quinta-feira, 28 de abril de 2016

Zeferina: rainha quilombola que lutou contra a escravidão em Salvador-BA

A altives de uma rainha quilombola para se colocar em escrita – invenção de gênios da antiga civilização Egípcia – se faz necessário fazer reverência às deusas e deuses do panteão melanodérmico.
Não é simples ouvir o zunido do vento de dois séculos para escutar a voz ou o brado de uma guerreira, há necessidade de conexões ancestrais, o onírico a descrever mapas do passado nas matas que se localizavam onde é hoje o Parque São Bartolomeu (o mocambo principal da rainha), Pirajá, parte de Cajazeiras e Cabula, regiões que foram redutos de resistência quilombola na Cidade do Salvador-Ba, no século XIX. Para isso adentramos a mata, usando uma episteme de olhar de quebrada para tentar compor, neste breve ensaio, nuances da história de Zeferina do Quilombo do Urubu.
Zeferina, segundo Maria Inês Cortes de oliveira no livro “O liberto: o seu mundo e os outros” tinha origem angolana e foi trazida criança ainda, uma vunje em desassossego de viagem transatlântica, na primeira metade do século XIX, encolhida nos braços da sua mãe Amália, para Salvador. Sentiu a penumbra agônica da viagem no navio negreiro, ouviu o baque dos corpos negros no mar e percebeu que teria que ser grande para enfrentar as atrocidades da escravização. Sua mãe Amália, em saber matrilinear, lhe ensinou a tradição dos ancestrais, lhe demonstrou como acessar os poderes das inquices para manter a sua espiritualidade e realeza soberana diante das barbáries.
No saber da oralidade documental, a história costurada no boca-a-boca, no fluir perseverante das vozes históricas do povo negro, Zeferina foi uma rainha que fundou o Quilombo do Urubu,  e uma sociabilidade baseada em modelos civilizatórios africanos para se proteger e salvaguardar todo o seu povo da escravidão. Foi uma líder com muito poder, a qual todos a referenciava e seguia as suas estratégias de luta. Ela organizou índios, escravizados fugidos, ou melhor, homens e mulheres que cunharam a sua liberdade com coragem, e libertos, no geral, que queriam a libertação para todos os negros na província do Salvador.
Zeferina tinha ambições grandiosas, sabia que a liberdade de boca da mata, o quilombo, era um principio libertador, e que poderia ruir, haja vista o quilombo do Cabula que foi destruído em 1807. Ela sabia disso, compreendia que era necessário se unir com os nagôs, invadir a cidade e matar os brancos escravocratas para constituir uma liberdade plena para todo o povo negro. O livro “Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil” organizado por João José Reis e Flávio dos Santos Gomes, mostra isso, pois Reis (2003) fala do relato involuntário do presidente da província se referindo a Zeferina com uma rainha e dos planos de invasão dela a Salvador para matar os brancos e conseguir a liberdade.
O planejamento do levante estava organizado para ocorrer no dia 25 de dezembro de 1826, no natal, como a própria Zeferina, em depoimento no Forte do Mar, local onde eram presos todos os quilombolas, afirmou quando se encontrava aprisionada. No entanto, um acontecimento fez com que a revolta tivesse o seu início antecipado, pois no dia 17 de dezembro alguns capitães do mato tentaram surpreender, pensando que havia poucas pessoas na mata do Urubu, e se depararam com cinquenta mulheres e homens aquilombados com espingardas, facas, arcos e flechas e fações, que sobre o comando de Zeferina os derrotaram. Assim, três capitães do mato foram mortos e outros três saíram gravemente feridos, conseguiram escapar e já em matas do Cabula encontraram o comandante de tropa, Jose Baltazar da Silveira, com doze soldados e um cabo, vindo de Salvador para sufocar o levante. A eles se juntaram mais de vinte soldados das milícias de Pirajá e foram atacar o Quilombo do Urubu.
Zeferina com arco e flecha na mão confrontou com os seus súditos toda a guarnição que, por ordem de Jose Baltazar da Silveira, abriu fogo contra os aquilombados que resistiram motivados pelo grito de guerra, o qual ecoou por todo o Urubu como uma onda sonora muito poderosa: “Morra branco e vivo negro! Morra branco e vivo negro! Morra branco e vivo o negro!” Foram intrépidos e corajosos na luta, mesmo estando em desvantagem, pois as tropas policias tinham as armas de fogo – maior poder letal nas suas ações no combate. No final, uma mulher e três homens do quilombo foram mortos, alguns fugiram e outros foram presos juntamente com a rainha Zeferina. Eles tentaram, em desfile de quebranto da sua realeza, destituí-la do seu orgulho; levando-a amarrada do quilombo do Urubu até a Praça da Sé com todas as ofensas e ódio racial dos escravocratas de Salvador.
Ela não se abateu, seguiu altiva e poderosa diante dos olhares – fel de atrocidades dos brancos – que a viam passar. Zeferina tinha a sua espiritualidade enraizada no poder das inquices, pilar que não permitiu esmorecer diante das impetrações dos escravocratas. Ela sabia que era grande e têm batalhas, mesmo que pareçam perdidas, não são; servem como liames poderosos que vão costurando as lutas das próximas gerações. São estros que motivam os novos espíritos à luta. Assim, seguiu firme e faleceu, sem fraquejar em seus ideais, no Forte do Mar, e teve, segundo a tradição oral da região, perpassada pelos vários terreiros de candomblé, o seu corpo enterrado nas terras do Cabula.
No Quilombo do Urubu havia, na sua constituição simbólica. uma lenda, que até hoje compõe o imaginário dos remanescentes quilombolas. Ela aparece transcrita na dissertação “O poder de Zeferina no Quilombo do Urubu” de Silvia Maria Silva Barbosa.  Nessa lenda o urubu é um pássaro mítico, que deu nome ao quilombo, e que nos momentos difíceis das batalhas, as grandes sacerdotisas entravam em transe, invocavam esse pássaro, enviando-os até a África, em vou de águia veloz e poderosa, para que levassem os clamores, as orações, as demandas e pedidos de ajuda aos ancestrais, às deusas e deuses do panteão negro. O urubu era o pássaro correio que ia à África e trazia as respostas às súplicas, trazia o axé para fortalecer o espírito dos quilombolas a continuarem lutando.
O mocambo principal do Quilombo do Urubu, onde as hordas de guerreiras e guerreiros se organizavam, teciam a sua liberdade e até hoje se constitui um local sagrado para o povo de santo – é o Parque São Bartolomeu, uma das últimas áreas verdes da cidade, localizado entre o bairro Pirajá e o Subúrbio Ferroviário de Salvador. São bairros que até o momento os reminiscentes de quilombo enfrentam o genocídio à juventude negra, o racismo estrutural, as imprecauções, intolerâncias e perseguições com as religiões afro.
FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/11273/zeferina-rainha-quilombola-que-lutou-contra-a-escravidao-em-salvador-ba

