terça-feira, 30 de agosto de 2016

DE LA SOUL VOLTA COM NOVO ÁLBUM E SHOWS NO BRASIL

O trio, há 12 anos sem lançamentos, gravou "and the Anonymous Nobody..." através de financiamento coletivo - e já está trazendo a tour pra cá!


Um novo disco do De La Soul é muito mais do que um lançamento legal. É um acontecimento! O trio, responsável por um dos álbuns mais inovadores do hip-hop, o maravilhoso "The Grind Date" (2004), está de volta com "and the Anonymous Nobody...", outra pedrada pro currículo deles, e já tem tour marcada... no Brasil!
O nono álbum de estúdio do trio nasceu de um financiamento coletivo na plataforma Kickstarter, através do qual eles arrecadaram mais de 600 mil dólares pra tirar o disquinho do papel. Nada mal!

E é claro que a galera ia contribuir, né? Depois de 12 (isso mesmo, DOZE) anos sem lançar um projeto de inéditas, Posdnuos, Dave e Maseo reuniram swag, ritmos, estilos e muito alto astral num álbum leve, inteligente, orgânico - em outras palavras, de-li-ci-o-so.

O grupo é conhecido pelo uso de samples ecléticos (A.K.A. diferentões), letras peculiares e aquele mix gostoso de hip-hop com outros gêneros. Até dá pra identificar essas características hoje no som de rappers como Kendrick Lamar e Kanye West o tempo todo, mas alguém teve que criar essa escola aí, né?! 

Aliás, o que não falta é artista cheio de talento nesse álbum! Snoop Dogg, Damon Albarn, David Byrne, Usher, Justin Hawkins, Little Dragon e 2 Chainz são apenas alguns dos nomes de peso que gravaram esse tiro com o grupo.

Para a nooossa alegria, as boas notícias sobre o De La Soul não acabaram aí! Os mestres novaiorquinos vão trazer a tour do "and the Anonymous Nobody..." pro Brasil daqui a pouquiiinho tempo. Eles confirmaram apresentações nos dia 3 e 4 de novembro em BH e no Rio, respectivamente.

Ei, espera! Antes de correr pra comprar o seu ingresso, que tal ir entrando no clima do show imperdível curtindo o som dos caras? Coloca a playlist do Tenho Mais Discos pra tocar e, aí sim, pode clicar aqui ou aqui e garantir sua presença nesses shows ouvindo a melhor trilha!
FONTE:http://topsify.com.br/noticias/de-la-soul-volta-com-novo-album-e-shows-no-brasil

NEGROCRACIA

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Acordo pela paz entre PCC e Comando Vermelho derruba homicídios em Fortaleza

Facções dominam periferias de uma das capitais mais violentas do Brasil e proíbem ciclo de vingança das gangues locais

Crianças brincam em praia no Pirambu. Ao fundo, pichação do Comando Vermelho. 

O relógio marca pouco mais de 20h de uma noite abafada de agosto no Jangurussu, periferia de Fortaleza. Em outros tempos, Rodrigo de Araújo, 19, se obrigaria a caminhar pelas vielas escuras de terra, onde o esgoto ainda corre solto pelo meio da rua, em nível máximo de alerta, atento a cada sombra e movimento nas esquinas. O bairro faz parte da região conhecida como Grande Messejana, historicamente uma das mais violentas da capital cearense. No entanto, hoje o jovem anda despreocupado: Aqui tá tudo em paz. Fortaleza toda, Ceará todo, tudo pacificado”. Há cerca de seis meses seus moradores sentem na pele os efeitos do que ficou popularmente conhecido como a “pacificação”. O grande responsável por esse processo, no entanto, não foi o Estado. A paz que hoje vigora em quase todas as periferias de Fortaleza é obra do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), facções criminosas surgidas em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente.

