junto com o pai, um padeiro, por causa da amizade com um chefe de cozinha francês. Aprendeu também o tcheco, após uma passagem de 6 meses pela então Tchecoslováquia, em 1962. Antes disso, Osvaldão morou na cidade de São Paulo, onde fez o curso Industrial Básico de Cerâmica na Escola Técnica. Mudou-se para o Rio de Janeiro e se formou na Escola Técnica Federal como Técnico de Construção de Máquinas e Motores, em 1958. Seu porte físico avantajado o colocava sempre entre os melhores nos esportes que praticava; como atleta, foi campeão de boxe pelo Botafogo Futebol e Regatas após servir o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva - CPOR - do Rio de Janeiro, onde adquiriu preparação militar.

"A ÚLTIMA CAMPANHA DO EXÉRCITO FOI SUJA, FORAM PRATICADOS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE"


Não se sabe ao certo quando Osvaldão foi visto pela última vez, acredita-se que tenha sido em 1973 ou 1974. Durante os quase oito anos em que esteve na região do Araguaia, tornou-se grande referência entre guerrilheiros e camponeses. “Andei pela região do Araguaia e conversei com as pessoas que conviveram com Osvaldão. Eles se lembram dele com orgulho e carinho. Ele era mariscador, o cara que entra no mato para tirar pele dos animais. Naquela época ainda não era proibido. Ficava dois, três meses lá, vivendo de caça, pesca e mariscando. Voltava com uma montanha de peles sobre as costas. Ele tinha esse poder do carisma, era capaz de interagir com pessoas de diferentes segmentos com a mesma simpatia e inteligência”, comenta Vandre. O cineasta acredita que Osvaldão merece um lugar de maior destaque na memória do brasileiro. “Não tem imagens em movimento de Carlos Marighella e Carlos Lamarca, por exemplo, que são ícones de resistência. Do Osvaldo tem, e fora essa questão, ele tem um legado forte na região, algo que os demais não possuem. E, ainda, um terceiro fator muito importante: ele é o único negro que pegou em arma. Em uma população majoritariamente negra como a nossa, a história é contada sem Osvaldão. Falam de Zumbi dos Palmares e Antônio Candido, mas fica uma lacuna. Ele precisa estar no patamar de herói brasileiro”, completa.

Osvaldão era o guerrilheiro mais bem preparado para o confronto armado. Lendas à parte – muitos camponeses e até mesmo membros do exército acreditavam que ele transformava-se em pedra e em animais –, era temido pelos inimigos e admirado pelo povo local por sua força, coragem e pontaria. Foi comandante do Destacamento B, onde participou com êxito de vários combates. Em um confronto na região próxima ao Suruí, povoada por índios, foi dito pelos militares que Osvaldão baleou um oficial. Deste momento em diante, sua captura e morte tornou-se o principal objetivo do exército. “Os militares sabiam que ele havia passado pelo CPOR no Rio de Janeiro, sabiam da educação militar que ele tinha. Sem contar o treinamento de guerra que fez na China. Ele era o inimigo número um, pegá-lo era questão de honra e um grande troféu para o regime militar. Tanto que, quando ele foi morto, passearam com o seu corpo amarrado no helicóptero como forma de comemoração. Fazendeiros e mateiros contam que foi feito um grande churrasco em Xambioá, uma zona de prostíbulo. Todos foram convidados a participar de uma grande festa, e ficou só um núcleo do exército responsável por enterrar Osvaldo. Até hoje não se sabe o paradeiro da ossada dele”, conta Vandre.

"O POVO NEM SABIA DA GUERRILHA ATÉ O FIM DA DITADURA E, NA VERDADE, ATÉ HOJE NÃO SE SABE EXATAMENTE O QUE ACONTECEU [...] A GUERRILHA FOI RESULTADO DE UM PENSAMENTO POLÍTICO COMUNISTA"


Estima-se que o conflito tenha deixado 76 mortos. Além de Osvaldão, outra figura emblemática não teve seus restos mortais encontrados: Dinaelza Coqueiro. Dina esteve junto dos companheiros de guerrilha pela última vez em 30 de dezembro 1973, e foi vista pela última vez enquanto estava presa na base dos militares em Xambioá, onde insultava e cuspia nos oficiais que a interrogavam, incluindo o Major Curió. “Ela estava sendo procurada pelo Curió e suas tropas, e a ordem destes para os camponeses era que, se a vissem, deveriam capturá-la, do contrário poderiam ser fuzilados. No desespero, os camponeses a pegaram quando ela apareceu em busca de água e comida na aldeia. Conseguiram amarrá-la e foram avisar o Curió, mas Dina conseguiu fugir para a mata. Nas buscas pela floresta, a encontraram em cima de uma árvore. Ela ainda tentou lutar, mas foi a última vez em que foi vista”, detalha o pesquisador Osvaldo Bertolino.
Imagem original de uma gravação feita durante o período em que Osvaldão esteve na Tchecoslováquia para estudar (cena do filme “Osvaldão”). DICA: O longa-metragem mencionado, “Osvaldão”, produzido por Ana Petta e dirigido por Vandre Fernandes, está em fase de produção e recebe apoio da Fundação Mauricio Grabois. A Raça Brasil irá noticiar a estreia do filme. Aguardem!

