sexta-feira, 30 de maio de 2014

DEPOIMENTO DE UM VICIADO - Realidade Cruel




O AMOR VENCEU A GUERRA - Gog


CASTELO DE MADEIRA - A Família


Letra:
Milhões de brasileiros não tem teto não tem chão
Eu sou apenas mais um na multidão
Não vai pra grupo com minha calça, minha peita, minha lupa
Se canto rap aí, não se iluda.

Alá! to vendo a cena vai chover e o rio vai transbordar
E meu castelo de madeira vai alagar.
Isento de imposto eu mesmo abraço com meus prejuízos
Natural sofrer se os cordões são indecisos.

Mil avisos, periferia desestruturada
Mil muleque louco, no crime mostra a cara.
Centenas de vezes vi a cena se multiplicar
Quando cheguei ate aqui não tinha ninguém agora tem uma pá.

Muleque doido eu enfrentei o mundão de frente
Ausente em várias "fita" bandido filho de crente
No pente, desilusão, dinheiro, mulher
Mais pra frente se deus quiser mais resistente à fé

Rumo ao centro calos nas mãos multidões
Toda essa rebeldia reforça os refrões
Talvez você não saiba do herói que vive a guerra
Com uma marmita fria sem mistura eu sou favela

Vivi pensando a vida inteira em fazer um regaço
Mas agora que conquistei meu sonho, aquele abraço.
Mas não importa se chão de terra tem poeira
Realizei meu sonho, meu castelo de madeira.

Refrão
Sou príncipe do gueto só quem é desce, sobe a ladeira
Sou príncipe do gueto e meu castelo é de madeira.
Sou príncipe do gueto só quem é desce, sobe a ladeira
Sou príncipe do gueto e meu castelo é de madeira.

Hoje já choveu já ventou to de cara
Em saber que meu castelo suporta tudo menos fogo e bala.
Suporta dor, minhas crenças, minhas loucuras
Suporta ate minhas "cabreiragem" com a viela escura.

E o sobe e desce de uns "nóia" na fissura
Chave de cadeia se trombar com a viatura
Vida dura, brotou o espinho não a rosa
Quebrada querida vida bandida verso e prosa.


Meu orgulho, um rádio velho toca fitas
Rap nacional tocando é o que liga.
Às sete da noite a luz elétrica cai
Se a comunitária sai do ar... aí vai.

Coloco aquela fita de "drão bambambam".
Um cérebro sobre rodas finado "coban".
As crianças me vêem como um adulto equilibrado
Não sabem das minhas "fitas" nem dos meus pecados.

E os aplausos deixem pra depois
Quebrada querida mãe, é só nos dois
Vou lutar pra ser vencedor nessa porra
"desbaratinar" vidinha podre sodoma e gomorra

Deus criou o mundo, e o homem criou o dinheiro
Crack e cocaína, bebida e puteiro
Mas não importa se chão de terra tem poeira
Aqui! é meu castelo de madeira.


Refrão
Sou príncipe do gueto só quem é desce, sobe a ladeira
Sou príncipe do gueto e meu castelo é de madeira.
Sou príncipe do gueto só quem é desce, sobe a ladeira
Sou príncipe do gueto e meu castelo é de madeira.

Do lado de cá, do lado de lá
"treta" todo dia sem parar
Do lado de lá, do lado de cá
É sempre a mesma coisa "mano", o que quê eu vou falar

Você sabe o que o sistema faz, ignora!
E trás problema psicológico, tensão é "foda".
Descaso, humilhação transtorno permanente
Eu vi até uma família de crente espancar um parente.

Que amanheceu no outro dia em coma
Alcoolizado, drogado, traumatizado foi pra lona
Dez horas depois, perícia, policia, ambulância
E o parente que bateu chorou, igual criança

Esse é o sintoma da doença que me afeta
Ganhei de cortesia mau humor e as frestas
Não a festa, porque sorrir é difícil entenda
Sou verdadeiro e não lenda

Hoje já choveu oh, "mô" neurose
Nem costumo beber, até tomei uma dose.
Talvez pra clarear ou esconder os problemas
Mil "fitinha" acontecendo esse é meu dilema.