Araújo comemora a recém-conquistada liberdade de ir e vir em seu próprio bairro. “Antes eu não podia atravessar aqui. Quando precisava cruzar o Jangurussu, ia com o coração na boca”, afirma. “Hoje eu ando por qualquer canto”. Até o poder das facções do Sudeste ter se imposto, o bairro era dividido em setores que eram controlados por gangues rivais ligadas a torcidas organizadas de futebol. A Movimento Organizado Força Independente, do Ceará, e a Torcida Organizada Jovem Garra Tricolor, do Fortaleza, são dois dos maiores exemplos deste fenômeno. Elas controlavam o tráfico de drogas no local e atacavam umas às outras, deixando uma pilha de cadáveres. Com a chegada do CV e do PCC, assaltos no bairro foram proibidos, e o ciclo de vinganças provocado pelas gangues foi interrompido. Homicídios, que eram parte do cotidiano, aos poucos se tornam uma lembrança, ainda que não tão distante.
Seria ingênuo, no entanto, acreditar que essa paz é fruto de algum humanismo por parte das facções. A ideia é reproduzir o modelo empresarial adotado pelo PCC em São Paulo, deixando antigas desavenças de lado e focando no comércio da droga e no enfrentamento à polícia. A lógica é simples: homicídios chamam a atenção das autoridades, e roubos geram mal-estar na comunidade, incentivando que os moradores delatem os traficantes que não conseguem "manter a ordem".
S. L. D, de 21 anos, é um dos líderes do PCC no Jangurussu. Por razões óbvias ele não quis divulgar o nome. Entrou em contato com os criminosos do Sudeste enquanto cumpria pena de oito meses de prisão na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinho, conhecida como CPPL II, uma das mais críticas do sistema penitenciário. “Essa paz chegou em todas as comunidades, cada quebrada tem pelo menos um irmão [nome usado pelos integrantes da facção para se referir aos colegas do crime]”, afirma. De acordo com ele, não houve resistência por parte das gangues e torcidas com relação à chegada do PCC e do CV no Estado, uma vez que a nova ordem potencializou os ganhos do tráfico, sendo benéfica para todos. Ele estima que os pontos de venda de droga de seu setor movimentam cerca de meio milhão de reais por mês. Crack e cocaína são os carros-chefes do negócio.
Moradora do Pirambu descansa ao lado de pichação do PCC. 
“Hoje em dia ninguém mais toma atitudes isoladas, não se pode quebrar a paz. Aqui não se tira mais uma vida à toa, nem em caso de dívida de droga”, diz o traficante. Os responsáveis pelos pontos de venda foram orientados a não fazer fiado em seus negócios: a prática de esperar pelo pagamento futuro da droga frequentemente levava à execução do usuário que não saldou a dívida. S. L. D já se acostumou com o papel de mediador de conflitos no bairro. De brigas de faca, homens traídos em busca de vingança, calotes, antigos rivais de gangue, tudo o que poderia acabar em morte agora é arbitrado pelas facções. O modelo que ficou conhecido como o tribunal do crime, vigente nas periferias de São Paulo, também foi implementado em Fortaleza. Eventuais queixas são levadas às lideranças do tráfico – muitas vezes dentro das cadeias -, e só então uma sentença é proferida. A morte é o último recurso.
O morador do Pirambu, bairro localizado na costa leste de Fortaleza, literalmente à beira mar, se acostumou a conviver com o estigma da região. Afinal, trata-se de uma das maiores favelas do Brasil, com cerca de 250.000 habitantes. E também era uma das mais violentas. A má fama do local é evidenciada na fala de Airton Barreto, 65, que se mudou para lá na adolescência. “Eu costumava dizer que morava no ‘vish’. Porque era só falar o nome Pirambu que as pessoas falavam ‘vish’ em tom pejorativo”, diz. Lá, a paz chegou mais cedo do que no Jangurussu. Desde o início do ano passado as facções pacificaram a região. Nos muros, pichações com os dizeres “quem roubar morador morre” lembram a todos da nova ordem em vigor. Além disso, o tráfico usou as redes sociais para disseminar a mensagem, e em alguns locais até colou cartazes explicando a nova ordem vigente: "Quem roubar morador morre".
Airton Barreto, que critica a ausência do
Estado no Pirambu. 
“É uma paz diferente”, diz Airton Barreto, um dos moradores mais antigos de Pirambu. “Existem vários tipos de paz: a paz de cemitério, a paz fruto da justiça e a paz dos justiceiros”, afirma, dando a entender que o a realidade do local é do último tipo. “Hoje você pode ir a qualquer rua, entrar em qualquer viela, sem medo de ser assaltado ou morto”, diz. Para ele, as facções só conseguiram se impor porque o Estado falhou. “Não existem políticas públicas efetivas nas periferias. E o Governo é ausente, abrindo caminho para que o crime se imponha”, critica.
Apesar de recente, essa nova ordem nas periferias do Estado é apontada por especialistas e por moradores como responsável pela queda dos homicídios tanto no Ceará quanto na capital. Em Fortaleza, comparando-se os sete primeiros meses de 2015 com o mesmo período do ano seguinte, houve redução de 37,6% no número de crimes dessa natureza: de 948 mortos no ano passado para 591 em 2016. No Estado a redução foi menor, mas significativa: 12%. De 2278 para 2000. Os números são da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará.
“Grande parte da redução dos homicídios aqui se deve a esse impacto [das facções]”, afirma Luiz Fábio Paiva, professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência. De acordo com ele, essa queda “não é algo que tem a ver com novidades no campo da segurança pública, nada de novo tem sido feito na área que possa justificar os dados”. Segundo o professor, “não é possível precisar a porcentagem de favelas pacificadas, mas escutamos relatos de todas as áreas da cidade de Fortaleza”.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social afirma que “os resultados obtidos com a diminuição dos crimes letais são consequência de um trabalho que vem sendo desenvolvido e aperfeiçoado desde janeiro de 2014” pelo Estado. De acordo com o texto, “qualquer outra suposta razão para esses resultados positivos (...) não condizem com a realidade”. A secretaria cita o Programa Em Defesa da Vida, que dividiu o Estado em áreas específicas de policiamento, com “metas de redução de crimes aferidas diariamente”, como um fator decisivo na redução. Além disso, a pasta destaca o trabalho integrado das diferentes forças policiais como uma das razões do sucesso no “combate à criminalidade”. De acordo com o secretário Delci Texeira, “novas ações já estão sendo idealizadas e pensadas para que possamos ter quedas ainda maiores em todos os índices de criminalidade”.
"Brugelo" Silva, baleado no pescoço, exibe cicatriz. Ao lado, buraco de disparo que matou um de seus amigos. 
A redução está longe de ser insignificante: no início deste ano Fortaleza apareceu como a cidade mais violenta do país no ranking divulgado pela ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal, com uma taxa de 60,6 homicídios por 100.000 habitantes – a 12ª mais violenta do mundo. A Organização das Nações Unidas considera epidêmicas taxas acima de 10 mortes. O estudo considerou apenas cidades com mais de 300.000 habitantes. Para efeitos de comparação, São Paulo tem uma taxa de 10,6 por 100.000, e o Rio 18,2. Os dados são de 2015, e a expectativa é que o Ceará apresente uma queda acentuada este ano.
Antônio Cirlanio Jorge da Silva, 23, conhecido no bairro como Bruguelo, sentiu na pele a lei do cão que vigorava antes da pacificação. Dois anos atrás o então gerente de um dos pontos de venda de droga do setor Estrela do Jangurussu foi visitar a namorada no setor vizinho, Palmeiras. Surpreendido por integrantes da gangue rival e mesmo armado, não conseguiu reagir a tempo: levou um tiro no pescoço, que errou a artéria carótida por milímetros. A bala destruiu uma de suas cordas vocais, e hoje o jovem fala com dificuldade. “Desde a pacificação decidi sair do crime. Para nós, a chegada das facções foi boa, hoje ando onde quero sem medo”, diz. Silva aponta qual o novo rumo dos conflitos no Estado: “Hoje a guerra é entre facção e polícia”.
A pacificação que vigora no local se faz sentir nos pequenos prazeres que os moradores aos poucos voltam a usufruir. “Quando eu vejo essa paz... Olha, antes eu não tinha prazer nenhum de ficar sentado na porta de casa conversando com os vizinhos numa noite fresca”, conta José Pereira, 65. “Hoje está uma calma, todo mundo anda sossegado. Antes não passava um dia em que não se falasse de um ou dois mortos no bairro. O pessoal até soltava fogos para comemorar a morte de um inimigo”.
"Se roubar cidadão na favela #vai pro saco!", diz pichação no Pirambu. 
O traficante J. R., 25, morava na zona leste de São Paulo até junho de 2015, quando um mandado de prisão por tráfico e assalto a mão armada fez com que ele se refugiasse no Pirambu. “Tenho orgulho de ter ajudado a construir essa paz aqui”, afirma. Integrante do PCC, ele explica como funciona o acordo entre as facções no local: “O CV tem muita arma, um estoque bom, então isso é com eles. E o PCC cuida de trazer a droga pra cá”, afirma. Quanto aos poucos bairros de Fortaleza que ainda resistem à nova ordem do crime, ele é taxativo. “Vai ser tudo derrubado já já. Porque agora eles [líderes de gangue que resistem ao acordo] tão na rua, e quem tá na rua faz o que quer. Agora quando for preso, lá dentro [da cadeia] é nóis, quando falar com os cabeção [líderes] não tem como fugir da ideia”, diz.
“Hoje dá até para sair de casa com tablete, notebook...”, brinca Gina Cláudia, 44, enquanto empurra o carrinho com sua filha Laura, de três anos, ladeira acima no Pirambu. “Antes eu evitava sair de casa de noite, e quando saia não levava nada, nem celular nem carteira”. Já Maria Ribeiro, 40, faz uma leitura mais ponderada do que está ocorrendo no local. “Está pacífico. Mas é difícil dizer que prefiro agora do que antes. Sabemos que qualquer vacilo é pago com a vida”, diz. Ela perdeu um irmão que era integrante de gangue para a violência em 1998. “Mas na verdade tenho mais medo da polícia do que de qualquer facção ou gangue aqui do bairro. Hoje em dia se você anda na linha, não tem que temer o crime”, afirma.
FONTE:http://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/19/politica/1471617200_201985.html?id_externo_rsoc=FB_CC