Na época, a censura não permitia a divulgação de notícias sobre a guerrilha na imprensa local e nacional, ordens diretas do presidente Ernesto Geisel. O sigilo fazia parte do controle que o governo exercia sobre a população, que poderia ser inflamada e ter reações contra o regime militar por conta dos acontecimentos no Araguaia. Todo e qualquer vestígio do conflito deveria ser apagado. “O povo nem sabia da guerrilha até o fim da ditadura e, na verdade, até hoje não se sabe exatamente o que aconteceu, porque os arquivos do Araguaia não foram abertos. Mas a partir do fim da ditadura, começaram a aparecer reportagens e livros para esclarecer que a guerrilha foi resultado de um pensamento político comunista. A história não foi divulgada, pois a guerrilha poderia ter um apelo popular, não digo nos grandes centros, mas a massa camponesa e empobrecida do norte e nordeste poderia ter se motivado pela luta. A ditadura varreu qualquer vestígio, os corpos dos guerrilheiros são considerados desaparecidos. Os arquivos estão fechados, não há detalhes sobre as mortes e ainda hoje há receio em se falar no assunto. Há gente por aí que teria de se retratar pelo que aconteceu naquela época, por exemplo, Curió, que continua vivo. Mas há essa resistência porque o Exército e a Marinha têm culpa, foi um crime de Estado”, avalia Bertolino.

Com o abafamento da revolta, foi ocultada a história de Osvaldão, de maneira que ainda hoje poucos têm conhecimento de um dos principais líderes da luta contra os abusos cometidos na época da ditadura militar. “O Osvaldão sempre foi uma figura forte para quem se aproximou da história da guerrilha. Tem algo especial por ser um líder negro, por ter despertado diversas emoções, ódio e medo para os inimigos, sendo ao mesmo tempo uma figura carismática, um homem carinhoso. Merece ter a sua história contada”, conclui Ana Petta.

FONTE: http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questao-racial/afrobrasileiros-e-suas-lutas/23010-o-heroi-negro-ocultado-pela-ditadura

SIMONE PEDRO, NO BOULEVARD SHOPPING EM CAMPOS DOS GOYTACAZES.




terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Funk ostentação é Hip Hop, mas o Hip Hop não é só isso


Branded Head, Hank Willis Thomas, 2003.
O funk ostentação é hip-hop. Não estou dizendo que o hip-hop resume-se à ostentação. Mas que o funk ostentação tem a ver com a tendência do rap que glamoriza o estilo PIMP (Cafetão/Proxeneta).

O PIMP é o estilo gangsta na versão século XXI, que renovou e reatualizou a linhagem iniciada nos fins dos anos 1980 por Ice-T, ampliada por 2 Live Crew, aprofundada por N.W.A., aprimorada por Dr. Dre e Snoop Dog, tomando um caminho sem volta com 2Pac e Notorious Big. O estilo PIMP foi muito bem defendido por 50Cent em seu disco de estréia de 2003, Get Rich or Die Tryin' (Fique rio ou morra tentando), e ele conseguiu, é o típico self made man - 50Cent na Forbes.
 

Em 2013 50Cent lançou o clipe de We Up, com Kendrick Lamar - a nova revelação do rap estadunidense-, reafirmando a tendência, ostentando mulheres, jóias, carros, marcas. Interessante que a semelhança do sertanejo arrocha com o estilo PIMP  não é mera coincidência, é pura ostentação. E a ostentação, as excentricidades não se limitam aos artistas dos gêneros "malditos", melhor dizer amaldiçoados, como não música.

