segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Racismo americano x racismo brasileiro


Na mais recente lista de celebridades mais bem vestidas dos EUA divulgada pela revista People figuram três mulheres negras: as atrizes Kerry Washington (em primeiríssimo lugar) e Zoë Saldana, além de Solange Knowles (cantora e irmã caçula da estrela pop Beyoncé).

Por: Patrícia Fortunato

Você pode até achar que listas desse tipo são de uma futilidade sem tamanho, mas tente ver por outro ângulo. No mundo de imagens em que vivemos, uma galeria em que celebridades negras são reconhecidas como bem vestidas são uma injeção de autoestima para milhares de adolescentes e mulheres mundo afora, que muitas vezes não se sentem representadas pelos programas de tevê que costumam assistir ou nas revistas que leem.

Outro aspecto interessante da escolha da People é que estamos falando de mulheres bem vestidas, não de mulheres sensuais. No Brasil parece haver uma lei não escrita segundo a qual para negras e mestiças cabem classificações como sensual, sexy ou "dona de beleza exótica", mas raramente o rótulo de elegante, exceção feita à atriz Camila Pitanga. É como se a elas só fosse permitido ser lindas durante o carnaval, atividade importante até mesmo do ponto de vista econômico, mas muitas vezes encarada como manifestação cultural de menor valor.

Há uma diferença muito grande na maneira como EUA e Brasil lidam com o inglório passado da escravidão. Em ambos os casos, aboliu-se a prática, mas persistiu o racismo. Nos EUA praticou-se uma segregação escancarada e oficial, com leis que determinavam, por exemplo, que brancos e negros deveriam ocupar assentos em ônibus e trens de acordo com sua cor de pele. Já no Brasil, a segregação nunca foi oficial, o que facilitou a convivência diária, mas também originou um racismo subjetivo e perversamente sofisticado que muitos não enxergam. Talvez por isso os versos de "O Teu Cabelo Não Nega" (mas como a cor não pega, mulata, mulata, eu quero o teu amor ...)" ou não são compreendidos por muitos que os entoam ou tem seus efeitos minimizados.

O fato é que o racismo oficial praticado pelos americanos fez com que os negros se organizassem, o que foi decisivo para a derrubada de anomalias como as leis segregacionistas. Quando as batalhas mais duras contra a segregação foram vencidas, essa organização foi em parte canalizada para a conquista do sonho americano: o sonho de fazer parte da classe média.

Não é incomum por aqui (ou é bem mais comum que no Brasil) que membros da classe média negra americana manifestem-se quando acreditam ser representados de maneira caricatural em atrações televisas. E o poder econômico dessa classe que se manifesta se traduz em comerciais de cereais, medicamentos toda uma gama de produtos consumidos pelas classes medias protagonizados por negros. Os catalogos de roupas tambem costumam apresentar mais diversidade que os brasileiros, como modelos brancas, negras e asiáticas.

No Brasil, nesse momento em que tanto se discute a ascensão social dos mais pobres, os publicitários tem uma chance de ouro para criar campanhas mais inclusivas, que reflitam a beleza de todos.

*Esta coluna foi publicada originalmente no blog Ideação do Banco Interamericano de Desemvolvimento (BID).


A República dos Brancos: Joaquim Barbosa como a metáfora da distopia negra? por Jaime Amparo Alves

Joaquim Barbosa não é apenas o nosso Clarence Thomas (o ultra-conservador juiz negro estadunidense) revestido com o manto perigoso do Direito. Ele é também a metáfora do nosso impasse político e a projeção sombria do que vem por aí.

Qual o lugar da categoría “raça” no julgamento da ação penal 470? O que a cor da principal figura do julgamento tem a nos dizer? Ainda que a imaginação racista branca tenha alimentado contra Joaquim Barbosa os estereótipos tradicionais de “destemperado”, “sem-equilíbrio”, “sem-civilidade”, ele têm gozado de uma aceitação que desafia as análises sobre o racismo e talvez por isso explique certo silêncio da intelectualidade negra frente ao papel do primeiro ministro negro do Supremo Tribunal Federal como algoz do maior partido de esquerda do país.