MARIA DO CARMO | EMPODERADAS | SP

Nascida com no ano da Revolução de 1932, Maria do Carmo construiu sua trajetória e revolucionou. A menina que aprendeu a ler e escrever sozinha, tornou-se mãe de Jader e reitera inúmeras vezes "meu filho é maravilhoso", foi professora, policial civil e é advogada. "Pode me chamar de doutora", ao se apresentar Maria do Carmo mostra não ter receio de ser quem é. Foi atuando como ativista comunitária, que Maria do Carmo se deparou com a perversidade com a qual a pele negra sempre foi tratada, e em resposta ao mercado de cosméticos que sempre tratou a pele negra com descaso e irresponsabilidade, Maria do Carmo criou a Muene, primeira marca de maquiagem dedicada exclusivamente à pele negra. A loja no meio da Galeria, no Centro de São Paulo, é um oásis para auto-estima. Ninguém sai de lá sem passar um batom e ser tratada com carinho.
Equipe Técnica:
Renata Martins Direção, Roteiro e Edição. 
Mariane Nunes (Nuna) Direção de Fotografia. 
Maitê Freitas Dir. Produção e Som Direto. 
Pamella Aleixo Produção
alile dara onawale Still

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Garcia Gam. (Liberdade)

Como a Igreja arruinou a vida sexual das Américas com pecado, culpa e preconceito

“Não existe pecado do lado de baixo do Equador”, escreveu o holandês Gaspar Barleu ao se deparar com a libidinagem no Recife do século 17.
Por Cynara Menezes, do SOCIALISTA MORENA
Não EXISTIA. A liberdade sexual dos primeiros moradores do Brasil seria logo substituída pela noção de transgressão, pelo pudor excessivo, pelas proibições e pelo preconceito –a homofobia, por exemplo, nascia ali. Em que contribuíram os europeus para a sexualidade das Américas além de nos apresentar à culpa?
Tudo o que era possível trazer para cá, em termos sexuais, já era conhecido entre os nativos: homossexualidade, bissexualidade, transexualidade, bigamia, poligamia. As posições também iam muito além do “papai-e-mamãe” no escuro e sob lençóis dos colonizadores: masturbação mútua, sexo anal, oral, grupal. Sexualmente falando, eram os indígenas os avançados e os homens brancos, os primitivos. Mas foi só chegar a igreja e pronto: a pretexto de civilizar-nos, destruíram milênios de conhecimento autóctone sobre a sexualidade.
As próprias narrativas dos primeiros cronistas são contaminadas pelo puritanismo da época. No México, Hernán Cortés escreveu: “fomos informados de que são todos sodomitas e usam aquele abominável pecado”. O tema da sexualidade, é claro, sofreu censura por parte dos colonizadores, e só recentemente historiadores e arqueólogos têm apresentado descobertas neste campo. Cortés estava bem informado: entre os maias, a homossexualidade era frequente, e uma espécie de rito de passagem da infância para a adolescência (como ocorre, aliás, com tantos homens e mulheres, de forma velada, em todos os tempos).
“Viam no prazer sexual um dom divino, equiparável ao alimento, à alegria, ao vigor vital e ao repouso cotidiano. Era questão de moderar o desfrute daquele presente, como se fazia com qualquer outro bem concedido pelos deuses”, escreveu o antropólogo Alfredo López Austin em um dos artigos da edição especial da revistaArqueologia Mexicana sobre sexualidade entre os maias, em 2010.
A masturbação ritual era praticada por muitos indígenas da América Central como uma maneira de fecundar a terra, considerada “feminina”. As carícias mútuas faziam parte do coito: o homem tocava as partes íntimas da mulher e a mulher tocava o homem. Moderno, não? Tem gente que não faz isso até hoje…
Tudo isso foi documentado em esculturas em pedra e cerâmica que ficaram escondidas, trancafiadas em salas de museu até a metade do século 20. Uma mostra de arte erótica pré-colombiana organizada no México em 1926 foi relegada a um salão secreto durante décadas. Em Uxmal e Chichen Itzá há esculturas dedicadas ao órgão sexual masculino, cujo significado ainda permanece um mistério. Supõe-se que os falos gigantescos simbolizavam a fertilidade e eram objeto de culto.



No Peru, só em 1957 foi aberta a sala onde ficavam escondidas as cerâmicas eróticas pré-colombianas do Museu Nacional de Antropologia. Veio a público então uma impressionante série de cerâmicas da cultura mochica, anterior aos incas, representando atos sexuais de forma explícita, em posições que fariam corar ainda hoje em dia algumas senhoras de Santana da renascida direita tupiniquim. Algumas delas podem ser apreciadas no Museu Larco, em Lima.
(Cerâmicas do museu Larco, em Lima: sexo oral…)

(…69…)
(…masturbação mútua – reparem na carinha deles -…)

 
(…e sexo anal)

 Na América protestante a repressão não foi diferente. Muito igualitária, a sociedade Cherokee dava às mulheres postos semelhantes aos dos homens; elas podiam integrar o conselho da tribo e ser guerreiras. O adultério era permitido a ambos os sexos, sem punição, assim como o divórcio: bastava a mulher colocar os pertences do homem para fora da casa.

Havia ainda os transgêneros, encontrados em mais de 150 tribos norte-americanas. Chamados de Two-Spirit (“dois espíritos”) ou “berdaches”, eram homens que gostavam de estar entre as mulheres, fazer as coisas que elas faziam e vestir-se como elas. Ou o contrário: mulheres que gostavam de se vestir como homens. Os primeiros relatos de colonizadores sobre os Two-Spirit aparecem já no século 16. O preconceito contra eles só vai surgir mais tarde, por influência do homem branco. A partir daí, eles passam a ser rejeitados por suas tribos e são marginalizados.
(We-Wa, uma “dois espíritos” do povo Zuni, do Novo México, EUA, em 1907. Foto: John K. Hillers)
  Na América católica, a “Santa” Inquisição foi convocada para reprimir sexualmente os nativos, coibindo “delitos” como a bigamia ou a sodomia, embora fossem práticas permitidas em algumas culturas indígenas. No México, conta-se do índio Ángel Porecu, de Michoacán, punido por bigamia com cem chibatadas. No Brasil, um projeto da Universidade Federal do Pará rastreou os casos de naturais da Amazônia, entre eles indígenas, enviados aos tribunais do “Santo” Ofício em Lisboa por “crimes” similares.