Então, a excentricidade e a ostentação estão presentes no rock, em outros gêneros musicais e outras artes, típico da performance da celebridade, por exemplo: Nick Mason e suas Ferraris; os carros de Nikki SixxFrank Sinatra e a máfia; a oração de Janis Joplin por uma Mercedes Benz. Seria uma lista infindável, então, voltemos a We Up, nela os rappers rimam a vida complicada de milionário, afirmam como deram duro para conquistar riqueza, e como serão duros para manter as conquistas.
Criticam os aproveitadores e se gabam de não serem negros como aqueles que usam falsificações. Saíram do gueto, mas hoje têm estilo e poder para adquirir "good pussy for dinner/ bomb kush for breakfast":

No documentário sobre o funk ostentação podemos conferir as afinidades temáticas e performáticas entre os dois estilos. O que faz o funk ostentação ser hip-hop são elementos básicos: música para a dança, uso da antifonia (chamado e resposta), bases musicais produzidas através de samplers e programações, rimas geralmente em primeira pessoa, caracterizadas por improviso e bazófia, artistas, em geral,  negros e de classe baixa, enfim, marginalizados, produzindo crônicas sobre o cotidiano vivido por eles - justamente aqueles que têm maior probabilidade de morrer antes da velhice, não é atoa que o lema é "viver pouco como um rei e não velho como um zé":

O rap nacional, que seria o hip-hop real, não deixa por menos, de Cabal à MV Bill, passando pelo time da Bagua Records. Os manos Claudinho e Lethal me disseram, porém, que o verdadeiro PIMP brasileiro é o Mr. Catra.É possível retroceder um pouco para pensarmos a questão das relações ostentatórias dos artistas negros com as grandes marcas. No livro Sem Logo: as tiranias das marcas em um planeta vendidoNaomi Klein argumenta que nos anos 1980 os jovens negros dos bairros pobres dos EUA serviram como fonte de "significado" e identidade para várias marcas. Abaixo reproduzo um trecho sobre o caso do grupo Run DMC e sua homenagem "espontânea" à marca Adidas. 
 
O mais recente capítulo na corrida do ouro do mainstream americano para a pobreza começou em 1986, quando os rappers do Run-DMC deram uma nova vida aos produtos Adidas com seu sucesso My Adidas, uma homenagem a sua marca favorita. Anteriormente, o trio de rap loucamente popular tinha hordas de fãs copiando seu estilo de assinatura e medalhões de ouro, abrigos Adidas preto e branco e tênis Adidas cavados, sem cadarços. "Calçamos esses tênis toda a nossa vida", disse Darryl McDaniels (também conhecido como DMC) de seus calçados Adidas na época.

Foi ótimo por algum tempo, mas depois ocorreu a Russell Simmons, presidente do selo Def Jam Records do Run-DMC, que os rapazes deviam ter sido pagos pela promoção que estavam fazendo para a Adidas. Ele abordou a empresa de calçados alemã sobre a possibilidade de destinar algum dinheiro para a turnê Together de 1987. Os executivos da Adidas foram céticos a respeito de se associar com a música rap, que na época era rejeitada como uma moda passageira ou difamada como uma incitação à baderna. Para ajudá-los a mudar de ideia, Simmons levou dois mandachuvas da Adidas a um show do Run DMC. Christopher Vaughn descreve o evento na Black Enterprise: "No momento crucial, enquanto o grupo de rap estava apresentando a canção [My Adidas], um dos membros do grupo gritou, 'OK, todo mundo balançando seu Adidas!' — e três mil pares de tênis foram atirados para o ar. Os executivos da Adidas sacaram seu talão de cheques com uma rapidez recorde." Durante a feira anual de calçados esportivos em Atlanta naquele ano, a Adidas revelou sua nova linha de calçados Run-DMC: a Super Star e a Ultra Star - "desenhados para ser usados sem cadarços".

Será que veremos algum acordo entre as marcas e os funkeiros que as ostentam?
 
Será que nos deparamos com a repetição da tragédia, agora como farsa?
 
Enfim, como canta MC Dede "quem pode, pode/quem não pode se sacode". E essa molecada está fazendo muita gente sacudir, sobretudo, quando os fãs que vivem em áreas sem equipamentos públicos de lazer - onde bailes são proibidos, muitas vezes com toque de recolher, encurralados entre a violência do crime organizado de farda ou à paisano, áreas nem um pouco parecidas com as paisagens da publicidade que alimenta a ostentação - saem para rolezinhos nos shoppings.

Se ser cidadão é ser consumidor, essa galera já entendeu. E é por isso que as marcas são para eles - como o são inclusive para quem não ostenta flagrantemente - fontes de "significado" e identidade. O problema são os atravessadores...Decadência, degeneração? Que nada. A exploração, as discriminações, as violências, o racismo e as desigualdades seguem firmes e fortes. Nestor Garcia Canclini apontou algumas questões que valem repetir e refletir:
Enquanto as ações de massa não desenvolverem intervenções adequadas à extensão e eficácia da mídia, prevalecerão as dissidências atomizadas, os comportamentos grupais erráticos, conectados mais pelo imaginário do consumo e menos pelos desejos comunitários. (1999, p. 287)
Ou abraçamos o ideal utópico, como afirma o crítico argentino, na medida em que haja o desejo de que a "emancipação e a renovação do real continuem fazendo parte da vida social" ou seguiremosshaking our branding make, pois a Copa vem aí e dá-lhe ostentação. É possível acreditar que o apelo publicitário das marcas será sobrepujado pelo "say no to racism"?
 