Coisa de louco, abrir a janela e ver no esgoto
Cachorro morto, sentir o mau cheiro e o desconforto
E junto com a lama, o drama, a sujeira
"brasilit" no calor é um inferno, mô canseira

Sonhar, sonhar, querer não é poder
Tem que ser "mano", fazer jus ao proceder.
Pros "cu" que tem dinheiro e luxo é constrangedor
Me ver "empreguinado" aqui com ódio e rancor.

Sonhei com tudo isso a vida inteira
Realizei meu sonho, meu castelo de madeira.
E é treta todo dia, todo dia, o dia inteiro
Só falta construir um banheiro

Refrao
Sou príncipe do gueto só quem é desce, sobe a ladeira
Sou príncipe do gueto e meu castelo é de madeira.
Sou príncipe do gueto só quem é desce, sobe a ladeira
Sou príncipe do gueto e meu castelo é de madeira.



Inquérito - Dia dos Pais (Versão 2012) C/ Letra - [ao vivo com banda]


Letra:
Quadra 8 tumúlo 9, 
Cemitério dos Amarais 
segundo domingo de agosto , DIA DOS PAIS.

Meti uma peita preta, vesti uma lupa escura...Juntei uns Troco pra floricultura.
Queria te dar outro presente Oh Pai uma beca, uma camisa do timão um cd sei lá , do Zeca. fazer o que né? O senhor que escolheu, preferiu o crime do que a Familia e deu no que deu. Pôs no peito dos gambezinho medalha de bronze...Passou a fazer aniversário 2/11.
Meteu os ferro roubou que roubou até umas hora , hein? E onde vc tá morando agora?
A 7 palmos longe da mãe de mim e da Roberta, quando alguém pergunta do pai na escola ela desconversa. Se alguém ganhou nessa história foi só seu advogado, nós continua morando num quartinho alugado. 
A mãe não teve estômago pra vim te visitar...Nunca mais foi a mesma depois que vc mudou pra cá. Tem pesadelo, vê vulto direto só consegue dormir tomando remédio. 
Vive com a frase do PM no ouvido: "melhor uma viúva do que mais um bandido"

Eu trouxe seu presente pai é um buquê de flores, e agora o que que eu faço? eu só queria era poder te dar um abraço. 
Eu trouxe seu presente pai é um buquê de flores, e agora o que que eu faço? ...

Seus parceiro de ação nunca te abandonaram, até no cemitério te acompanharam....
Tá lembrado do neguinho "pilotão de fuga"? Tá aí do teu lado em outra sepultura .
E aquele mano que era catador Linha de frente? Tá enterrado numa cova logo ali na frente...
Quem não entrou pra quadrilha dos finado...Tá tirando 10 no fechado do São Bernardo.
Vc foi baleado, lembra? Fiquei com você a noite inteira...Nenhum parceiro veio dá uma de enfermeira. 
Só que quando eu mais precisei cadê? vc não tava..Com 13 anos eu virei o homem da casa . A mãe sofrendo doente, vivia em hospital, larguei a escola pra vender sorvete no Taquaral.
É ... cada lembrança é uma lágrima que cai! Mó saudade do meu pai.

Eu trouxe seu presente pai é um buquê de flores, e agora o que que eu faço? eu só queria era poder te dar um abraço. 
Eu trouxe seu presente pai é um buquê de flores, e agora o que que eu faço? ...