Foi o caso da índia Florência Perpétua, de 28 anos, acusada de bigamia em 1766, levada a Portugal e condenada à prisão, após a qual foi solta e admoestada a viver com o primeiro marido. A sodomia (prática de sexo anal) também era razão para julgamento e punição pela Inquisição, mas apenas a masculina. “A sodomia feminina não era alvo da Inquisição porque não havia o derramamento de sêmen, considerado pecado. A masculina era considerada bestialismo”, explica o historiador Antonio Otaviano Vieira Jr., coordenador do trabalho.
(Tribunal da Inquisição no México)

(Tribunal da Inquisição no México)
A ordem era vestir as índias, cobrir o que foi olhado com tanto espanto e deleite pelos primeiros exploradores. “Desde o início da colonização lutou-se contra a nudez e aquilo que ela simbolizava. Os padres jesuítas, por exemplo, mandavam buscar tecidos de algodão, em Portugal, para vestir as crianças indígenas que frequentavam suas escolas. ‘Mandem pano para que se vistam’, pedia padre Manuel da Nóbrega em carta a seus superiores”, escreve Mary del Priore no livroHistórias Íntimas. “Aos olhos dos colonizadores, a nudez do índio era semelhante à dos animais; afinal, como as bestas, ele não tinha vergonha ou pudor natural. Vesti-lo era afastá-lo do mal e do pecado. O corpo nu era concebido como foco de problemas duramente combatidos pela Igreja nesses tempos: a luxúria, a lascívia, os pecados da carne. Afinal, como se queixava padre Anchieta, as indígenas não se negavam a ninguém.”
Enquanto fora de casa o homem se divertia, dentro do casamento era um pudor só. “Até para ter relações sexuais as pessoas não se despiam. As mulheres levantavam as saias ou as camisas e os homens abaixavam as calças e ceroulas. Mesmo nos processos de sedução e defloramento que guardam nossos arquivos, vê-se que os amantes não tiravam a roupa durante o ato”, lembra Mary.
A sexualidade dos índios no Brasil é ainda hoje pouco estudada. Há alguns relatos de cronistas, como o de Gabriel Soares de Sousa entre os tupinambás, na calienteBahia do século 16. “São os tupinambás tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam”, escreve Gabriel no Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Segundo ele, os índios não só transavam muito como gostavam, homens e mulheres, de falar sobre sexo desavergonhadamente.
Havia homossexualidade e o adultério era permitido também às mulheres, que seduziam amigas para o leito conjugal. “As que querem bem aos maridos, pelos contentarem, buscam-lhes moças com que eles se desenfadem, as quais lhe levam à rede onde dormem, onde lhes pedem muito que se queira deitar com os maridos, e as peitam para isso; cousa que não faz nenhuma nação de gente, senão estes bárbaros”, constata, não sem uma pontinha de inveja, nosso cronista.
As mulheres mais velhas, por sua vez, “desestimadas dos homens”, tratavam de iniciar sexualmente os meninos: “ensinam-lhes a fazer o que eles não sabem”. E os insatisfeitos com o tamanho do membro nada de novo sob o sol“costumam pôr o pelo de um bicho tão peçonhento, que lho faz logo inchar, com o que têm grandes dores, mais de seis meses, que se lhe vão gastando por espaço de tempo; com o que se lhe faz o seu cano tão disforme de grosso que os não podem as mulheres esperar”.
“O esforço no sentido de fazer prosperar na colônia estrita monogamia teve que ser tremendo”, escreveu Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala. O pernambucano, que assumia com tranquilidade suas experiências homossexuais na juventude, prestou atenção nas práticas entre o mesmo sexo e na bissexualidade, que não eram incomuns entre os indígenas brasileiros e tampouco eram práticas condenadas. Pelo contrário, os homossexuais eram bem-vistos e tinham relevância na comunidade. Freyre supõe que a função de curandeiro das tribos, não só brasileiras como as demais do continente, fosse destinada aos gays. Também se afirma isso sobre os Two-Spirit, que seriam os xamãs da América do Norte.

(O Feiticeiro, gravura de John White, em 1585, na cidade indígena de Pomeiooc, atual Carolina do Norte, EUA)