A nova diva do hip-hop nacional, Karol Konka, já está faturando, e não há nada demais, o perigo está na afirmação do esporte e da música como um fim e não como meio para a emancipação da juventude negra e pobre.Como disse acima, o hip-hop não pode ser resumido à ostentação, e a atuação dos artistas vai muito além da imagem que se consome.
 
Ao mesmo tempo, dentro do próprio hip-hop vem a auto-crítica e a chamada à responsabilidade pela defesa de um dos elementos chaves dessa cultura, defendidos por Afrika Bambaataa e muitos outros, o conhecimento e a consciência.
 
Assim, quando GOG se nega a participar de evento da Fifa com a Rede Globo; quando sarais de poesia, literatura marginal e o cine periferia desafiam as forças contrárias; ou quando Dexter questiona a fita dominada, temos ações emancipatórias, pois críticas do status quo, e que contribuem para a renovação do real.
 
O importante é que a liberdade para ser o que quiser ser, para consumir o que deseja sejam garantidas, assim como, o conhecimento sobre as origens das matérias primas -de onde vêm as matérias primas, as formas de produçãodescarte dos produtos entre outras questões, é preciso saber das consequências em abraçar o american way of life
 
Além do mais nós somos péssimos consumidores, não para as empresas é claro, pagamos caro, sem muita reclamação, em nome do status. Por outro lado, não prestamos atenção na atuação social das empresas, se elas apoiam programas sociais, ambientais, culturais, o que já ajudaria a amenizar o fosso, sobretudo se estes projetos estivessem onde o Estado não chegou, nas áreas de onde saem a galera dos rolezinhos.
 
Em Diadema, por exemplo, a Casa do Hip-Hop onde foram realizadas várias atividades de formação e recreação por mais de dez anos, atualmente está às traças. O bom é que King Nino Brown, um dos criadores, está atuando na nova Casa do Hip-Hop em São Bernardo do Campo.
 
Em Goiânia e Goiás também há também diversos coletivos e indivíduos fazendo a diferença, no break: Mega Break e Electro Rock; no rap a VMG e outras bancas; Dj Fox na produção de vídeo clipes; CRJ na formação;RapGyn e Marginal Latino na informação.Outro questão a ser refletida é a falta de conhecimento sobre as leis de incentivo cultural, muitos hip-hoppers criticam, com a afirmação de que é um dinheiro dos políticos, e de que são independentes, mas não entendem que é um financiamento à base dos impostos pagos por pessoas físicas e jurídicas, aprender a fazer projetos para garantir o financiamento dos trabalhos autorais é de suma importância para garantir a emancipação.
 
A história do Dexter é exemplar, pois para bancar as gravações de um disco buscou no 157 a saída, qual dinheiro será mais sujo, o das leis de incentivo ou o produto do crime? Porque o hip-hop crítico, politicamente posicionado, ou os projetos para o breakdance, para o audiovisual, para os livros não são artes que produzem retornos econômicos que os possibilitem sobreviver, e enquanto as empresas não invistam, como mero merchandising, as leis de incentivo são uma possibilidade, e mais, um direito irrefutável.Não é fácil, porém, fugir às tentações e às dominações simbólicas e de fato. São estruturas poderosas e cambiantes disseminadas em micro-poderes. Desconstruir e re-construir o imaginário e as práticas deletérias é tarefa árdua e implica um esforço individual, coletivo e institucional imenso. Ainda há tempo.
 
O importante é ter disposição para assumir o compromisso, junto com as contradições e fragilidades de nossa condição atual. O primeiro passo, creio eu, é entender que as culturas de juventude são fruto de condicionamentos históricos, lutas por representação e reconhecimento e não barbarismo atávicos ou degradação do humano. A partir deste entendimento é possível construir diálogos, pontes, redes no lugar dos muros, medos e violências.

Como professor e defensor da escola pública, me parece urgente a nós que estamos nas instituições educacionais construir canais de debate e agregar forças para o enfrentamento das demandas da juventude e das comunidades locais.
 
É preciso canalizar esforços para que as escolas e universidades tornem-se espaços para o confronto de ideias franco e democrático, onde se possa aprender e reaprender com o outro. Mas será que estamos prontos para ouvir, a ponderar, a confiar em nossa capacidade e na capacidade das criança, jovens e seus familiares em construir projetos que contribuíam, verdadeiramente para o desenvolvimento pleno da criatividade?
 