A mãe tá indo no culto todo domingo, se não fosse isso já tinha enlouquecido.
A Roberta tá moça cresceu que é uma beleza...ja tá até cantando no coral da igreja. 
Hoje quando eu te vejo nas fotos em cima do rack...Vivo , positivo , só que nos negativo da kodak...Eu lembro do tempo que vc vivia com nós , vc sorria mas aí, a alegria...a alegria apagou mais rápido que um flash de fotografia....E o mesmo crime que te levou por dinheiro Ilusão veio te devolve num caixão com flor e algodão...
Olha desculpa se eu falei demais , se eu pesei , fui além eu precisava desabafa com alguém.
Já deu minha hora pai deixa eu ir, vc nunca escutou ninguém não é agora que vai me ouvir né . Quem sabe um dia nós se tromba nem que seja sonhando pra eu te dar o abraço que ficou faltando!

Eu trouxe seu presente pai é um buquê de flores, e agora o que que eu faço? eu só queria era poder te dar um abraço. 
Eu trouxe seu presente pai é um buquê de flores, e agora o que que eu faço?!





REFÉM DA AMNÉSIA - Realidade Cruel




WhatsApp! - Delano Valentim

dentro da sala de aula. na sala de espera. na fila do banco. do supermercado. diante das palavras dos sacerdotes, dos professores, psicólogos, e sábios. se equilibrando no trem. na fila do hospital. enquanto atende. enquanto é atendido. bebe, fuma, ou assiste a uma palestra. na fila do supermercado. no enterro. na creche. na unidade de tratamento intensivo. no crematório. dentro do carro. no semáforo. no engarrafamento. antes do coito. depois do coito. no jantar entre amigos. na reunião de família. no meio da oração. da declaração romântica. da divagação. da leitura. da meditação. no banheiro. durante a fantasia. enquanto dorme. dentro do cinema. ao acordar. enquanto faz carinho. enquanto recebe carinho. ouve  música. enquanto vive. andando na rua. entre os carros. em plena na avenida. durante os ensaios. na concentração. no meio da entrevista. enquanto assiste ao filme. enquanto espera a morte. no silêncio. WhatsApp!

Fonte:http://delanovalentim.blogspot.com.br/2014/05/whatsapp.html


quarta-feira, 28 de maio de 2014

Seis Sons Juntos, Rashid e Kamau lançam novo EP


Da parceria de anos e anos entre Rashid e Kamau surge o EP Seis Sons, que já está na íntegra em canal no YouTube e disponível para download no iTunes e no link.

EXCLUSIVO: BAIXE ‘SEIS SONS’, EP EM PARCERIA DE RASHID E KAMAU


A gente já tinha explanado aqui no Noisey numa série de fotos da Anna Mascarenhas, que o Kamau e o Rashid estavam em estúdio gravando um EP juntos. Pois eis aqui Seis Sons, resultado dessa parceria.
Com beats de Casp, Diego 157, Skeeter, Coyote e DJ Luciano, colagens de Eric Jay e Mr. Brown, vozes de Jota Ghetto, Srta. Paola, Dee e Neo, além de Julio Mossil no baixo, Felipe Neo no teclado e Diogo Pinheiro no saxofone, o disco foi gravado por Rodrigo Funai, mixado por Funai e Renato Venon e masterizado por Cesrv.
A amizade dos dois é antiga, remonte o tempo das sessões de microfone aberto na Galeria Olido: “me lembro de um dia ter colado na Olido e quando vi o Kamau chegando fiquei em choque, bem fã mesmo (risos)”, lembra Rashid.

A ideia de transformar a parceria em disco nasceu no palco, segundo Kamau: “Num show meu eu o convidei pra colar e estávamos em um momento de improviso no palco e eu olhei pro lado, vi aquele time e tive a ideia. Rashid gostou e depois de um bom tempo juntamos pra trabalhar nisso".
Depois que começaram a trabalhar, o lance fluiu rápido, com quatro meses de pré-produção e composição, sete dias de gravação e mixagem e mais um de masterização. Mas o lance não para no EP. “A parceria não começou nesse disco e, com certeza, não acaba nele. Pensamos em clipes e alguns shows”, explica Kamau, “com certeza teremos algo para marcar essa etapa”.
No entanto, a expectativa no momento é resumida por Rashid: “no momento, espero que apreciem o EP até decorarem tudo de trás pra frente (risos)”.
Fonte:http://noisey.vice.com/pt_br/read/exclusivo-baixe-seis-sons-ep-em-parceria-de-rashid-e-kamau