“Quanto aos pajés, é provável que fossem daquele tipo de homens efeminados ou invertidos que a maior parte dos indígenas da América antes respeitavam e temiam do que desprezavam ou abominavam”, defende Freyre. “Uns, efeminados pela idade avançada, que tende a masculinizar certas mulheres e a efeminar certos homens; outros, talvez, por perversão congênita ou adquirida. A verdade é que para as mãos de indivíduos bissexuais ou bissexualizados pela idade resvalavam em geral os poderes e funções de místicos, de curandeiros, pajés, conselheiros, entre várias tribos americanas.”
Entrevistei o antropólogo Estevão Fernandes, professor da Universidade de Rondônia, que estuda a homossexualidade indígena.
Socialista Morena – Era frequente a homossexualidade entre os índios brasileiros? Ou depende da etnia?
Estevão Fernandes – Não apenas “era”, como é, algo normal. Um grande desafio no tocante aos indígenas homossexuais em várias terras indígenas do País é o de romperem com uma imagem que se tem, no Brasil, de que os povos indígenas sejam coletividades paradas no tempo. Isso faz com que indígenas cujas sexualidades não se enquadram no modelo hegemônico sejam vistos como “perdendo sua cultura” ou “gays por causa do contato com os brancos”, gerando preconceito, inclusive, em suas próprias aldeias –muitas vezes devido ao contato com os não-índios, com igrejas diversas, por meio da mídia. A perspectiva de que estas sexualidades eram abjetas chegou com a colonização, com a imposição de padrões ocidentais de sexo, gênero, família, pela necessidade do colonizador de se organizar o trabalho, o espaço e o tempo nas aldeias. Assim, os homens deveriam se vestir como homens, trabalhar onde os homens trabalham, ter nome de homem, e se comportar como os homens se comportam; idem com relação às mulheres. Os indígenas que não se enquadravam nesta perspectiva (r)estrita de dimorfismo sexual e heteronormatividade eram castigados –há relatos, por exemplo, de execuções, cortes de cabelo forçados, castigos físicos, etc., levados a cabo pelos colonizadores, não pelos indígenas. Neste sentido, a heteronormatividade e o preconceito são parte integrante da colonização, mas não das formas pelas quais os indígenas lidavam com essas práticas. Temos fontes que situam práticas queer entre povos indígenas no Brasil desde, pelo menos, meados do século XVI e em diversas etnias e povos indígenas do país, sem que houvesse qualquer tipo de preconceito ou exclusão destes indivíduos em suas aldeias.
– Só há relatos de homossexualidade masculina ou feminina também?
– Tanto uma quanto outra (ainda que as fontes sejam mais frequentes no tocante ao sexo entre homens, reflexo da perspectiva viricentrada e patriarcal quase sempre assumida pelos observadores).
– Gilberto Freyre propõe que muitos dos pajés eram homossexuais. Será verdade?
– No Brasil há poucos dados sobre isso, ainda que existam. Isto talvez explique a perseguição que os homo e bissexuais sofreram ao longo da colonização. Há vários relatos na literatura que nos permitem afirmar que havia (e talvez ainda haja), entre povos ameríndios, o ponto de vista que relaciona homo/bi/transexualidade ao potencial sagrado, como mostram os Two-Spirit nos Estados Unidos e Canadá. Também há o caso dxs Muxes, no México, que apontam não apenas para esse importante papel religioso, mas também político e social desempenhado por esses indivíduos.
– A sexualidade indígena é um assunto muito pouco estudado no Brasil. Por quê? Qual a principal dificuldade em pesquisar este campo?
– Ainda é, embora venham surgindo boas pesquisas a este respeito. Uma das hipóteses é, talvez, a própria resistência que algumas lideranças indígenas têm em tocar no assunto, por temerem o preconceito em relação às suas comunidades… Outra é a relativamente pouca penetração de ideias como as teorias queer na academia brasileira. Neste sentido, um grande desafio é trazer o queer para uma discussão mais próxima da etnologia indígena e da crítica às práticas coloniais, administrativas e políticas empregadas junto aos povos indígenas. Por outro lado, fico feliz em ver que alguns e algumas indígenas já se mobilizam em suas comunidades para pensar estas questões, inclusive trazendo estas reflexões para a própria academia –um exemplo é o texto Sexual Modernity in Amazonia, escrito em coautoria com uma indígena Tikuna, aluna da UFAM (Universidade Federal do Amazonas).
– Os relatos dos primeiros cronistas sobre sexualidade eram sempre permeados de julgamentos e preconceitos. Há alguma exceção? Algum cronista foi mais, digamos, permissivo?
– Até onde pude observar, não há exceções… Quase sempre o enquadramento a partir do qual a sexualidade indígena é vista reflete as perspectivas e preconceitos do observador… No tocante aos missionários e cronistas é ainda mais evidente como a sexualidade era vista, junto com a poligamia e a antropofagia, como prova da necessidade de se converter –quase sempre pelo uso do medo– os indígenas.
***
Talvez a própria imagem do indígena como “inocente” ou “assexuado” tenha sido útil à Igreja para disseminar suas teorias sobre céu e inferno. A analogia com Adão e Eva era perfeita: nus, no “Paraíso”, os “inocentes” foram tentados pela serpente do “pecado”. Era preciso fazê-los sentir-se mal em relação a algo natural e convertê-los à “fé”. E assim morria, no “descobrimento”, a genuína sexualidade das Américas. Mas o pecado, Barleu tinha razão, não está mesmo em nosso DNA.
FONTE:http://www.geledes.org.br/como-igreja-arruinou-vida-sexual-das-americas-com-pecado-culpa-e-preconceito/#ixzz4IIShAe00

Na saúde e na doença


Uma mulher negra vestida de branco num hospital da Zonal Sul carioca só pode ser acompanhante de alguma madame em tratamento



A cena corriqueira aconteceu no fim de uma manhã ensolarada da temporada olímpica da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, aquela que leva no nome o santo de devoção da inesquecível Simone Biles, quatro ouros, um bronze em solo carioca. [Perdoe, leitor, a digressão, mas está difícil me desapegar dos Jogos 2016.] A paciente negra dá entrada no hospital de classe média alta (eufemismo midiático para rico) para uma cirurgia eletiva. É levada ao quarto. Sentada na cama, vestida de branco, espera o médico, quando entra uma enfermeira.

“Bom dia! Ué... Dona Flávia já foi para o centro cirúrgico?”

— Eu sou a dona Flávia.

— Nossa! Está tão bem que nem parece que será operada. Vamos tirar a pressão?

Como são camuflados os caminhos do racismo à brasileira. De tão enraizado, o preconceito produziu associações rudimentares de classificação de biótipos. Uma mulher negra vestida de branco num hospital da Zonal Sul carioca só pode ser acompanhante de alguma madame em tratamento. Nos arquivos das correlações cerebrais, a pasta que poderia apontá-la como paciente segue lacrada. Há quatro séculos.

Passou da hora de explicar para certa gente nem tão bronzeada que a Lei Áurea completou 128 anos e, apesar do esforço de tantos para evitar, uma parcela estatisticamente nada desprezível dos negros brasileiros subiu degraus na pirâmide social. Estudou em boas escolas, terminou a faculdade, tem bons empregos e salário, compra em lojas sofisticadas e faz cirurgia nos melhores hospitais. É como canta o craque Moacyr Luz: “Estranhou o quê? Preto pode ter o mesmo que você”.

A persistência na imagem estereotipada, que só vê nos negros brasileiros o marginal ou o trabalhador de baixa renda e pouca escolaridade, leva à multiplicação de cenas constrangedoras, como a da colunista no hospital de elite. Mas nem todas podem ser retocadas com frases descabidas. Há um conjunto de atos e omissões que explicam o hiato entre indicadores de saúde de brancos e negros — por conseguinte, a vida daqueles, a morte destes.

“Não faltam pesquisas que relacionam mortalidades materna e neonatal ao tratamento desigual oferecido a mulheres brancas e negras. Se você é negra, jovem e solteira terá mais dificuldade para se internar na primeira maternidade a que recorrer na hora de parir. Mulheres negras recebem menos anestesia, porque se convencionou acreditar que são mais resistentes a dor. Não são. As estatísticas de morte no parto provam isso”, dispara Jurema Werneck, médica e fundadora da ONG Criola, de combate ao racismo e atenção à saúde da mulher negra.

Diretora do Hospital da Mulher Eloneida Studart, em São João de Meriti, Baixada Fluminense, Ana Teresa Derraik Barbosa cita resultado do inquérito da Fiocruz sobre nascimentos (o maior já feito no país, em 2012) em relação a consultas pré-natal. Entre as gestantes brancas, 80% tiveram seis ou mais atendimentos; pretas, 68%; pardas, 70%. “Uma em cada grupo de 1.100 mulheres brancas morrerá por gravidez, parto ou puerpério. Entre as negras, a proporção é de uma em 360. A desigualdade existe”, afirma.