Criatividade esta que possa colocar em prática e renovar as relações com nós mesmos, com os outros e com o mundo que nos cerca através das artes, as ciências, os usos do corpo, as relações com a diversidade, a democracia e a liberdade? Pode ser que sim, desde que estes espaços dedicados ao saber e à sua re-construção contínua não sejam vistos como apanágios salvacionistas, mas sim como instrumentos para a emancipação e renovação do real em detrimento dos enquadramentos autoritários e repressivos e das vaidades egoísticas.
 
O hip-hop surgiu ao longo dos anos 1970 como resposta ao urbícidio, que segundo Marshall Berman, atormentou os moradores do South Bronx - um gueto de classe trabalhadora negra e imigrante. Parecia não haver saída diante de tamanha degradação gerada pelos deslocamentos forçados pela destruição de áreas residências para a construção da Cross Bronx Expressway
 
As forças da intervenção urbana, baseada na especulação imobiliária ajudaram a desintegrar laços comunitários e de vizinhança. A violência aumentou, com as taxas de homicídio subindo ano após ano. A população foi assolada por uma epidemia de droga que se alastrou por entre as ruas desoladas pelos incêndios que queimaram as áreas que não haviam sido destruídas para o empreendimento.
 
Neste momento as subestações de Corpo de Bombeiro eram fechadas com o argumento de que a população estava diminuindo. Surgiram inúmeras gangues, inclusive para a proteção de quarteirões contra as ações de outras. E tudo isso quando as fábricas fechavam suas portas e migravam para outras regiões ou países, atrás de incentivos fiscais e mão de obra barata, deixando para trás inúmeros desempregados.
 
Foi naquele contexto de angústia e miséria que adolescentes em sua maioria negros e latinos criaram através da arte e da diversão novos laços comunitários, novas famílias que deram sentidos às suas vidas, fornecendo alento, abrigo, alegria, estilo e modo de vida, muitos passaram a viver da arte da dança, do grafite, como Dj ou rapper. Mas também serviu como instrumento para seguir adiante e abraçar outras possibilidades para além das contingências do urbícidio.
 
Construíram um poderoso meio expressivo que continuou reverberando para outros territórios e dando sentido para a vida de muitos jovens, ao redor do mundo, que encontraram no hip-hop uma saída. Aí está força do hip-hop. Porém, como qualquer produto humano carrega contradições e fragilidades. Sem, no entanto, "passar pano", indicam que é preciso enfrentá-las, pois, "se tu luta, tu conquistas":

Para terminar, creio que o trabalho de Hank Willis Thomas -da imagem que abre a postagem-, artista estadunidense que criou em 2007 a exposição Unbranded (Sem marca), ajuda-nos a manter a reflexão sobre o real e o possível na sociedade de consumo contemporanea. As obras consistem em publicidades que tiveram os logos e slogans retirados para que os corpos negros falassem por si. Confira AQUI.

Referências:
BERMAN, Marshall. À beira do fim: Nova Iorque na virada do milênio. In: SERPA, E. C. ...et al.Narrativas da modernidade: história, memória e literatura. Uberlândia: EdUFU, 2011, pp. 69-92.
CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. RJ: UFRJ, 1999.

FONTE:http://www.geledes.org.br/patrimonio-cultural/artistico-esportivo/musica/cantores-compositores/22978-funk-ostentacao-e-hip-hop-mas-o-hip-hop-nao-e-so-isso

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Frei Betto: Como nascem os preconceitos


As discriminações não nascem na natureza. Brotam nas nossas cabeças e contaminam as nossas almas e atitudes.

por Frei Betto,

Em seu livro Doze Contos Peregrinos, o escritor colombiano Gabriel García Márquez conta a história de um cachorro que todos os dias era encontrado num cemitério de Barcelona junto ao túmulo de uma prostituta, Maria dos Prazeres. Com certeza se inspirou nas histórias reais de Bobby, um terrier de Edimburgo, Escócia, que durante 14 anos guardou o túmulo de seu dono. Ali ficou uma pequena escultura dele e uma lápide na qual gravaram: “Que sua lealdade e devoção sejam uma lição para todos nós”.

Em Tóquio ergueram também uma estátua, na estação Shibuya, em homenagem a Hashiko, um cão da raça akita que todos os dias esperava seu dono retornar do trabalho. O homem morreu em 1925, e durante anos o cachorro foi aguardá-lo na mesma hora em que ele costumava regressar. Hashiko morreu em 1935 e a estação hoje tem seu nome – fizeram até um filme sobre esse episódio (Sempre a seu Lado, com Richard Gere).