Quanto mais presos, maior o lucro - Por Douglas Belchior

Quase 600 mil pessoas estão presas no Brasil. Temos a quarta maior população carcerária do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil). O caráter racial da violência é explicito: enquanto a taxa de homicídios de negros é de 36,5 por 100 mil habitantes, no caso de brancos, a relação é de 15,5 por 100 mil habitantes.
Não bastasse a lástima da violência tradicional, promovida pelo Estado por suas próprias mãos, percebemos agora o interesse privado sobrepondo direitos humanos e subjulgando vidas em razão do lucro.
A espetacular reportagem de de Paula Sacchetta para a A Pública, explicita mais um retrato de nossos dias.
Leia. Vale a pena!

O início dos presídios privados no Brasil: Quanto mais presos, maior o lucro

por Paula Sacchetta | A Pública | 27 maio, 2014 
Na primeira penitenciária privada desde a licitação, o Estado garante 90% de lotação mínima e seleciona os presos para facilitar o sucesso do projeto. Veja o Mini Documentário e a reportagem. 
Em janeiro do ano passado (2013), assistimos ao anúncio da inauguração da “primeira penitenciária privada do país”, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Porém, prisões “terceirizadas” já existem em pelo menos outras 22 localidades, a diferença é que esta de Ribeirão das Neves é uma PPP (parceria público-privada) desde sua licitação e projeto, e as outras eram unidades públicas que em algum momento passaram para as mãos de uma administração privada. Na prática, o modelo de Ribeirão das Neves cria penitenciárias privadas de fato, nos outros casos, a gestão ou determinados serviços são terceirizados, como a saúde dos presos e a alimentação.
Hoje existem no mundo aproximadamente 200 presídios privados, sendo metade deles nos Estados Unidos. O modelo começou a ser implantado naquele país ainda nos anos 1980, no governo Ronald Reagan, seguindo a lógica de aumentar o encarceramento e reduzir os custos, e hoje atende a 7% da população carcerária. O modelo também é bastante difundido na Inglaterra – lá implantado por Margareth Thatcher – e foi fonte de inspiração da PPP de Minas, segundo o governador do estado Antônio Anastasia. Em Ribeirão das Neves o contrato da PPP foi assinado em 2009, na gestão do então governador Aécio Neves.
O slogan do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é “menor custo e maior eficiência”, mas especialistas questionam sobretudo o que é tido como “eficiência”. Para Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC-Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa eficiência pode caracterizar um aumento das prisões ou uma ressocialização de fato do preso. E ele acredita que a privatização tende para o primeiro caso. Entre as vantagens anunciadas está, também, a melhoria na qualidade de atendimento ao preso e na infra-estrutura dos presídios.
Bruno Shimizu e Patrick Lemos Cacicedo, coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo questionam a legalidade do modelo. Para Bruno “do ponto de vista da Constituição Federal, a privatização das penitenciárias é um excrescência”, totalmente inconstitucional, afirma, já que o poder punitivo do Estado não é delegável. “Acontece que o que tem impulsionado isso é um argumento político e muito bem construído. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante muito tempo, como foi feito durante todo um período de privatizações, (…) para que então se atingisse uma argumentação que justificasse que esses serviços fossem entregues à iniciativa privada”, completa.
Laurindo Minhoto, professor de sociologia na USP e autor de Privatização de presídios e criminalidade, afirma que o Estado está delegando sua função mais primitiva, seu poder punitivo e o monopólio da violência. O Estado, sucateado e sobretudo saturado, assume sua ineficiência e transfere sua função mais básica para empresas que podem realizar o serviço de forma mais “prática”. E essa forma se dá através da obtenção de lucro.
Patrick afirma que o maior perigo desse modelo é o encarceramento em massa. Em um país como o Brasil, com mais de 550 mil presos, quarto lugar no ranking dos países com maior população carcerária do mundo e que em 20 anos (1992-2012) aumentou essa população em 380%, segundo dados do DEPEN, só tende a encarcerar mais e mais. Nos Estados Unidos, explica, o que ocorreu com a privatização desse setor foi um lobby fortíssimo pelo endurecimento das penas e uma repressão policial ainda mais ostensiva. Ou seja, começou a se prender mais e o tempo de permanência na prisão só aumentou. Hoje, as penitenciárias privadas nos EUA são um negócio bilionário que apenas no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares. 
Como os presídios privados lucram
Nos documentos da PPP de Neves disponíveis no site do governo de Minas Gerais,  fala-se inclusive no “retorno ao investidor”, afinal, são empresas que passaram a cuidar do preso e empresas buscam o lucro. Mas como se dá esse retorno? Como se dá esse lucro?
Um preso “custa” aproximadamente R$ 1.300,00 por mês, podendo variar até R$ 1.700,00, conforme o estado, numa penitenciária pública. Na PPP de Neves, o consórcio de empresas recebe do governo estadual R$ 2.700,00 reais por preso por mês e tem a concessão do presídio por 27 anos, prorrogáveis por 35. Hamilton Mitre, diretor de operações do Gestores Prisionais Associados (GPA), o consórcio de empresas que ganhou a licitação, explica que o pagamento do investimento inicial na construção do presídio se dá gradualmente, dissolvido ao longo dos anos no repasse do estado. E o lucro também. Mitre insiste que com o investimento de R$ 280 milhões – total gasto até agora – na construção do complexo esse “payback”, ou retorno financeiro, só vem depois de alguns anos de funcionamento ou “pleno vôo”, como gosta de dizer.
Especialistas, porém, afirmam que o lucro se dá sobretudo no corte de gastos nas unidades. José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, explica: “entraram as empresas ligadas às privatizações das estradas, porque elas são capazes de reduzir custos onde o Estado não reduzia. Então ela [a empresa] ganha por aí e ganha muito mais, pois além de reduzir custos, percebeu, no sistema prisional, uma possibilidade de transformar o preso em fonte de lucro”.
Para Shimizu, em um país como o Brasil, “que tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo”, não faz sentido cortar os gastos da população que é “justamente a mais vulnerável e a que menos goza de serviços públicos”. No complexo de Neves, os presos têm 3 minutos para tomar banho e os que trabalham, 3 minutos e meio. Detentos denunciaram que a água de dentro das celas chega a ser cortada durante algumas horas do dia.