Bloco Olodum - 37 anos de história


O bloco do carnaval baiano, o Olodum, foi criado em Salvador no bairro do Maciel - Pelourinho por um grupo de moradores em 25 de abril de 1979 numa época em que este bairro era marginalizado e discriminado pela população baiana.

Aproveitando a  ocasião, conheça um pouco sobre o Bloco: 

O Bloco Olodum surge para ocupar um espaço da expressão cultural contemporânea do continente africano que no Estado da Bahia tem sua maior representação e expressividade. No início, os foliões do Olodum eram apenas moradores do Pelourinho que tinham como objetivo celebrar a herança cultural africana, considerando que a maioria da população Soteropolitana é descendente de africanos.

A partir da década de oitenta o Olodum tornou-se uma Organização não Governamental (ONG) do movimento negro brasileiro e desenvolve ações de combate à discriminação racial, estimula a autoestima e o orgulho dos afro-brasileiros, defendendo a luta dos direitos humanos na Bahia-Brasil.

A ação cultural do Bloco Olodum contribuiu e tem contribuído decisivamente para a revitalização do Centro Histórico de Salvador não só como um lugar de visitação turística, mas também como um lugar em que a educação revitaliza esperanças, como é o caso do Projeto Educacional da Escola Olodum que capacita, jovens e adolescentes em diversas áreas do conhecimento tais como, música percussiva, dança afro, informática, formação da cidadania e outros.

As cores do Bloco Olodum

As cores são do Rastafarianismo e do Movimento Reggae. São cores internacionais da diáspora africana e constituem uma identidade internacional contra o racismo e a favor dos povos descendentes da África.
Verde, as florestas equatoriais da África.

Vermelho, o sangue da Raça negra.
Amarelo, o ouro da África (maior produtor mundial).
Preto, o orgulho da Raça negra.
Branco, a Paz mundial.

A Palavra Olodum:

A palavra Olodum é de origem Yorubá que significa "Deus dos Deuses" ou "Deus maior", Olodumaré, que não representa um orixá, e sim, o Deus criador do universo e dele senhor.

A Banda Olodum

Já encantou artistas como Michael Jackson, Linton Kesey Johnson, Paul Simon, Julian Marley, Gal Costa, Caetano Veloso, Xuxa, Ivete, Cidade Negra, Caetano, Gil, Tim Maia, Jorge Ben, Elba Ramalho, Daniela Mercury, Carlinhos Brown etc...
A banda Olodum já percorreu países como França, Estados Unidos, Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália, Suíça, Escócia, Noruega, Dinamarca, Inglaterra, Argentina, Espanha, Eslovênia, Canadá, Japão, Chile, Escócia, Cuba, Angola, Senegal e Benin, Portugal, Irlanda, Irlanda do Norte, Turquia, Israel, Finlândia, México, Venezuela, Austrália, Guiana Francesa, Coréia, Senegal, Argentina, Uruguai entre tantos outros países.

O Bloco Olodum & os Temas:

Escolhidos com base em motivos históricos e ou culturais, o Tema ou o Enredo são retratados por fantasias/abádas que retratam a criatividade, plasticidade e a riqueza da diáspora africana em Salvador ao longo da história. Estas fantasias e ou abádas são concebidas por artistas plásticos que buscam inspiração na cultura afro-brasileira.

Temas Enredos:

1980 - Olodum na Sexta-feira
1981 - Festa para o Rei de Oyo – Nigéria
1982 – Guiné-Bissau – Estrela da Revolução Africana
1983 - O Bloco não desfilou
1984 - Tanzânia
1985 - Moçambique
1986 - Cuba
1987 - O Egito dos Faraós
1988 - Madagascar
1989 - Núbia, Axum e Etiópia
1990 - Do deserto do Saara ao Nordeste Brasileiro
1991 - Da Atlântida à Bahia, O Mar é o Caminho
1992 - Índia - Os Caminhos da Fé
1993 - Os Tesouros de Tutankamon (Faraó do Egito antigo)
1994 - O Tropicalismo - O Movimento, um reencontro com a Bahia, com o Brasil e as culturas dos povos dos trópicos
1995 - Os Filhos do Sol (Em Homenagem ao Astro Rei de Todas as Raças)
1996 - Os Filhos do Mar (Em Homenagem aos Pescadores da Bahia e da África)
1997 - Roma Negra - Gladiadores da Negritude
1998 - A Revolta dos Búzios - 200 anos da Rota da Liberdade
1999 - Os Filhos do Fogo - Uma Homenagem a Xangô
2000 - Do Egito à Bahia - O Caminho da Eternidade
2001 - África, Ásia, Brasil - Os Três Mundos
2002 - A Nova Tenda dos Milagres
2003 - “A Lenda do Arco-Íris”
2004 - Tuaregues - Guerreiros do deserto africano
2005 - O Casal Solar - Akhenaton e Nefertiti - O Monoteísmo Africano
2006 - Angola - A Pátria Mãe de Milhões de Brasileiros
2007 - Marrocos - O País dos Sentidos
2008 - África do Sul - Futebol e Paixão
2009 - Mali - Dogons o Povo das Estrelas
2010 - Índia, Brasil, África do Sul - A Terceira Visão
2011- Tambores, Papiros, Twitter - A Historia da Escrita
2012 - Vale dos Reis - A Sete Portas da Energia
2013 - Samba, Futebol e Alegria - Raízes do Brasil
2014 -Ashanti - O Trono Dourado e a Rainha Yaa Asantewaa
2015 -Etiópia– A Cruz de Lalibela, O Pagador de Promessas.
2016 -“Brasil, mostra tua cara!” - “Sou Olodum, quem tu és?”

FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/11282/bloco-olodum--37-anos-de-historia

Mahmundi: o disco pop da menina carioca

Morando hoje em São Paulo, Mahmundi estará no Rio na terça, 26, tocando na Noite Faro MPB - Fernando Lemos / Agência O Globo

Cantora que começou no gospel lança em maio seu primeiro álbum
Marcela Vale, 29, só descobriu o Nirvana de Kurt Cobain aos 20. Até bem pouco tempo antes disso, o que havia na vida da menina do bairro de Marechal Hermes eram hinos e canções gospel, que ela cantava na igreja de quinta a domingo.
— Quando meu pai se converteu, ele quis mudar de vida. Jogou fora todos os discos, de Kraftwerk a Led Zeppelin, e quis fazer um detox na gente — conta ela, que há algum tempo atende pelo nome de Mahmundi (ou seja, “mundo de Marcela”) e que, no mês que vem, depois de dois EPs, lança pela Skol Music o seu primeiro álbum, “Mahmundi”.
Do Genesis (não o livro da Bíblia) veio a primeira paixão musical não gospel de Marcela: o baterista, cantor e hitmaker Phil Collins. Influenciada por ele, começou a tocar bateria e depois foi defender suas canções na igreja, em voz e violão. Certo dia, irritada com o amadorismo da banda com quem tocava (“Se Deus existe, por que a gente está tocando essas coisas ruins?”, pensou), a cantora resolveu dividir seu trabalho num fast food com um estágio como técnica de som no Circo Voador. Lá, ela viu inúmeros shows, apaixonou-se pela guitarra e fez amizade com o produtor Liminha.
Aos poucos, formatava-se Mahmundi, a artista de synthpop e r&b, vencedora do prêmio de Nova Canção do Multishow em 2014 com “Sentimento” (que acaba de ser gravada pelo Rappa em seu novo DVD, a ser lançado em junho).
— Quando comecei, em 2012, eu não tinha metade disso aqui, era muito low-fi — diz ela, cercada de equipamento, no estúdio caseiro em que gravou o disco (refazendo muitas canções dos EPs). — O Miranda (Carlos Eduardo Miranda, diretor do selo StereoMono, da Skol Music, que lança o álbum) me disse que as pessoas precisavam ouvir minhas músicas. E eu sempre tive vontade de fazer um disco pop. Não o pop da Anitta, que acho incrível, mas não sei fazer, e sim um disco de canção brasileira com aquela matemática precisa dos hits do Phil Collins.
Tocando boa parte dos instrumentos ao lado dos amigos de igreja Lux Ferreira (teclados) e Felipe Vellozo (baixo) — eles a acompanham nos show que ela faz terça-feira que vem na Noite Faro MPB no Botafogo Praia Shopping —, Mahmundi hoje vive em São Paulo.
— Lá, eu fico muito sozinha ouvindo discos da Elis Regina. Nove horas da noite eu estou em casa, escrevendo. Se fosse no Rio, estaria na praia — confessa ela, que é vista por muitos como uma espécie de versão anos 2010 do pop carioquíssimo de Marina Lima. — Tem pessoas que me dizem que querem conhecer o Rio por minha causa, mas por muito tempo eu quis fugir dessa coisa de ser “a menina do Rio”. Eu ouvia as músicas do meu disco na Avenida Paulista, no Minhocão, pensando como é que as pessoas iam entendê-las.
Com a experiência de quem começou “tocando com microfonia na Comuna” e foi parar ano passado no Vodafone Festival, em Lisboa, Mahmundi se prepara para o novo momento na carreira:
— Não sei se um dia vou encontrar o Phil Collins, mas tenho uma meta: quero fazer coisas que os taxistas ouçam.
FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/11286/mahmundi-o-disco-pop-da-menina-carioca