Entro em campo minado consciente dos custos politicos de tal empreitada mas imagino que recusar o debate é perder a chance refletir como a supremacia branca se reproduz no Brasil contemporâneo. Mais que isso, o triste papel de Joaquim Barbosa nos convida a refletir sobre os limites das atuais políticas de identidade. Que o leitor/a não me interprete mal: ao contrário dos que acreditam que as lutas baseadas em categorias como “raça” e “etnicidade” reproduzem o racismo, sustento que tais categorías são não apenas importantes e legítimas como também as únicas possibilidades para afirmar a existencia negra em um mundo estruturado a partir da dominação racial.

Minha crítica aos limites da política de identidade negra é na verdade em direção oposta. A questão não é negar a raça, mas sim reafirmá-la sobre outras bases que não a da agenda da inclusão per si. É que ela não tem sido forte o suficiente, como gostaríamos, para construir uma consciencia negra anti-sistêmica, radical, revolucionária. Tampoco quero invisibilizar uma tradição radical negra herdada da luta de Palmares que se mantem viva nas periferias brasileiras. Chamo a atenção, no entanto, para uma identidade negra em formação (nos espaços abertos pelas ações afirmativas) que possui uma inconfortável afinidade com a sedutiva narrativa de redenção que a imagem pública de Joaquim Barbosa projeta.

Franz Fanon já chamava a atenção há mais de meio século para um regime de dominação racial em que a aceitação dos negros é condicionada à sua rendição aos (e reprodução dos) valores  brancos. E daí? Podemos argumentar que não cabe aos negros transformar o mundo destruído pelos brancos. De fato, uma das perversas equações do racismo é responsabilizar suas vítimas. O caso de Barbosa é ilustrativo, no entanto, das artimanhas do racismo e dos limites e possibilidades da identidade negra coletiva.   A imaginação racista à esquerda diría que Joaquim Barbosa é um negro que se embranqueceu. A imaginação racista `a direita, mais sofisticada, tem produzido a imagem pública de um juíz pós-raça (neutro, justo…enfim, a encarnação da Lei). Joaquim Barbosa seria aceito porque, ao contrário de muitos de nós, ele não é revanchista com a sociedade branca e defende os valores republicanos. Sua escolha estratégica do dia 15 de Novembro para prender os ícones da esquerda brasileira oferece pistas interessantes sobre a dualidade da República (históricamente concebida como projeto plural e ao mesmo tempo um projeto civilizatório anti-negro). Estaria Joaquim Barbosa assumindo o papel de herói negro que refundaria a República?

Paradoxalmente, o que as práticas inquisitoriais/autocráticas de Barbosa sugerem é a rendição negra ao papel de subalternidade na República. Sua presença na mais alta corte do país nos convida a refletir sobre a nossa recusa fatalista em pensar a negritude como prática radical que pode transformar a sociedade, para além dos números de inclusão nos espaços de poder e prestígio. Uma utopia revolucionária negra acredita que porque negras e negros entendem como ninguém  o que significa a República, a raiva e a experiencia acumulada de opressão serão o combustível para uma negritude explosiva, radical, para além dos discursos de redenção social tão celebrados atualmente. Em outras palavras, uma pergunta (in)oportuna em tempos de guerra contra as ações afirmativas seria: qual o projeto de sociedade brasileira que nós negras e negros propomos? Que comunidade política pode a categoria raça produzir, para além dos encontros racializados a que estao submetidos os negros e negras?