Na Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População (2008), em que o IBGE consultou brasileiros de seis estados (Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Mato Grosso) sobre a influência da cor da pele no cotidiano, o atendimento à saúde está entre as sete áreas mencionadas. Lideraram o ranking do preconceito o mercado de trabalho (71% de citações) e as instituições jurídico-policiais (68,3%). Mas quatro em cada dez (44,1%) entrevistados afirmaram que a cor influencia na assistência médica. Nos que se autodeclaram negros, a proporção foi a 49%; entre as mulheres ficou em 46,6%, contra 41,4% dos homens.

Em 2011, causou espanto um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o perfil dos transplantados no país. De cada dez receptores de fígado, oito são brancos; pulmão, 77%; rim, 69%; coração, 56%. O acesso a remédios, exames e procedimentos pré-operatórios explica a assimetria no acesso aos transplantes de órgãos. “Quando funciona, quem se apropria do sistema são as pessoas mais bem posicionadas socialmente”, declarou à época o economista Alexandre Marinho, responsável pelo estudo.

A desigualdade racial no sistema médico-hospitalar é real, indisfarçável e precisa ser combatida. É capenga a democracia de um país que discrimina seus filhos no mais básico dos direitos fundamentais. O Artigo 5º da Constituição garante a todos os brasileiros o direito à vida. Saúde faz parte.



FONTE:http://oglobo.globo.com/cultura/na-saude-na-doenca-19989424

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

RAFAELA SILVA, Medalha de Ouro no Judô. Olimpíada Rio 2016

Mel Duarte

Movidas pela indignação e revolta que o machismo registra em nossos corpos todos os dias, Dani Nega, Renata Martins e Mel Duarte, convidaram uma legião mulheres de diversos segmentos artísticos para ampliar a voz na potente poesia "Verdade seja dita " de Mel Duarte. Nós dizemos não à cultura do estupro, ao racismo, ao machismo e ao feminicídio. Nem um, nem trinta e três. Nem um passo à trás.
Parceiras: Cibele Apples (edição), Débora Veneziani, Flavia Teixeira, Martinha Soares, Giuliana Maria, Daniella Barsoumian, Evelyn Cristina, Daniele Façanha, Luiza Romão, Angela Ribeiro, Daniela Barros, Maitê Freitas, Ana Sharp, Ana Paula Xongani, Klarah Lobato, Ivy Souza, Mirella Façanha, Paola Lappicy, Agnis Freitas, Karla Mariana Andrade Silva, Dandara Gomes, Rita Teles, Bárbara Esmenia, Neide Lopes, Suelen Moreira, Ruth Melchior, Fabi Ribeiro, Kakau Gusmão, Daniele Braga, Bruna, Evelyn Lima, Agnes Maria, Karimá Serene

terça-feira, 23 de agosto de 2016

AFROFUNK

"Era até gatinho, mas abriu a boca pra me chamar de morena, aí sabe como é né..brochei!!"
Qual Preta carioca nunca passou por isso?? Esse tipo de close erradíssimo que não somos obrigadas!! Quer agradar me chama de Negona! de Preta Perfeita!! de Uh é o Poder!! Mas não mete esse papinho anos 90, bebê!!
AfroFunk Rio se uniu com o bonde responsa da Melé - Núcleo de Produção Independente pra fazer o clip mais legal do ano,
a música de trabalho da tropa afrofunk que vem dando o recado das pretchacas!!! 
Não Me Chame de Morena!!
Afinal, Deus não nos fez essas Pretas Maravilhosas pra ficarem chamando a gente de morena né non!!

Então cola no bonde das Negonas! Pretas Poderosas!! Lacradoras em formação e confere do teaser do Clip!!
A tropa em breve vai lançar a campanha de financiamento coletivo pra ajudar no corre!! Então explana, fica a vontade pra disparar pra todos os lados!!

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

INAUGURAÇÃO DO COMITÊ LULA ROCHA

As greves escravas, entre silêncios e esquecimentos

Grupo de escravos “ao ganho”, na Bahia. Eram negros que não moravam
com o senhor, nem estavam sujeitos a feitor. Executavam pequenos
trabalhos urbanos e ganhavam por isso. Obrigavam-se a pagar féria
diária a seus proprietários, sob pena de castigos
No Brasil do século XIX, antes dos imigrantes, negros e trabalhadores livres já faziam “paredes”, paralisações por melhores condições de vida e trabalho
Dia ensolarado. O italiano Pascoal se aproxima do brasileiro Justino. Apelidado de “missionário”, o italiano usava um desses chapeletes de militante socialista. Com uma pá na mão, o operário — um negro — fez uma pausa no batente para olhar Pascoal nos olhos, ouvindo-o atento. Gesticulando com as mãos, compensando o sotaque carregado, o italiano viera atear fogo: criticou salários, incitou todos a largarem o serviço e a fazer a revolução. “Você, seu Pascoal” — argumentou Justino (também com seu sotaque próprio) — “está perdendo seu tempo. Eu não compreendo a língua estrangeira”.
Tal como na charge de J. Carlos (publicada na revista Careta em 1917), imprensa, novelas e textos didáticos divulgaram para o grande público essa — fictícia — figura do italiano anarquista. Celebravam o mito do imigrante radical, uma fantasia em parte utópica e preconceituosa. Utópica porque os trabalhadores europeus não eram em sua maioria rebeldes nem se sentiam italianos. Ou seja, nem sempre eram anarquistas e tampouco se declaravam italianos. Na verdade, uma grande parte era de origem rural, não era composta de artesãos radicais ou trabalhadores de fábrica. Esses imigrantes não traziam consigo, em segundo lugar, uma maciça experiência de envolvimentos com partidos, greves e sindicatos. Havia, em acréscimo, divisões étnicas entre os imigrantes. Consequentemente, a desconcertante conclusão de Michael Hall é a de o nascente operariado industrial de São Paulo de origem imigrante ter contribuído para manter a classe operária em situação relativamente fraca e desorganizada. Muitos abraçavam identidades étnicas antes de mais nada, pois lhes assegurava um senso imediato de comunidade. Outros eram católicos e conservadores. Também aceitaram serviços cuja remuneração os brasileiros recusavam.