Mães negras não adoecem


“Quem aqui de vocês quando doente, conseguiu ficar mais de três dias de cama, sem ter que se recuperar antes do tempo previsto, para retomar seus compromissos ?”. Essa foi a provocação inicial feita durante o primeiro encontro do Iyá Maternância grupo de mulheres que discute maternidade negra, até onde sei, a primeira iniciativa nesse sentindo em São Paulo. O evento foi nesse último sábado, dia 23 de abril.
E é isso. Se mulher negra tem que ser forte, mães negras não podem ser dar “ao luxo” de adoecer. A imagem da escrava negra sempre disponível e pronta para servir, ainda existe, mesmo em lares afro-centrados. São as feridas da escravidão ainda abertas e cutucadas diariamente, e que se traduzem em muito dor, baixa autoestima e a sensação de que não merecemos ser amadas.
Quem já participou de encontros de mulheres negras, sabe o quanto é tocante, o quanto choramos deixando evidente uma dor coletiva, mas silenciada dentro dos nossos lares. Temos medo de nos mostrarmos vulneráveis, visto que temos que ser a solução e nunca o problema ou ainda, pela falta de ter quem se importe.
“Minha mãe morreu aos 53 anos, de tanto trabalhar. A imagem que tenho dela é de sofrimento, ela apanhava do meu pai e trabalhava todos os dias da semana, até que seu coração não aguentou”, disse uma das participantes do encontro do Iyá. Eu, infelizmente, não acho que esse seja um caso isolado. A maior parte das famílias negras, são sustentadas por mães exaustas.
Projetos sobre maternidade negra são urgentes porque a sensação de solidão e abandono persiste até entre mães jovens. Não nascemos mães. Parir e educar crianças negras é outro papel que tivemos que assumir sozinhas.
Minha dúvida é, porque o homem negro é tão ausente nessas questões?  Em outros depoimentos ficou evidente que o pai, negro ou branco, delega a mãe, mais esse fardo, como se só ele tivesse o direito de usar a carta da Glória Pires e não opinar, passando para nós, mais uma vez a função de administrar e gerenciar conflitos gerados em situações de racismo.
Quem exige das lojas a boneca negra, quem vai à escola para pedir mais diversidade nos livros paradidáticos ou denunciar o coleguinha racista, quem muda sua estética para ser referência para os seus filhos é a mãe negra.
As recompensas por essa doação incansável é essa nova geração de crianças negras empoderadas.
Mães negras, como todas as outras, têm dúvidas, medos, se cansam, sentem dor, tem muitas dúvidas e não têm resposta para tudo, no entanto o racismo é imperdoável, mesmo com as que ainda carregam seus filhos no ventre. Até a dose de anestesia no parto pelo SUS é menor quando a mãe tem pele escura.
Enquanto isso não é um problema para o Estado, nem para os pais, iniciativas como a Iyá, são o que irá garantir que nossas meninas negras, sejam mais felizes e amparadas no futuro quando se tornarem mães.
FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/genero-mulher/11306/maes-negras-nao-adoecem