Cães e seres humanos são mamíferos, exigem cuidados permanentes, em especial na infância, na doença e na velhice. Manter vínculos de afeto é essencial à felicidade da espécie humana. A declaração de independência dos Estados Unidos teve a sabedoria de incluir o direito à felicidade. Pena que muitos estadunidenses considerem hoje a felicidade uma questão de posse. Daí a infelicidade geral da nação, traduzida no medo à liberdade, no espírito bélico, na indiferença para com a preservação ambiental e as regiões empobrecidas do mundo. É o chamado mito do macho, segundo o qual a natureza foi feita para ser explorada, a guerra é intrínseca à espécie humana e a liberdade individual é considerada acima do bem-estar da comunidade.

O darwinismo social é uma ideologia cujos hipotéticos fundamentos já foram derrubados pela ciência, em especial a biologia e a antropologia. Essa ideologia foi introduzida na cultura ocidental pelo filósofo inglês Herbert Spencer, que no século 19 deslocou supostas leis da natureza indevidamente atribuídas a Charles Darwin para o mundo dos negócios. John Rockefeller chegou ao ponto de atribuir à riqueza um caráter religioso, ao afirmar que a acumulação de uma grande fortuna “nada mais é que o resultado de uma lei da natureza e de uma lei de Deus”.
O conceito de seleção natural de ­Darwin deriva de sua leitura de Thomas Malthus, que em 1798, em ensaio sobre crescimento populacional, afirmava que se crescer a uma velocidade maior que seu estoque de alimentos a população será inevitavelmente reduzida pela fome. Spencer agarrou-se a essa ideia para concluir que na sociedade os mais aptos progridem à custa dos menos aptos e, portanto, a competição entre os seres humanos é positiva e natural.

E os que são cegos às verdadeiras causas da desigualdade social alegam que a miséria decorre do excesso de pessoas no planeta. Ora, se somos 7 bilhões de seres humanos no planeta e, segundo a FAO, produzimos alimentos para 12 bilhões de bocas, como justificar a desnutrição de 1,3 bilhão de pessoas? Não há excesso de bocas, mas falta de justiça.

Quanto mais são derrubadas barreiras de classe, mais os privilegiados e seus ideó­logos se empenham em buscar justificativas para provar que entre os humanos uns são naturalmente mais aptos do que outros. Outrora os nobres eram considerados espécie diferente, de sangue azul. Com a Revolução Industrial, gente comum se tornou rica, superando-os em fortuna. Foi preciso então criar uma nova ideologia: que o Estado e a Igreja cuidem dos pobres. E tão logo Estado e Igreja passaram a dar atenção aos pobres – sem deixar de cuidar dos ricos, que o digam o BNDES e a Cúria Romana –, os privilegiados puseram a boca no trombone, demonizando as políticas sociais, acusando-as de gastos excessivos.

Preconceitos e discriminações não nascem na natureza. Brotam nas nossas cabeças e contaminam as nossas almas e atitudes. Vamos lutar contra eles. 

Frei Betto é colunista da Rádio Brasil Atual.

FONTE: http://www.geledes.org.br/em-debate/22961-frei-betto-como-nascem-os-preconceitos

SorryDrummer and Friends Tributo a J Dilla





sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O LADO OPOSTO

MARCELO SILLES
Assistente Social & Rapper.

            O pretérito imperfeito articulado e imaculado pela cor que detém o poder brasileiro e porventura, sempre se congratulam como sujeitos construtores apenas deste imenso solo brasileiro, está sendo reescrito pelas memórias guardadas e, portanto, repassadas de geração a geração.  A valiosidade de um passado recheado, permeado de glórias enegrecidas e por muito tempo abandonadas propositalmente para que as gerações futuras continuassem com o papel ideológico do opressor sob o jugo da subserviência, hoje vem à tona com total força e esplendor.

            As redes sociais são o baluarte de troca de idéias reascendendo dessa forma a chama da identidade ancestral que antes mantinha-se tímida ali esperando para que alguém a abastecesse e seu brilho exaltasse a esperança preta. Paradigmas estão sendo derrubados, mitos sendo desvendados e a mestiça e sua outrora cai por terra desmascarando poetas, escritores e elementos do bem.

            A catarse reacionária debanda os seus esquerdismos de ismos embranquecidos acuminado com o direitismo de pessoas direitas e decentes honestas e moralistas. Fato onde muitos são totalmente contra as cotas e contra qualquer viabilidade para o povo preto. Mas esses senhorios e senhorias, muitos descendentes de europeus, esquecem que seus ancestrais abarcaram aqui com todos os privilégios garantidos e assentados, enquanto os nossos ancestrais foram covardemente jogados a margem.