Estas perguntas oferecem a oportunidade de refletir sobre um último ponto: a estranha aproximação entre a suposta esquerda “autêntica” (com figuras do movimiento negro) e os partidos de direita na orgia moral contra o Partido dos Trabalhadores. Ao invés de aproveitarmos a oportunidade para discutir os limites e possibilidades de uma agenda radical negra para além da representação simbólica em espaços de poder, temos nos distraído com uma agenda do cinismo moral que não nos pertence. Que o PSDB e seus aliados encontrem no STF a última chance de impor um projeto de governo derrotado três vezes consecutivas nas urnas, é tão entendível quanto desprezível. Incômodo e cruel é o triste destino de uma certa militancia negra que se recusando a pensar o projeto revolucionário muito mais `a (ou para além da) esquerda,  sucumbe ao moralismo dirigido da direita. 
Como fazer uma crítica `a cegueira racial da esquerda sem reproduzirmos os discursos convenientes de que esquerda e direita são iguais? Como não relativizar o papel trágico do PT na domestificação da esquerda e ao mesmo tempo reconhecer nossa responsabilidade com o projeto de país que queremos?

A indicação de Joaquim Barbosa pelo presidente Lula, depois de inúmeras reuniões de bastidores com lideranças negras, foi comemorada como um gesto simbólico de afirmação de uma agenda até então inédita no país: ProUni, cotas raciais, Seppir, Bolsa Familia…..todas resultado da luta histórica dos movimentos negros acomodados `a esquerda do espectro politico. O verdugo do PT é tambem resultado irônico e trágico desta luta. Joaquim Barbosa não é apenas o nosso Clarence Thomas (o ultra-conservador juiz negro estadunidense) revestido com o manto perigoso do Direito. Ele é também a metáfora do nosso impasse político e a projeção sombria do que vem por aí em termos de participação negra em um modelo de sociedade que é a nossa negação e a negação do futuro. 


JAIME AMPARO ALVES




O CÁRCERE É DEMOCRATICAMENTE DESUMANO, A INDIGNAÇÃO É QUE PERMANECE SELETIVA.


Genoíno foi preso. Foi preso com seu passado, com seu presente, com sua doença, com injustiças, com justiças e toda uma complexidade que a visão binária dos torcedores partidários e cuja moral repousa numa suposta posição olímpica não vão entender.

Genoíno foi preso, é fato. Discute-se a validade do julgamento, a injustiça do julgamento, a injustiça da justiça, os maneirismos autoritários de Joaquim Barbosa, discute-se a crueldade das elites, discute-se o coitadismo dos defensores de Genoíno e Dirceu, discute-se, discute-se… o que pouco se discute é a questão carcerária, que já era grave antes de pessoas chamadas de heróis por parte de seus companheiros de partido serem presas.

Enquanto lamenta-se a suposta injustiça cometida na prisão de Genoíno, tanto em seu julgamento quanto na comprovada ação abusiva do Presidente do Supremo em manter em regime fechado por dois dias condenados a regime semiaberto, por exemplo, se finge não termos um problema maior ainda e cujo contexto de suposta injustiça talvez ajudasse a resolver: a questão carcerária.

Pois bem, enquanto somos o terceiro país do mundo em número de presos, se discute a justiça, as condições e o processo de prisão de DOIS membros do PT, chamado Partido dos Trabalhadores, e nada se diz da quantidade de presos, da composição étnica dos presos, das condições universais das masmorras brasileiras, nada. Se diz da condição de Genoíno e Dirceu, da injustiça que se abateu sobre Genoíno e Dirceu.

É uma espécie de reflexo direto das prioridades do Partido dos Trabalhadores e de sua guinada evidente e inexorável à direita ter uma indignação seletiva com relação à justiça e às condições de cárcere, ao processo de prisão mesmo. Fossem outros os presos, Daniel Dantas por exemplo, fodam-se as condições de cárcere ou a forma com que se deu a prisão. Fossem outros, Amarildo, por exemplo, fodam-se as condições da cadeia, da prisão, as torturas feitas, se foram justas ou não as prisões.

Fosse outros os presos, Black Blocs por exemplo, era um dever de estado mantê-los presos, mantê-los a ferros, se possível amordaçados, se possível torturados.

Não acho que Dirceu e Genoíno tenham sofrido injustiça em seu julgamento (Talvez Dirceu tenha, dado que nenhum tipo de prova documental existe sobre ele, Genoíno não), respeito quem ache que foi injusto e que a tese do “Domínio de Fato” é um absurdo, também acho. Discutir o processo já acho um absurdo, o devido processo legal houve, mas vá lá, respeito. Acho inclusive sagrado o direito ao delírio.