O mito do imigrante radical é também um preconceito porque, entre silêncios e esquecimentos, impede que o trabalhador local (a começar pelo escravo) apareça como protagonista das lutas operárias. Figuras como a de Justino, que aparece trabalhando mas é pintado como alheio à pregação inflamada do italiano radical, personificaram o anti-herói conformista. Enquanto que Pascoal desembarca pronto para lutar, o operariado formado em solo brasileiro deve, nessa ótica, ou aceitar a liderança do imigrante ou ficar de fora; quase um fura-greve. Deste modo, as imagens do trabalhador estrangeiro, branco, anarquista e rebelde, assim como a do trabalhador brasileiro longe das lutas, não passam de uma representação caricata do operariado do início do século XX.
Além disso, de acordo com esse mito do imigrante radical, a paralisação coletiva do trabalho seria algo tão inédito no Brasil que sequer haveria um termo disponível na língua portuguesa para nomear o fenômeno. Na falta dessa palavra, éramos obrigados a tomar de empréstimo aos franceses a palavra grève! No entanto, a paralisação do trabalho como forma de protesto e barganha foi sempre uma consequência tão espontânea e lógica da experiência dos trabalhadores que boa parte das línguas europeias possui uma palavra própria para designar o fenômeno. Assim, ingleses fazem strike. Já os espanhóis entram em huelga, enquanto que italianos, quando param o serviço, estão em sciopero. No Brasil do século XIX, as primeiras formas de suspensão coletiva das atividades ficaram conhecidas como paredes. Sem essa, portanto, de um Pascoal rebelde e um Justino que não fala o idioma da luta operária. Para nós, a emergência da classe trabalhadora não pode estar vinculada apenas à imigração.
Quando afinal surgiram as greves no Brasil?
Há quem tenha indicado que a greve dos tipógrafos de 1858 foi a primeira greve do Rio de Janeiro. Será? Sabemos hoje que, um ano antes, os trabalhadores escravizados pertencentes ao Visconde de Mauá pararam o serviço da fábrica da Ponta d’Areia. Esta era um dos maiores estabelecimentos da cidade, com cerca de 10 oficinas e 600 operários, sendo 150 deles escravos. Contudo, apesar de noticiada na imprensa, não existem maiores informações sobre as reivindicações dos escravos.
Era comum haver cativos e livres no mesmo espaço de trabalho. Dos operários registrados nas manufaturas do Rio de Janeiro entre os anos de 1840 a 1850 — em particular nas fábricas de vidro, papel, sabão, couros, chapéus e têxteis —, 45% eram escravos. Além disso, o recenseamento de 1872 apontou que, no Rio de Janeiro, havia mais de 2 mil cativos empregados como trabalhadores em pequenas fábricas.
São várias as evidências de paralisações feitas por escravos. No final da década de 1820, cativos, africanos livres e outros trabalhadores pararam a Fábrica de Pólvora Ipanema, controlada pela monarquia. Reivindicavam melhorias nas condições de trabalho, incluindo diárias e dieta alimentar. No Rio de Janeiro, em abril de 1833, um levante numa caldeiraria trouxe apreensão quando os escravos enfrentaram a força policial, sucedendo tiros e mortes.
Em 1854, Joaquim da Rocha Paiva foi testemunha e vítima da ação coletiva dos seus escravos. Tudo aconteceu na terça-feira, 5 de setembro. Foi na Fábrica de Velas e Sabão, sua propriedade na Gamboa. Um grupo de escravos “armados de achas de lenhas e facas” paralisou as atividades e reivindicou sua imediata venda para outro senhor. A decisão deles — ao que parece — não tinha motivo declarado. Há informações de que Rocha Paiva tentou negociar, propondo discutir o assunto no dia seguinte, enquanto alegava ser tarde da noite. Crioulos e africanos, na sua resposta, dirigiram-se ao proprietário “em tom alto”. Esclareceram “que não queriam esperar por que aquilo era negócio de ser decidido logo”. A decisão final do proprietário apareceu não num acordo, mas sim na rápida repressão policial de quase cem homens, que assustou os moradores da Corte, e chamou a atenção da imprensa. Chegando a força policial à fábrica, os escravos se entregaram às autoridades sem opor resistência. Talvez julgassem que, sendo presos, ficariam todos juntos, afastados daquela fábrica por algum tempo e depois poderiam ser vendidos, como desejavam.
Em 1858, na rua da Saúde, um outro grupo de escravos que trabalhava num armazém de café se insurgiu contra seu proprietário, Manuel Ferreira Guimarães. Igualmente, paralisaram o trabalho e se fizeram ouvir: neste caso, não queriam ser vendidos. Sabedores das dificuldades financeiras de seu senhor com o armazém, os escravos não concordavam em ser vendidos, talvez prevendo que seu destino poderia ser as fazendas de café no interior da província. Experientes no trabalho urbano, rejeitavam a venda para as áreas rurais. Permanecer na cidade poderia significar não simplesmente ficar longe dos cafezais, mas manter arranjos familiares e laços de amizade. Queriam permanecer juntos. Por causa disso o armazém parou. Como resultado, os escravos sofreram represália imediata: foram levados para a Casa de Detenção.
Quando deixamos de lado a grève e mito do imigrante radical e nos dedicamos, em seguida, à pesquisa, encontramos paredes feitas por trabalhadores escravos ou trabalhadores livres nascidos e crescido em solo nativo. Desse modo alargamos nossa visão e percebemos outras formas de protesto dos trabalhadores. Antes da grève, a parede dos escravos conseguia pressionar por melhores condições enquanto suspendia, temporariamente, os serviços; negociando também o retorno ao trabalho. Por isso mesmo, algumas fugas — inclusive as escapulidas curtas e individuais — eram eficazes como forma de negociação entre senhores e escravos. Aqui e ali, sumindo pelas falhas do sistema, mas deixando suas pistas em anúncios de jornal pagos por senhores que reclamavam o seu retorno, os cativos fugiam. Em tais anúncios havia informações, que eram fornecidas pelos senhores, sobre a identidade e os costumes dos escravos em fuga (sinais e marcas específicas, os seus hábitos, possíveis paradeiros). Revela-se, assim, a mútua percepção de poderes, deveres e estratégias, senhoriais e escravas, de controle e protesto. Quando calculavam que era hora de parar de trabalhar, os escravos fugiam.
Eram, às vezes, escapadas que duravam dias, ou um final de semana. Mesmo provisórias, eram cheias de tensões, castigos, concessões e riscos (para senhores e escravos). Era comum proprietários esperarem alguns dias para anunciar fugidos ou contratar capitães do mato. Tempo suficiente para que alguns fujões voltassem apadrinhados por senhores influentes e vizinhos de seus sinhôs. A um padrinho cabia interceder invocando generosidade e tolerância. Se possível, o escravo ganhava o que desejava: uma melhoria nas condições do cativeiro. No mínimo, o escravo que regressava queria evitar castigos ou vinganças. Políticas dos senhores e políticas dos escravos acabam assim redefinidas: uma relação até pouco tempo atrás bem pouco conhecida.