O cúmulo da privatização

Outra crítica comum entre os entrevistados foi o fato de o próprio GPA oferecer assistência jurídica aos detentos. No marketing do complexo, essa é uma das bandeiras: “assistência médica, odontológica e jurídica”. Para Patrick, a função é constitucionalmente reservada à Defensoria, que presta assistência gratuita a pessoas que não podem pagar um advogado de confiança. “Diante de uma situação de tortura ou de violação de direitos, essa pessoa vai buscar um advogado contratado pela empresa A para demandar contra a empresa A. Evidentemente isso tudo está arquitetado de uma forma muito perversa”, alerta.
Segundo ele, interessa ao consórcio que, além de haver cada dia mais presos, os que já estão lá sejam mantidos por mais tempo. Uma das cláusula do contrato da PPP de Neves estabelece como uma das “obrigações do poder público” a garantia “de demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato”. Ou seja, durante os 27 anos do contrato pelo menos 90% das 3336 vagas devem estar sempre ocupadas. A lógica é a seguinte: se o país mudar muito em três décadas, parar de encarcerar e tiver cada dia menos presos, pessoas terão de ser presas para cumprir a cota estabelecida entre o Estado e seu parceiro privado. “Dentro de uma lógica da cidadania, você devia pensar sempre na possibilidade de se ter menos presos e o que acontece ali é exatamente o contrário”, afirma Robson Sávio.
Para ele, “na verdade não se está preocupado com o que vai acontecer depois, se está preocupado com a manutenção do sistema funcionando, e para ele funcionar tem que ter 90% de lotação, porque se não ele não dá lucro”.