#PelePretaTatuada

O projeto busca empoderamento através de tatuagens que representam a causa. (Foto: Helen Mozão)
Confira o editorial fotográfico que mistura arte e empoderamento da raça negra.
Esse é um daqueles textos que deixa qualquer jornalista feliz e grato: Um dia desses, pensávamos em uma pauta sobre tatuagem em pele negra e nos deparamos com esse editorial lindíssimo. Ele tinha acabado de ser divulgado, muita gente comentou, compartilhou e nós aqui, frenéticos para saber mais, saber como, quem, onde…
Tombamento a começar pelo nome: #PELEPRETATATUADA.
Finho, tatuador há 15 anos e idealizador do editorial junto com a Estopim Art, nos disse em entrevista que o nome surgiu do próprio conceito do projeto e acabou virando uma espécie de campanha, já que a hashtag agora pode ser usada para dar visibilidade à arte em pele negra. Conversamos com Finho sobre o editorial, sobre sua carreira e sobre a participação do rapper Emicidaneste projeto.
Aproveitamos e fomos atrás da fotógrafa Helen Mozão, responsável pela produção do editorial e por essas belas fotos. Nossos dois convidados residem na cidade de Salvador, Bahia, onde aconteceu a sessão de fotos para o editorial.
Tatto2me?—?Como você começou sua carreira?
Finho?—?Eu sou, fui envolvido em muitas culturas que meio que moldaram o que sou, o que eu faço, o que eu produzo enquanto artista. Culturas ou contraculturas como o punk-hardcore, o veganismo, o hip-hop de maneira geral porque eu sou grafiteiro também. E eu acabei conhecendo a tatuagem muito cedo, desenhava muito por influência do meu irmão que também desenhava e eu fui percebendo a tatuagem e pegando canetinha, desenhando no papel, às vezes em mim mesmo quando era moleque. Fui comprando revistas, na época não se tinha Internet como hoje e fui me envolvendo a tal ponto dos amigos perceberem e colocarem uma pilha pra eu me jogar nisso. Eu acabei ouvindo esse pessoal, duas pessoas em especial que estiveram comigo desde início, Fabiano Passos e Robson Véio, que estão comigo até hoje, na Estopim Art do Fabiano… E tem um tatuador, talvez um dos mais antigos de Salvador, Álvaro Medrado, que foi quem abriu as portas. Foi no estúdio dele que eu comecei a tatuar e fiquei por quase 15 anos, lá que eu aprendi a tatuar, ele quem me ensinou o processo inteiro. E aí eu entrei num processo meio que de montar meu próprio estúdio, talvez passar isso adiante, ensinar outra pessoa, enfim, não sei.
#PELEPRETATATUADA: modelo, moda, tatuagem e composição. (Foto: Helen Mozão)
Tattoo2me?—?Como é o seu trabalho, sua trajetória como artista?
Finho?—?Minha trajetória, vamos dizer, foi normal. Eu sempre gostei de fazer determinados tipos de desenhos, mas fiquei, durante muito tempo, receoso em investir nessa temática mais Old School e New School, porque eu estava começando a tatuar e não era, pelo menos aqui em Salvador, uma temática mais comum. Eu lia muita revista gringa, em São Paulo eu sei que tinha uma parada muito forte, mas aqui eu não levava tanta fé que eu pudesse me destacar e fazer somente isso. Até porque o que eu vi era muita gente vindo atrás de desenho de álbum e eu ficava meio assim de fazer um tipo de desenho que não teria saída. Mas não sei se por teimosia, por ser turrão (risos), por ser aventureiro eu acabei investindo nisso e acabei tendo uma grata surpresa, porque muita gente acabou vindo me procurar por conta do meu modo de tatuar. Modo de tatuar eram os desenhos que eu criava. Eu nunca fui uma pessoa apegada a uma forma de tatuar, uma parada mais engessada. Sempre gostei muito de ComicsOld School e New School, sempre fiz desenhos bebendo dessas três fontes. Então, eu achava uma parada muito legal, primeiro porque o cliente saía com o desenho escolhido por ele e segundo que eu não precisava ficar reproduzindo aquele mesmo tipo de desenho de álbum. Eu tinha liberdade de estar criando minhas próprias coisas.
Tattoo2me?—?E aí, teve meio que uma mudança nos seus desenhos.
Finho?—?Bem mais recentemente, coisa de dois ou três anos, através de conversas com amigos, aproximação com movimentos sociais a gente começou a perceber que era complicado buscar referências de tatuagem na pele negra. Em revista gringa era até mais fácil de achar, mesmo assim muito reduzido, algo como 5% (das publicações). E era pra ter fonte de inspiração, você pegava o desenho e queria saber como ficaria em sua pele. Quanto mais escura a pele, mais complicado. E por conta dessa lacuna, eu vi que era uma coisa a ser pensada, trabalhada: dá pra se fazer muita coisa legal, dá até pra se mudar a maneira do preparo do desenho.
É massa a gente usar todo aquele modelo old school, âncoras, andorinhas, pin-ups. É interessante esteticamente, mas é uma cultura que não diz muito pra gente enquanto Brasil e num ponto mais específico, enquanto povo preto.
Foi por isso que eu comecei a pensar em desenhos de um outro ponto de vista, mas também de se pensar em pele negra, ainda mais em Salvador que a população negra é uma parcela altíssima (da sociedade). Acho que as minhas primeiras quatro ou cinco tatuagens foram feitas em peles negras, só que na hora de fotografar, eu dava prioridade aos trabalhos maiores e coloridos mesmo gostando de todos. E era um bagulho, no mínimo, esquisito. Eu comecei a ver que lá fora já se tinha esse cuidado, já se tinha umas pin-ups gordinhas, modelos hispânicas, asiáticas e não era mais restrito aquele padrão de mulheres magras, mulheres brancas, mulheres de olhos azuis. Funciona legal pra quem quer aquilo, mas quem não quer tinha que ter um modelo pra escolher.
Não só estética, tattoo também é representação, é pertencimento. (Foto: Helen Mozão)
Tattoo2me?—?Assim que surgiu a ideia pro editorial #PELEPRETATATUADA?
Finho?—?É, o Estopim é um trampo muito antigo de Fabiano, ele trabalha com audiovisual e mais recentemente ele começou a produzir uma série de camisas. Camisas ligadas à temática da tatuagem e eu acabei produzindo duas estampas dessa série, e em uma das nossas reuniões meio que chegamos nessa ideia, nesse conceito e resolvemos juntar uma coisa e outra já que eu já estava trabalhando em tatuagens mais voltadas para pele negra. E pra divulgar esse projeto, pensamos em não fazer fotos tradicionais e eu, automaticamente, pensei no nome de Mozão, Helen Mozão, que é uma fotógrafa muito boa daqui, nossa amiga, já tínhamos produzido umas coisas juntos, e eu achei que tinha muito a ver.
O ensaio é esse que vocês podem ver. Eu peguei alguns amigos e amigas que eu já tinha tatuado, tatuagens que eu achava emblemáticas pra saírem nesse ensaio. E foi massa porque é pra gente meio que ter orgulho e desdizer que tatuagem não combina com pele preta. Funciona, sim. Tá aqui a prova!
É um momento de empoderamento, de fortalecimento, e mostrar isso com a tatuagem e com a blusa é muito legal. É orgulho de dizer e mostrar na camisa:eu sou!