E não adiantam defensores de ambos encherem o saco com suas impressões a respeito, com suas defesas baseada na bela história prévia de ambos, no papel de ambos na “transformação do país”, essa lógica já é distorcida, viciada por si mesma. O passado de ninguém é elemento de absolvição por nada, tampouco se um crime, corrupção ou homicídio, foi parte de um processo de transformação do país.

Porém, a questão aqui é menos a justiça ou injustiça da prisão de Dirceu e Genoíno, que se não fossem condenados pelos tribunais deveriam ser condenados pelo tribunal da história pela destruição do capital político de esquerda do PT, e mais a indignação seletiva, a indignação que ignora a luta de classes tanto na análise do processo do Mensalão e do papel da justiça, esperando justiça real na justiça burguesa, quanto na não expansão do raciocínio sobre as condições do cárcere para além do umbigo da burocracia, indo aos umbigos da classe trabalhadora que o PT ainda diz representar, indo ao umbigo dos tais 40 milhões que dizem ter tirado da miséria, mas não tiraram da condição social onde sua pobreza os mantém em condições indignas, desumanas, caso sejam presos.

A exclusão da luta de classes do eixo de qualquer análise sobre o papel da justiça e a prisão de Genoíno e Dirceu só não é mais eloquente ai se comparada com a exclusão do papel da luta de classes no estabelecimento das condições deprimentes dos cárceres brasileiros e sua condição, sim senhor, de classe.
A indignação não é sobre o caráter atávico de injustiça da justiça burguesa, a indignação não é sobre o caráter de classe da situação das masmorras e do cárcere brasileiros, onde 65% da chamada massa carcerária é composta de negros e onde 95% dos presos são pobres, a indignação é dirigida à prisão de figuras públicas do PT.

A indignação é seletiva, míope, negligente com o autoproclamado mandato de transformação do país com o qual se adornam os militantes, apoiadores, simpatizantes e sócios do Ex-Partido dos Trabalhadores adoram gritar pelos quatro cantos do mundo.

A indignação é seletiva porque reduz a injustiça brasileira à punidora do PT enquanto livra os assassinos de Dorothy Stang.

A indignação é seletiva porque se cala diante da tortura e morte de Amarildo.

A indignação é seletiva porque cala sobre a morte de Cícero Guedes, líder sem-terra morto em Campos no rio de Janeiro.

A indignação é seletiva porque se cala diante do fato de um negro ter 1,73 anos a menos que a expectativa de vida de um branco e por ter 70% de vítimas negras entre as quase 50 mil vítimas de homicídio em 2010.

A indignação é seletiva porque finge não ver que boa parte das mortes de jovens negros no país são a partir da ação da polícia, esta mesma polícia que governos estaduais do PT usam e abusam sem mudar seu componente racista e autoritário.

Por fim a indignação é seletiva porque se chocou mais com o uso como cenário da data da proclamação da república pelo ministro Joaquim Barbosa, do que com a própria omissão de na semana da consciência negra não aproveitar as condições desumanas do cárcere de Genoíno para discutir as condições subumanas do cárcere como um todo.

Genoíno e o PT foram rápidos em lembrar de suas memórias do cárcere para exemplificar as terríveis condições em que se encontram presos os líderes petistas, pena que não lembraram disso no decorrer de seus governos para discutir as condições carcerárias de todos os presos, o tratamento da justiça a todos os presos, o tratamento que a política dá aos cidadãos, em especial os pobres e pretos.

As condições do cárcere, de todo cárcere, são terríveis, pena que PT e seus amigos só lembram de si mesmos e de suas burocracias e deixam aos demais partidos e movimentos de esquerda o trabalho de lutar por mudanças na condição carcerária e na própria lógica punitivista do país, justiça e esquerda.

As condições do cárcere se mantém, não são tão seletivas quando a indignação.