Para garantir a lei, a ordem e a imagem


Na foto, o complexo de Neves é realmente diferente das penitenciárias públicas. É limpo, organizado e altamente automatizado, repleto de câmeras, portões que são abertos por torres de controle, etc, etc, etc. Mas que tipo de preso vai pra lá? Hamilton Mitre, diretor do GPA afirma que “não dá pra falar que o Estado coloca os presos ali de forma a privilegiar o projeto”.
No entanto, Murilo Andrade de Oliveira, subsecretário de Administração Penitenciária do Estado de Minas, diz exatamente o contrário: “nós estabelecemos inicialmente o critério de que [pode ir para a PPP] qualquer preso, podemos dizer assim, do regime fechado, salvo preso de facção criminosa – que a gente não encaminha pra cá – e preso que tem crimes contra os costumes, estupradores. No nosso entendimento esse preso iria atrapalhar o projeto”.
Na visão dos outros entrevistados, a manipulação do perfil do preso pode ser uma maneira de camuflar os resultados da privatização dos presídios. “É muito fácil fazer desses presídios uma janela de visibilidade: ‘olha só como o presídio privado funciona’, claro que funciona, há todo um corte e uma seleção anterior”, diz Bruno Shimizu.
Robson Sávio explica que presos considerados de “maior periculosidade”, “pior comportamento” ou que não querem trabalhar ou estudar são mais difíceis de ressocializar, ou seja, exigiriam investimentos maiores nesse sentido. Na lógica do lucro, portanto, eles iriam mesmo atrapalhar o projeto.
Se há rebeliões, fugas ou qualquer manifestação do tipo, o consórcio é multado e perde parte do repassa de verba. Por isso principalmente o interesse em presos de “bom comportamento”. O subsecretário Murilo afirma ainda que os que não quiserem trabalhar nem estudar podem ser “devolvidos” às penitenciárias públicas: “o ideal seria ter 100% de presos trabalhando, esse é nosso entendimento. Agora, tem presos que realmente não querem estudar, não querem trabalhar, e se for o caso, posteriormente, a gente possa tirá-los (sic), colocar outros que queiram trabalhar e estudar porque a intenção nossa é ter essas 3336 vagas aqui preenchidas com pessoas que trabalhem e estudem”.
Hoje, na PPP de Ribeirão das Neves ainda não são todos os presos que trabalham e estudam e os que têm essa condição se sentem privilegiados em relação aos outros. A reportagem só pôde entrevistar presos no trabalho ou durante as aulas, não foi permitido falar com outros presos, escolhidos aleatoriamente. Foram mostradas todas as instalações da unidade 2 do complexo, tais como enfermaria, oficinas de trabalho, biblioteca e salas de aula, mas não pudemos conversar com presos que não trabalham nem estudam e muito menos andar pelos pavilhões, chamados, no eufemismo do luxo de Neves, de “vivências”.