Genericamente, o projeto é sobre tatuagem em pele preta e mais especificamente, sobre as tatuagens terem uma certa temática, como por exemplo o Heru que Robson Véio tem no antebraço com o as letras do RBGque é uma alusão às cores da bandeira pan-africana, que é o vermelho, verde e preto. Pra mim é muito a ideia de referência, de se buscar a referência e transmitir. Porque se antes não se tinha (referência) agora a gente vai ser!
Referências egípcias e da Libertação Negra. (Foto: Helen Mozão)
Tattoo2me?—?E como aconteceu a participação do Emicida?
Finho?—?Ele talvez seja uma parada embrionária disso tudo. A gente já é amigo há algum tempo, e numa dessas minhas idas a São Paulo, ele comentou que tinha interesse de fazer uma tatuagem, na época não rolou, mas acabou rolando um pouco depois. E quando ele me falou da ideia do que queria fazer, eu pirei na hora porque eram várias cabeças, várias representações de pessoas importantes da cultura negra. Esporte, música, política, arte. É um trampo que a gente ainda não terminou, faltam ainda algumas cabeças e um fundo que vem meio que unindo tudo, é uma manga inteira, uma tatuagem grande.
O rapper Emicida com a camisa do projeto.
Conversamos, também, com a artista visual Helen Mozão, responsável pelas fotografias do editorial:
Tattoo2me?—?Como você define seu trabalho?
Helemozão?—?A minha fotografia é voltada para a periferia, direcionando, em alguns momentos, para a mulher, a mulher preta e periférica. Então, meus trabalhos autorais falam basicamente de emponderamento, de aceitação, de entender o seu corpo, de falar das pessoas da periferia e fazendo com que as mulheres se entendam e mostrem isso para a sociedade.
Tattoo2me?—?Como foi produzir o editorial?
Helemozão?—?Eu e Finho sentamos pra conversar e eu dei algumas ideias. O#PELEPRETATATUADA já existia e não teríamos outro nome para dar senão esse. E aí fizemos uma sessão de fotos exaltando a questão da tatuagem, nós saímos pelas ruas do Pelourinho com uma galera e o background eu pensei em algo bem desconstruído, descascado pra dar esse contraste mesmo com o tom da pele, a tatuagem, mostrar que é essa coisa da rua.
A gente quis fazer uma sessão bem alegre, com algumas pessoas sorrindo. E num outro momento, a gente quis fazer arepresentação da tatuagem nas pessoas.
Tattoo2me?—?E a edição das fotos? A edição foi feita de uma forma diferenciada?
Helemozão?—?O processo de edição é o que eu geralmente já faço nas minhas imagens, que é ressaltar mais a pele preta, e no caso do trabalho com Finho eu tive o maior cuidado em ressaltar o tom da pele preta, mas não escurecer tanto para dar visibilidade para a tatuagem. É um processo diferente das outras fotos porque eu preciso ter esse maior cuidado, na hora de fotografar eu tenho que procurar um ambiente com mais luz pra poder sair o desenho melhor.
Tattoo2me?—?O que o projeto representa pra você enquanto mulher e preta?
Helemozão?—?O projeto não é meu, autoral, mas eu me sinto muito representada e acredito que várias pessoas conseguem se sentir representadas porque é uma maneira de se desconstruir essa coisa de que a tatuagem só é legal em pele clara, mesmo que seja uma pele negra, mas clara. E que você não vai poder usar sombras, algumas coisas, sabe? O corpo é arte, independente de que tom de pele for. E Finho é essa pessoa, ele faz o trabalho muito bem, ele faz com que as pessoas confiem no trabalho dele e se deixem ser tatuados. É difícil uma pessoa olhar pro trabalho de Finho e não se sentir tocado e não gostar e não amar. E tem a questão da releitura, não tem uma mulher, gorda, negra que não consiga se olhar no desenho dele, as referências dele são muito próximas (às pessoas).
Nós, do Tattoo2me, não cansamos de elogiar o editorial e torcemos para que venham muito mais desse tipo de arte, ensaio, inspiração, referência, editorial. E eles virão! Vamos aguardar os próximos capítulos do#PELEPRETATATUADA.
Acompanhe os trabalhos de Finho e Helemozão e não deixe de conferir oeditorial completíssimo!
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FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/11327/pelepretatatuada

Angola: Rappers são condenados à prisão


Jovens receberam penas de 2 a 8 anos por participarem de grupo de estudos; Tribunal alega que eles estavam conspirando para derrubar o presidente
Cinco anos e seis meses de prisão. É esse o tempo que o rapper Luaty Beirão terá que cumprir, segundo a sentença condenatória proferida nesta segunda-feira (28) pelo Tribunal Provincial de Luanda. Luaty, assim como outros 16 jovens angolanos, foi condenado por “atos preparatórios para rebelião” e associação criminosa. Os jovens participavam aos sábados de um grupo de estudos de uma versão angolana do livro Da ditadura à democracia, do pacifista americano Gene Sharp. Catorze deles foram presos em junho do ano passado, em “flagrante delito” enquanto discutiam o livro. Desde então, Luaty passou 85 dias numa cela solitária, com direito a apenas uma hora de sol por dia, e depois seguiu preso em cela comum. Em dezembro o grupo foi transferido para a prisão domiciliar.
O julgamento durou 4 meses, durante os quais o Ministério Público procurou fundamentar a acusação de conspiração para derrubar o presidente José Eduardo dos Santos, que está no poder há 36 anos. Uma das principais peças apresentadas pela acusação foi um vídeo filmado durante os encontros por um jovem infiltrado pelo serviço secreto, mostrando os debates sobre táticas de protestos não violentos contra o governo.
Além disso, a acusação apresentou uma lista que circulou pelo Facebook contendo nomes de pessoas que deveriam ocupar cargos em um potencial governo pós-José Eduardo dos Santos. A brincadeira das redes sociais foi tomada pelo juiz como prova de que havia planos concretos para derrubar o presidente, embora constassem nomes pouco prováveis, como um fanático líder religioso que pregava fim do mundo. “Os arguidos estavam a preparar atos de rebelião porque os mesmos não pretendiam apenas ler um livro. Os arguidos queriam aprender como destituir o poder”, afirmou a representante do Ministério Público Isabel Fançony Nicolau.
Direto para a prisão
A estudante de filosofia Laurinda Gouveia, entrevistada pela Agência Pública em setembro do ano passado, foi condenada a 4 anos e 6 meses de prisão. A mesma sentença foi dada aos jovens Nuno Dala, Sedrick de Carvalho, Nito Alves, Inocêncio de Brito, Laurinda Gouveia, Fernando António Tomás “Nicola”, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Osvaldo Caholo, Arante Kivuvu, Albano Evaristo “Bingo-Bingo”, Nelson Dibango, “Hitler” Jessy Chivonde e José Gomes.
Além de Luaty Beirão, o professor Domingos da Cruz também recebeu pena maior – 8 anos de prisão – por ser considerado “líder” do grupo. Domingos é autor da adaptação do livro de Gene Sharp para o contexto angolano. Dois outros acusados receberam pena de 2 anos e três meses: Benedito Jeremias Dali “Dito” e Rosa Kusse Conde. O militar Osvaldo Caholo aguarda o processo no Tribunal Militar.
Todos participavam da pequena, mas vibrante cena Rap de Luanda, que reúne jovens músicos críticos ao regime. Segundo maior exportador de petróleo da África, Angola tem cerca de 36% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, e possui a pior taxa de mortalidade infantil do mundo, enquanto a filha do presidente é a mulher mais rica do continente.