            Os brancos racistas brasileiros estão saindo do armário e esbanjando o ódio racial que sempre tiveram, com total aval e apoio da sociedade dita do “bem”, da moral e dos bons costumes. A foto representa bem a sensação em que muitos pretos queriam experimentar, fazer valer a pena a luta mesmo que seja de uma forma provocativa intencionadora numa foto ou imagem, para que os indignados ao olhar sintam na pele a humilhação. A recíproca é verdadeira, quando a verdade dói somos acusados de opressores pela opressão. Salve Zumbi, Salve Dandara. 4P Eternamente.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

OPANIJÉ




Opanijé


Desde que começamos o trabalho de difundir a música com o Broncofonias um dos principais objetivos dessa ‘ferramenta’ foi derrubar toda essa ideia de eixo, que de alguns anos para cá percebemos que cada vez mais outros estados, além de São Paulo e Rio de Janeiro, andam causando um certo frisson com sua efervescência musical e com a coragem de abusar na mistura do regional, da força da ancestralidade com novas tecnologias e texturas que que somam em trabalhos musicais originais com muita autenticidade.
Mais uma vez, com muito orgulho, nossa colaboração vem lá da Bahia, um lugar que nos agrada muito com sua sonoridade, já iniciando os trabalhos de 2014 com caminhos abertos, hoje aqui apresentamos o lindo trabalho do grupo Opanijé, palavra que na linguagem yorubá significa ”aceitar comer” (opa – aceita), (nijé – comer) e também dentro do Candomblé é um toque sagrado aos Orixás pedindo pedindo saúde e longevidade.
Axé!
(Dante Rui)

Em novembro de 2013 o grupo Opanijé lançou seu primeiro disco, em parceria com o selo Garimpo Música.
Com repertório formado em sua maioria por músicas autorais da dupla Lázaro Êre e Rone Dum-Dum o disco
tem produção musical de André T, responsável por trabalhos importantes da cena musical (Pitty, Baiana System, Cascadura, Retrofoguetes).
O álbum chega com 14 faixas e as participações especiais de Ellen Oléria em “Aqui Onde Estão” ; os rappers G.O.G., Aspri e Gomez na faixa “Sangue de Angola” e Gomez e X em “O Que Eu Quiser”; Orquestra Rumpilezz em “Deus que Dança”; Robertinho Barreto (Baiana System), DJ Márcio Cannibal e Sereno Loquaz na faixa “Vamuinvadi”; Heider Soundcista em “Encruzilhada”; e ainda contaram com o auxílio luxuoso do percussionista Gabi Guedes em diversas faixas.
Gravado, mixado e masterizado por André T, produção executiva de Soraia Oliveira, na direção de arte e projeto gráfico Pedro Marighella e com fotografias Filipe Cartaxo, o disco foi realizado através do apoio do projeto Conexão VIVO|Faz Cultura.

O grupo Opanijé surgiu em 2005 com a proposta de fazer um estilo próprio de rap com letras que exaltam a cultura negra e a ancestralidade africana. Formado por Lázaro Erê (voz e letras), Rone Dum-Dum (voz e letras)e DJ Chiba D (toca-discos). O grupo une o que existe de mais tradicional na cultura afro-baiana, como o uso de instrumentos percussivos, berimbaus e cânticos de candomblé, com o que há de mais moderno na tendência musical contemporânea, como samplers, efeitos e batidas eletrônicas.
Ouça e compartilhe!

FONTE:http://broncofonias.com/2014/01/09/opanije/



"Vamos trabalhar negrada!" Criminalização de “rolezinhos” gera explosão de racismo na internet

A criminalização de que o movimento desorganizado dito “rolezinhos” foi alvo por ação de textos recriminatórios da grande imprensa e da decisão judicial que permitiu aos shoppings de São Paulo promoverem, sob critérios obscuros, triagem de quem podia ou não ingressar nesses empreendimentos comerciais gerou uma onda de racismo nas redes sociais.

Essa mesma criminalização dos “rolezinhos” foi a senha a estimular jovens a postarem comentários com termos como “Negrada” e “baianada” (forma como classe média paulista se refere a nordestinos) naquelas redes sociais sem demonstrarem qualquer preocupação.

Em 1951, foi promulgada a Lei 1390/51, mais conhecida como Lei Afonso Arinos. Proposta por Afonso Arinos de Melo Franco, proibia a discriminação racial e a separação de “raças” diferentes que, até então, era aceita.
A lei Afonso Arinos acabou se revelando ineficiente por faltar rigor nas punições que previa mesmo em casos explícitos de discriminação racial em locais de trabalho, em estabelecimentos comerciais, em escolas e nos serviços públicos.

Em 1989, o governo José Sarney promulgou a Lei 7716/89, mais conhecida como “Lei Caó”. Proposta pelo jornalista, ex-vereador e advogado Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, essa lei determinou a igualdade racial e o crime de intolerância religiosa.

Apesar de ser menos usada do que deveria, a lei 7716/89 inibiu fortemente o racismo explícito no país por tê-lo tornado inafiançável. Contudo, a leniência da Justiça mesmo com os casos mais graves continua estimulando o racismo aberto em vários setores da sociedade e, sobretudo, em regiões específicas do país – sobretudo no Sul e no Sudeste.