Episódios aparentemente sem maior expressão como fugas temporárias, bebedeiras, desordens, ofensas físicas talvez escondam aspectos decisivos da cultura escrava, guardando expectativas relacionadas ao ritmo do trabalho, ao controle senhorial, à disciplina e ao lazer. Em épocas que antecediam as festas religiosas, aumentava a incidência das fugas. No emaranhado da polêmica definição sobre a criminalidade escrava, podemos ver a gestação de uma identidade grupal coletiva. Numa amostra de cativos recolhidos na Casa de Detenção em 1863, podemos verificar, entre suas motivações, a prisão tanto “a pedido” quanto por “insubordinar-se”, ou mesmo “queixar-se”. Estamos, talvez, diante da formação de uma cultura de classe urbana entre os escravos, haja vista o alto número de cativos domésticos, cozinheiros, lavadeiras etc. Podiam ser cativos que se insurgiam, no âmbito doméstico, contra seus senhores (e assim eram remetidos à Detenção). Mas também podiam ser cativos que procuravam as autoridades policiais para defender o costume de alguma relação de trabalho, que consideravam desrespeitado. A lavadeira crioula Ludovina, por exemplo, procurou as autoridades policiais três vezes no mesmo ano. No registro prisional feito, está marcado seu crime: “queixar-se”.
Reclamar, no caso de Ludovina, poderia ser a tentativa de protestar contra o seu senhor ou seus clientes. Isto era crucial, em particular no caso de escravos urbanos, muitos dos quais “ao ganho”, isto é, aqueles que, por si mesmos, alocavam os seus serviços no mercado. E recebiam por isso, transferindo uma parte de seu ganho ao senhor, que nada fazia. Eram os carregadores, as quitandeiras e os vendedores ambulantes. Depois de trabalhar, tinham de dar ao seu senhor uma parte de seus ganhos. Entre aqueles presos por “queixar-se” (certamente acusados de insolentes), temos um grande número de mulheres lavadeiras.
Incluindo africanos, índios, brasileiros e imigrantes, juntar as experiências de trabalhadores livres e escravos é o melhor caminho para contornar preconceitos. Podemos chamá-las de invenção da liberdade, num mundo marcado pela escravidão.
Greve negra
Com certeza, os motivos das queixas, protesto e negociação dos escravos iam além do ambiente e da lida domésticos. Estudando revoltas e movimentos sociais em Salvador, João Reis revelou uma greve de carregadores em 1857. Em resposta a mudanças legais que interferiram nas relações entre senhor e escravo e na forma de organização do trabalho, o que estava em jogo era uma intensa disputa com o poder público: o controle das práticas e costumes do trabalho urbano de escravos e libertos ao longo do século XIX pela administração municipal. Não por acaso, João Reis a chamou de “greve negra”. Centenas de africanos “ao ganho” — a maior parte africanos ocidentais: os “nagôs” — paralisaram por duas semanas o porto e o setor de abastecimento e transporte. Lutavam não por salários nem pelo fim de castigos.
Opunham-se a uma legislação que visava controlar sua lida, com dispositivos que interferiam na organização de seus espaços de trabalho — os cantos. Os grevistas se opunham à determinação da Câmara Municipal que exigia o uso de chapas de identificação individual. Estas, com certeza, foram vistas como mais uma estratégia de controle sobre seus costumes, seus valores, suas vidas, seu trabalho. Foram duas semanas de tensões e expectativas, com os senhores inclusive divididos. Amplamente acompanhada pela imprensa, a parede foi marcada pelo recuo das autoridades (2).
Protagonistas na luta de trabalhadores
Se havia greves antes da chegada dos imigrantes, também não foram um fenômeno urbano apenas. Na verdade, não só houve paralisações na área rural como também podiam dar continuidade a lutas anteriores, que prosseguiam sob novas formas — e em novas condições — sem para isso depender da militância de imigrantes europeus.
Em Pernambuco (em 1919), mesmo submetidos à mais aguda exploração, os trabalhadores da zona açucareira sustentaram uma greve maciça. Ainda que não existam referências às suas identidades, eram descendentes de escravos e libertos, mestiços e negros. Sobre essa corajosa iniciativa, o jornal Clarté publicou a notícia “O trabalhador agrícola em Pernambuco”. Nesta, afirmou que, embora detratado como indolente e estúpido, o trabalhador rural era “o primeiro fator das fortunas dos usineiros”. A greve mostrou a força desses trabalhadores sofridos e humilhados. Trabalhavam em farrapos, tinham dívidas com o armazém dos engenhos, sua dieta alimentar era pobre e praticamente não recebiam assistência dos poderes públicos. Queriam jornada de oito horas de trabalho, aumento salarial, reconhecimento sindical e fim de punições. Os usineiros fecharam suas associações à mão armada (3).
Fica claro assim que nem só de italianos viveram as primeiras lutas operárias do Brasil. Os negros vieram, antes de mais nada, para trabalhar e podiam possuir ou adquirir ofício. Eram vitais em seu local de trabalho, no campo ou na cidade. Sua rebeldia, igualmente, era crucial para mobilizações e protestos da classe trabalhadora. Além das manifestações culturais pelas quais são conhecidos (como a arte e a religiosidade), os trabalhadores negros e seus descendentes protagonizaram experiências de greve que, felizmente, são cada vez mais reveladas pela pesquisa histórica.
Referências bibliográficas
1. Hall, M. “Immigration and the early São Paulo working class”. In:Jahrbuch für geschichte von staat, wirtschaft und gesellschaft Lateinamerikas, 12, 1975.
2. Reis, J. “A greve negra de 1857 na Bahia”. In: Revista USP, 18, 1993.
3. Arquivo Edgard Leuenroth. “O trabalhador agrícola em Pernambuco”. In: Clarté, 1, 1921, p. 21-23. Esta matéria encontra-se transcrita no livro de Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro, A classe operária no Brasil. Vol. 2. São Paulo, Brasiliense, 1981.

Bibliografia consultada
Castellucci, A. Industriais e operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921). Salvador, Fieb, 2004.
Gomes, F. dos S. Histórias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.
Mattos, M. B. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2008.
Negro, A. L.; Gomes, F. dos S. “Além de senzalas e fábricas: uma história social do trabalho”. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, 18, 1, 2006.
Negro, A. L. “Rodando a baiana e interrogando um princípio básico do comunismo e da história social: o sentido marxista tradicional de classe operária”. In: Revista Crítica Histórica, 5, 2012.
Hall, M. “Entre a etnicidade e a classe em São Paulo”. In: Carneiro, M. L. T.; Croci, F. (Org.). História do trabalho e histórias da imigração. Trabalhadores italianos e sindicatos no Brasil (séculos XIX e XX). São Paulo, Edusp, 2010.

FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/12581/as-greves-escravas-entre-silencios-e-esquecimentos