Os condenados foram levados para a prisão logo após proferida a sentença, na manhã desta segunda-feira. Mas não se sabe o local exato, segundo Pedro Beirão, irmão mais novo de Luaty. “Ele já está efetivamente preso, mas não sabemos onde. Os advogados não sabem, vamos ver se amanhã sabem.” Pedro, que compareceu nesta manhã ao tribunal, diz que não teve contato com o irmão, que não estava na sala durante a sentença. “Não consegui ter acesso a ele, então não podemos saber muito bem a reação dele. Eu estou um bocado preocupado para saber onde ele vai estar e se vamos ter acesso a ele.”
Até ontem Luaty estava calmo e “preparado para o pior”, já que a condenação não foi uma surpresa, conta o irmão. “Obviamente achamos uma grande injustiça a decisão que foi tomada, mas não nos surpreende muito, porque o Tribunal em si já tinha dado alguns indícios que a decisão ia no caminho da condenação. Só tínhamos dúvida em relação aos 5 anos. Nos parece uma pena extremamente pesada para alguém que não fez nada.”
A defesa dos jovens entrou com recurso no Tribunal Supremo pedindo a revisão da sentença.

Ana Cernov, coordenadora do programa Sul-Sul da organização Conectas, que defende direitos humanos, diz que a decisão viola direitos tanto no âmbito nacional como internacional. “Esses jovens estão sendo condenados por lerem um livro. Em qualquer país democrático eles poderiam se reunir em um grupo de estudos e inclusive criticar abertamente o governo, e não poderiam ser condenados por esses crimes”, diz. Ela lembra que a decisão acontece na mesma época em que o governo angolano tenta projetar sua imagem internacionalmente. “Neste momento Angola ocupa a presidência do Conselho de Segurança da ONU. Mas se o governo quer ter esse papel internacional, tem que garantir a liberdade de expressão, de reunião e de associação em Angola.”
Ana Cernov critica ainda o silêncio da diplomacia brasileira sobre o assunto – o que considera “uma irresponsabilidade” uma vez que Brasil é um parceiro econômico estratégico de Angola. “Acreditamos que o Brasil teria forças suficientes para pressionar o governo angolano para garantir esses direitos fundamentais de expressão.” O Itamaraty afirmou repetidas vezes que não iria se manifestar sobre os ativistas.
Ativista angolano pede asilo no Brasil

Desde novembro do ano passado, um dos mais conhecidos ativistas ligados aos 17 jovens está no Brasil, onde pede asilo político. O angolano Raul Mandela chegou a ser entrevistado pela Pública em Luanda, antes de embarcar para São Paulo.
Sua partida foi conturbada. “Eu saí no dia 20 de novembro do ano passado. Mas tive um problema no aeroporto. O meu passaporte foi retido e me disseram que eu não podia viajar, porque estava sendo investigado”, diz ele. O embarque só foi permitido, segundo Raul, porque tinha um enorme ferimento na cabeça depois de ter sido espancado em uma manifestação em defesa dos amigos presos. “Eu fui torturado lá na Maianga [bairro central de Angola] numa manifestação que realizamos. Os policiais abriram minha cabeça com um pau, e sangrava muito. Com isso eu saí do país, a dizer que fui fazer tratamento no Brasil.”
Convidado para participar do grupo de discussões sobre táticas não violentas, Raul não conseguiu transporte para levá-lo à reunião no dia 20 de junho, quando todos foram presos. “E se eu fosse, hoje estava também preso, nessa prisão, que eu acho o cúmulo. Quando num país prendem jovens que leem livros, esse país não está em condições de ser chamado democrático. É um país ditatorial, Salazarista”, diz. Após a prisão dos amigos, Raul continuou a participar de manifestações em Luanda, até que a situação tornou-se insustentável.
“Começaram a me perseguir quando da prisão dos companheiros. No mesmo dia foram até a minha casa. Eu estava lá, mas avisaram-me que chegava a polícia e civis também. Tive que fugir”, lembra. “A minha casa foi invadida quatro vezes. Invadiram sem nenhum mandado de captura, não apresentaram nenhum documento. Eu tinha uma cópia do livro de Gene Sharp, que eles levaram.” Ele também relata ter sido procurado por um grupo de jovens afiliados ao partido governista do MPLA – o que o fez temer pela sua segurança física e decidir fugir do país.
Ele conta que decidiu pedir asilo depois de conhecer “a liberdade que o Brasil tem”. “Aqui no Brasil o meu trabalho é divulgar as violações de direitos humanos em Angola. Tenho que trabalhar em reverter a condenação dos meus colegas, meus companheiros. A luta é longa mas vou ter que conseguir fazer isso”, promete.

FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/africa/10990/angola-rappers-sao-condenados-a-prisao

GRANDE OTELO E O TALENTO NEGRO NA DRAMATURGIA BRASILEIRA

Multifacetado, podia interpretar tanto personagens sérios quanto os engraçados, além de cantar, escrever e declamar poemas. (Foto: Divulgação)
A população negra do Brasil é uma das maiores do mundo e já ultrapassou a marca dos 50% ou cem milhões de pessoas. Aos olhos de um estrangeiro significaria que os afrodescendentes ocupam majoritariamente cargos elevados em empresas importantes, são protagonistas nas decisões dos rumos da vida política e seus rostos e cultura estampam capas de jornais e revistas em cada esquina.