Onde andará o Ministério Público e a mesma Justiça que foi tão ágil em dar permissão aos shoppings para barrarem a entrada daqueles que essa “juventude” chama de “negrada” e de “baianada”? Com a palavra, o doutor Rodrigo Janot, Procurador Geral da República Federativa do Brasil.
*
Veja, abaixo, alguns dos milhares de crimes de racismo que estão sendo cometidos na internet enquanto você lê este texto.



FONTE:http://www.geledes.org.br/racismo-preconceito/racismo-no-brasil/22811-vamos-trabalhar-negrada-criminalizacao-de-rolezinhos-gera-explosao-de-racismo-na-internet


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Documentário Hiato :


SINOPSE
Em agosto de 2000 um grupo de manifestantes organizou uma ocupação em um grande shopping da zona sul carioca. O episódio obteve grande repercussão na imprensa nacional e ainda hoje é discutido por alguns teóricos. O filme recuperou imagens de arquivo e traz entrevistas de alguns personagens 7 anos após essa inusitada manifestação.

www.gumefilmes.blogspot.com.br


A BEATMAKER CAMPISTA STAR THAMYS






sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Por que conhecer a história da África?

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A resposta a essa questão nos coloca, primeiramente, diante da importância de constituir outro olhar sobre a história da humanidade e a história do Brasil. Esse novo olhar sobre a trajetória das sociedades humanas deve buscar uma perspectiva menos eurocêntrica e a inclusão de novos espaços e sujeitos no mapa da história. Reconhecer a presença africana amplia a nossa concepção de mundo e permite perceber aspectos das relações entre povos e regiões do planeta ao longo do tempo por nós ainda pouco conhecidos e compreendidos. Tal aprendizado ilumina nosso entendimento sobre processos históricos e dinâmicas sociais que a negação secular da história africana nos currículos escolares e universitários no Brasil nos levou a não perceber e, por consequência, interpretar de forma equivocada.

Em diversos momentos da história, povos da África, em suas relações internas ou com outros povos, estiveram diretamente envolvidos em transformações que alteraram profundamente a vida no nosso planeta. Desde o surgimento da humanidade, com as migrações que povoaram o mundo e as novas relações com o ambiente delas surgidas, à criação de instrumentos que mudaram as formas de sobrevivência e a constituição das primeiras instituições gregárias das sociedades humanas, os povos africanos foram protagonistas de grandes transformações na história.

Na Antiguidade, a força e o fausto do Egito africano e sua relação com o interior do continente, sobretudo com os reinos da Núbia, e, mais tarde, toda a importância da cidade de Cartago, que disputou com Roma o espaço do mar Mediterrâneo. Na costa oriental africana, as caravelas que cruzavam o Índico ligavam esse litoral ao golfo Pérsico, à Índia e à China, além das ilhas da Indonésia, a partir do século V, aproximadamente. Um ativo comércio conectava os africanos com povos de diferentes regiões, nesse movimentado mar oriental, muito antes de ali aportarem os portugueses.

Aliança e resistência na América

Na chamada Época Moderna, os africanos foram envolvidos o mais longo e intenso processo e migração forçada da história do mundo, cruzando, nos chamados navios negreiros, as novas rotas atlânticas que os europeus criaram. E, se as Américas se constituíram a partir das relações estabelecidas entre europeus, povos indígenas e africanos escravizados, da mesma forma, o mundo atlântico, como espaço de intercâmbios de mercadorias, tecnologias e ideias, teve na sua formação a participação fundamental dos nativos da África. Nas alianças e resistências, africanos e africanas estiveram nessa história de forma ativa, para além do sofrimento nos porões dos tumbeiros. Na criação de quilombos e rebeliões escravas que iam do Caribe ao sul dos Estados Unidos até a Bahia, passando por muitos espaços nas Américas Negras, africanos contribuiriam para o fim do tráfico escravista e da escravidão.

Na primeira metade do século XX, ainda no espaço do mundo ocidental, a África se tornou espaço de importantes conflitos de abrangência internacional e de um novo tipo de dominação colonial. Nesse processo seus habitantes participaram, por meio de iniciativas e ações, resistindo, questionando e criando, através das relações de poder e seus desdobramentos internos, um novo mapa político para o continente. E, na segunda metade do século, a partir de transformações internas, mas conectados a uma conjuntura externa, conduziram lutas pela independência que trouxeram novos atores ao cenário internacional no conjunto de países, alterando de forma significativa as relações internacionais.

Mônica Lima e Souza é professora de história da África e coordenadora do Laboratório de Estudos Africa