O trabalho do preso: 54% mais barato

O Estado e o consórcio buscam empresas que se interessem com o trabalho do preso. As empresas do próprio consórcio não podem contratar o trabalho deles a não ser para cuidar das próprias instalações da unidade, como elétrica e limpeza. Então o lucro do consórcio não vem diretamente do trabalho dos presos, mas sim do repasse mensal do estado.
Mas a que empresa não interessaria o trabalho de um preso? As condições de trabalho não são regidas pela CLT, mas sim pela Lei de Execução Penal (LEP), de 1984. Se a Constituição Federal de 1988 diz que nenhum trabalhador pode ganhar menos de um salário mínimo, a LEP afirma que os presos podem ganhar ¾ de um salário mínimo, sem benefícios. Um preso sai até 54% mais barato do que um trabalhador não preso assalariado e com registro em carteira.
O professor Laurindo Minhoto explica: “o lucro que as empresas auferem com esta onda de privatização não vem tanto do trabalho prisional, ou seja, da exploração da mão de obra cativa, mas vem do fato de que os presos se tornaram uma espécie de consumidores cativos dos produtos vendidos pela indústria da segurança e da infra-estrutura necessária à construção de complexos penitenciários”.
Helbert Pitorra, coordenador de atendimento do GPA, na prática, quem coordena o trabalho dos presos, orgulha-se que o complexo está virando um “pólo de EPIs” (equipamentos de proteção individual), ou seja, um pólo na fabricação de equipamentos de segurança. “Eles fabricam dentro da unidade prisional sirenes, alarmes, vários circuitos de segurança, (…) calçados de segurança como coturnos e botas de proteção (…), além de uniformes e artigos militares”.
O que é produzido ali dentro, em preços certamente mais competitivos no mercado alimenta a própria infra-estrutura da unidade. A capa dos coletes à prova de balas que os funcionários do GPA usam é fabricada ali dentro mesmo, a módicos preços, realizados por um preso que custa menos da metade de um trabalhador comum a seu empregador.
Em abril deste ano, o Governo de Minas Gerais foi condenado por terceirização ilícita no presídio de Neves. A Justiça do Trabalho confirmou a ação civil pública do Ministério Público do Trabalho e anulou várias das contratações feitas pelo GPA.
“Entre os postos de trabalho terceirizados estão atividades relacionadas com custódia, guarda, assistência material, jurídica e à saúde, uma afronta à Lei 11.078/04 que classifica como indelegável o poder de polícia e também a outros dispositivos legais. Além de ser uma medida extremamente onerosa para os cofres públicos, poderá dar azo a abusos sem precedentes”, disse o procurador que atuou no caso, Geraldo Emediato de Souza, ao portal mineiro Hoje em dia.

Panorama final

Como na maioria das penitenciárias, as visitas do Complexo passam por revista vexatória. A., mulher de um detento que preferiu não se identificar, entregou à reportagem uma carta dos presos e explicou como é feita a revista: “temos que tirar a roupa toda e fazer posição ginecológica, agachamos três vezes ou mais, de frente e de costas, temos que tapar a respiração e fazer força. Depois ainda sentamos num banco que detecta metais”. Na mesma carta entregue por A., os presos afirmam que os diretores do presídio já têm seus “beneficiados”, que sempre falam “bem da unidade” à imprensa, e são, invariavelmente, os que trabalham ou estudam.
Na carta, eles ainda afirmam que na unidade já há presos com penas vencidas que não foram soltos ainda. Fontes que também não quiseram se identificar insistem que o consórcio da PPP já “manda” na vara de execuções penais de Ribeirão das Neves.
José de Jesus filho, da Pastoral Carcerária, não vê explicação para a privatização de presídios que não a “corrupção”.Tem seus motivos. Em maio de 2013, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) foram alvo de ações por corrupção e má utilização de recursos públicos. Na ação da CPTM foi citado o ex-diretor, Telmo Giolito Porto, hoje à frente do consórcio da PPP de Ribeirão das Neves, assim como a empresa Tejofran de Saneamento e Serviços Gerais LTDA., que faz parte do mesmo consórcio.
Nesse sentido, Robson Sávio alerta: “será que o estado quando usa de tanta propaganda para falar de um modelo privado ele não se coloca na condição de sócio-interesseiro nos resultados e, portanto, se ele é sócio-interesseiro ele também pode maquiar dados e esconder resultados, já que tudo é dado e planilha? Esse sistema ainda tem muita coisa que precisa ser mais transparente e melhor explicada”.