Mas, além de confundir a cabeça de que vem de fora, a vida cotidiana no país tropical do século XXI ainda não reflete a imponência dos números. Para se ter uma ideia, segundo pesquisa feita em parceria entre o Instituto Ethos e o Ibope, os negros ocupam 25,6% dos cargos de supervisão, 13,2% dos cargos de gerência e 5,3% dos cargos executivos de empresas brasileiras. É importante ressaltar novamente que, de acordo com o  IBGE, os negros e pardos representam 50,7% dos brasileiros.
Com mais de 50 anos de história, a TV ainda é um dos meios de comunicação mais utilizados no Brasil e também um dos que menos refletem sua realidade étnico-racial. A novela, um dos gêneros mais populares de todo o país, foi ao ar pela primeira vez em 1951 ano em que Sua Vida me Pertence de Walter Foster estrelou a programação da extinta TV Tupi sem um único negro no elenco principal. O primeiro negro a protagonizar uma telenovela foi o carioca Zózimo Bulbul, personagem central de Vidas em Conflito, exibida na então TV Excelsior, em 1969. O fato, que pode ser considerado um grande avanço, não mudou muito a realidade de atores e atrizes negras que ainda eram preteridos pelos Tarcísios, Glórias e Reginas. Salientando que não se coloca em dúvida o talento de nenhum dos citados.
A insatisfação já vinha de décadas antes do surgimento da primeira telenovela brasileira. Ainda no teatro, homens e mulheres negras eram deixados de lado e muitas vezes o que sobravam eram papéis caricatos ou pejorativos e  preconceituosos. Para atenuar o caso, surge a figura de Abdias do Nascimento e seu Teatro Experimental do Negro. Criado em 1944, o TEN foi fundamental para o desenvolvimento da dramaturgia negra.
Irritado e cansado com atores brancos se pintando de preto para interpretarem negros em cena (o que hoje ficou conhecido como black face), Abdias, um dos mais notáveis militantes pelos direitos dos afrodescendentes, os elevou ao posto de protagonista por meio do TEN. O poeta e dramaturgo assumiu lutas importantes, como a defesa dos direitos das mulheres negras, além de ter trabalhado para que a população afro-brasileira percebesse o racismo sofrido e valorizasse sua própria cultura. Os espetáculos estrelados pelos negros e negras voltaram os holofotes para  nomes de peso das artes, como Ruth de Souza, Haroldo Costa e Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Otelo.
Um dos marcos de sua carreira foi a atuação em Macunaíma, adaptação da obra escrita por Mário de Andrade. (Foto: Divulgação)
Nascido em Uberlândia, Minas Gerais em outubro de 1915, Grande Otelo foi um dos atores mais talentosos do século XX. Multifacetado, podia interpretar tanto personagens sérios quanto os engraçados, além de cantar, escrever e declamar poemas. Ao longo da extensa carreira atuou no rádio e na TV e envolvia todos com suas expressões faciais. O começo de tudo foi por volta de 1926, na Companhia Negra de Revistas, formada apenas por artistas negros e que tinha no elenco nomes como Pixinguinha (atuando na função de maestro), Donga (músico) e Rosa Negra (atriz e cantora).
Fascinado pela boêmia da Lapa e de outros bairros cariocas, Grande Otelo se mudou para o Rio de Janeiro em meados do fim da ecada de 1930. Lá conheceu seu grande parceiro, o músico Erivelto, com quem compôs o famoso samba Praça Onze em uma das muitas idas ao badalado Cassino da Urca. Aliás, até a contratação de Grande Otelo para apresentações, os negros não podiam sequer entrar pela porta da frente do cassino. Práticas do racismo brasileiro. O cinema surgiu na vida de Otelo ainda nos anos 1940, tempo em que estrelou filmes comoMoleque Tião e Também Somos Irmãos, ao lado da grande amiga Ruth de Souza.
Ao lado do então presidente Juscelino Kubitschek e de Pixinguinha, Otelo se encontrou com o músico norte-americano Louis Armstrong. (Foto: Divulgação)
Contudo, a interpretação mais conhecida do ator foi em Macunaíma, de 1969. Adaptação da célebre obra de Mário de Andrade, que narra as mudanças de um herói preguiçoso e sem caráter, que nasce negro, mas se transforma em branco para emigrar da selva para a cidade. Pela atuação, Grande Otelo venceu o Prêmio de Melhor Ator no Festival de Brasília de 69. No cinema, o mineiro radicado no Rio de Janeiro também fez parte do elenco de um filme não finalizado, It’s All True, de Orson Welles, que apontou Grande Otelo como um dos maiores atores do mundo.
Elogiado por Welles, Grande Otelo protagonizou outro momento marcante para a história das artes brasileiras. Ao lado do então presidente Juscelino Kubitschek e de Pixinguinha, se encontrou com o músico norte-americano Louis Armstrong, que desembarcara no Brasil para uma temporada de shows. Na TV acumula atuações ao lado de nomes como Chico Anysio, Geisa Bôscoli e Ruth de Souza.
Presente no cinema, no teatro e na TV, Grande Otelo se coloca como uma das grandes figuras representativas das artes negras no Brasil. Apesar de todos as conquistas, faleceu em Paris aos 78 anos sem o devido reconhecimento, o que escancara os efeitos causados pelo racismo brasileiro. Dominado por algumas famílias, os veículos de comunicação contribuem para a manutenção da discriminação ao teimarem em não dar espaço para artistas negros contemporâneos, negando sua contribuição para a formação da cultura nacional. Assim, os veículos de mídia alternativa, coletivos e movimentos são indispensáveis no caminho de afirmação da figura do negro como protagonista da construção social do Brasil. 
“Todo o ator é um sentimental. Do contrário não seria ator. A gente tem de ser um doido, um sentimental, um idealista. Se não for assim, não poderá ser um bom ator.”
FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/11153/grande-otelo-e-o-talento-negro-na-dramaturgia-brasileira