Pelo Brasil

O modelo mineiro de PPP já inspirou projetos semelhantes no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Distrito Federal. As licitações já aconteceram ou estão abertas e, em breve, as penitenciárias começarão a ser construídas. O governo do Estado de São Paulo e a Secretaria de Administração Penitenciária também pretendem lançar em breve um edital para a construção de um grande complexo no Estado, com capacidade para 10.500 presos. O governador Geraldo Alckmin já fez consultas públicas e empresas já se mostraram interessadas no projeto.
No Ceará, uma decisão judicial obrigou à iniciativa privada devolver a gestão de penitenciárias para o Governo do estado. No Paraná, o próprio Governo decidiu retomar a administração de uma série de penitenciárias, após avaliar duas questões: a jurídica e a financeira.
No Brasil, país do “bandido bom é bandido morto”, da “bancada da bala” e onde presos não têm direitos simplesmente por estarem presos, a privatização também assusta do ponto de vista da garantia dos direitos humanos dos presos. “Será que num sistema que a sociedade nem quer saber e não está preocupada, como é o prisional, haverá fiscalização e transparência suficiente? Ou será que agora estamos criando a indústria do preso brasileiro?”, pergunta Sávio.
Os entrevistados dão um outro alerta: nesse primeiro momento, vai se investir muito em marketing para que modelos como o de Neves sejam replicados Brasil afora. Hamilton Mitre diz que a unidade será usada como um “cartão de visitas” e fontes afirmam que o modelo de privatização de presídios será plataforma de campanha de Aécio Neves, candidato à presidência nas eleições do fim deste ano.
Para Minhoto, a partir do momento em que você enraíza um interesse econômico e lucrativo na gestão do sistema penitenciário, “o estado cai numa armadilha de muitas vezes ter que abrir mão da melhor opção de política em troca da necessidade de garantir um retorno ao investimento que a iniciativa privada fez na área”, diz. E Bruno Shimizu completa “e isso pode fazer com que a gente crie um monstro do qual a gente talvez não vá mais conseguir se livrar”.
“Para quem investe em determinado produto, no caso o produto humano, o preso, será interessante ter cada vez mais presos. Ou seja, segue-se a mesma lógica do encarceramento em massa. A mesma lógica que gerou o caos, que justificou a privatização dos presídios”, arremata Patrick.

Para entender: dados e números

Brasil

- Existem no Brasil aproximadamente 550 mil presos.

- São aproximadamente 340 mil vagas no sistema prisional.

- O Brasil está em 4o lugar no ranking dos países com maior população carcerária no mundo, atrás de EUA, China e Rússia.

- Entre 1992 e 2012 o Brasil aumentou sua população carcerária 380%.

- Empresas dividem a gestão de penitenciárias com o poder público em pelo menos 22 presídios de sete estados: Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Alagoas e Amazonas.

Minas Gerais

- Em 2003 o Estado de Minas tinha aproximadamente 23 mil presos.

- Em 10 anos essa população mais do que duplicou: hoje são 50 mil presos.

- Em 2003 eram 30 unidades prisionais no Estado, hoje são mais de 100.

- Em 2011 o Estado de Minas já gastava aproximadamente um bilhão de reais por ano com o sistema penitenciário.


O complexo de Ribeirão das Neves


- O consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), que ganhou a licitação do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é formado por cinco empresas, são elas:

CCI Construções S/A

Construtora Augusto Velloso S/A

Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços LTDA

N. F. Motta Construções e Comércio

Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP)

- Em 18 de janeiro de 2013 começaram a ser transferidos os primeiros presos para o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves.

- A inauguração aconteceu no dia 28 de janeiro de 2013, com uma ala já ocupada por 75 presos.

- Hoje (maio de 2014) estão funcionando duas das cinco unidades do complexo, cada uma com 672 presos.

- A capacidade do complexo é de 3336 vagas.

- O consórcio de empresas tem 27 anos da concessão do complexo, sendo dois para construção e 25 para operação.

- Já foram gastos 280 milhões de reais na construção do complexo até agora. O GPA estima que no total serão gastos 380 milhões.

- O Estado repassa R$2.700 por preso mensalmente; nas penitenciárias públicas o custo é de R$ 1.300,00 a R$ 1.700,00 por mê

- As celas têm capacidade máxima para quatro presos.

- Detalhes sobre a PPP de Ribeirão das Neves e documentos podem ser acessados neste site.