quinta-feira, 27 de março de 2014

SER NEGRO NO BRASIL HOJE, BRASIL MODERNO, COMPETITIVO, DESENVOLVIDO E CONTEMPORÂNEO.

Marcelo Silles
Assistente Social com Bacharel da Universidade Federal Fluminense-Campos/RJ & Rapper

Agência Banestes bairro Campo Grande, Cariacica-ES. Ano 2007, mês outubro. Não lembro o dia, mas lembro bem dos primeiros nomes de minhas educandas Milena e Natália, na época as duas com 17 anos, uma negra e a outra morena. Era por volta de umas 10h, como as atividades haviam cessado cedo, na verdade foi apenas uma reunião no CRAS do bairro Padre Gabriel, resolvi ir a agência Banestes de Campo Grande para resolver assuntos relacionados à minha conta corrente. As meninas tinham que está em um estabelecimento no mesmo bairro e pediram para ir comigo, me acompanhar. Então fomos.

Chegamos cedo à agência e ficamos na fila como os outros clientes do banco. Quando abriu no horário de 10h, mediante a entrada das pessoas ao recinto e o constrangimento constante da porta-giratória, na minha vez fui barrado pelos seguranças que exigiam que eu colocasse o celular no compartimento a qual é designado junto com a bolsa e que eu levantasse a blusa. Prontamente neguei, pelos seguintes motivos: haviam passado, lembro-me bem com certeza onze pessoas a minha frente todas brancas e todas, disse todas portando celulares e bolsas, porque somente eu tinha que ser o revistado, o suspeito?

Após a minha negação pedi que as meninas ligassem suas câmeras e começassem a filmar. Dirigi-me aos seguranças e disse o seguinte: entraram na minha frente onze pessoas, todas com celulares e bolsas, todas brancas e nenhuma delas foi abordada em momento algum para tirar celulares e bolsas. Atrás de mim tem esse monte de gente querendo entrar inclusive muitos brancos e brancas. O barulho é o seguinte, eu posso até atender a solicitação dos senhores, mas só depois que as onze pessoas brancas retornem para o lado de fora e façam o mesmo inclusive as que estão atrás de mim também todos terão que passar pelo mesmo procedimento, depois de todo ocorrido aí sim realizarei o pedido informal dos senhores. Agora, caso não ocorra e continue essa persuasão e ameaça, tomarei as medidas cabíveis e farei um B.O.  acusando os senhores e a agência por racismo e entrarei com pedido de danos morais pelos constrangimento que estou passando em público.

Nisso veio o gerente para saber o que estava acontecendo pelo tumulto formado na porta-giratória. Relatei novamente tudo inclusive as minhas condições para atender ao pedido dos senhores seguranças. O gerente liberou a porta pra geral, pediu-me desculpas e não fiz o que os seguranças mandaram. As minhas educandas ficaram impressionadas. A multidão ficou titubeante e de boca-aberta, a maioria a meu favor. Sou um preto atrevido ainda mais quando consta dos meus deveres mais do que minhas obrigações.

Diante da presença maciça de atenuantes e agravantes epiteliais por parte da intimidação dos seguranças, que seguem a égide rígida comportamental que é manter marginalizados os já marginalizados cautelarmente como forma de garantia de acesso irrestrito das pessoas de “bem” de cor branca seguindo a cartilha de Nina Rodrigues, a sociedade que se diz do “bem” se revolta calada na mordomia do seu lar, do seu silêncio, da sua indignação pacata em agir conforme manda o roteiro cordial da democracia.

A culpabilidade da cor está evidenciada, ante a reprovabilidade da conduta do negro no meio social. Os antecedentes não lhes são favoráveis, as circunstâncias pesam em desfavor do negro diante de situações como esta vivida por mim. Para o negro não há dosimetria da pena, não há suavilidade e sim severidade nos olhares de repúdio, condenação e racismo. No que tange aos amigos e defensores dos negros, mas que não querem sonhar a guerra compete apenas à lamentação do porquê de alguns monstruosos racistas estarem à solta por aí, mas aceitam conviver com eles amorosamente. Mas eu não, pois para preto não existe o privilégio non bis in idem.

Esta semana revivi essa situação mediante dois fatos, o da minha colega Nina Silva e a da senhora Cláudia Ferreira arrastada covardemente por PM´s do Rio de Janeiro. Baleada Cláudia foi jogada dentro da caçamba de uma viatura como se fosse um animal não uma pessoa, cidadã, um ser humano. Ali podia ser ver nitidamente toda a violência praticada contra a dignidade humana, ali os direitos de cidadã foram reduzidos a relés coisa alguma dignidade violentada simplesmente por ser preta e pobre. Cláudia Ferreira, 34 anos, faxineira mãe de quatro filhos e cuidava de mais quatro sobrinhos, entra para o rol triste das estatísticas do genocídio do povo preto.

Nina Silva, nome Marina Silva, foi barrada impedida de entrar na agência Itaú Personnalité na cidade do Rio de Janeiro. Os seguranças mandaram que ela retirasse todos os pertences da bolsa para averiguação e colocasse os mesmos, de metais, no compartimento apropriado. Detalhe que havia entrado duas clientes brancas que não passaram pelo mesmo procedimento portando bolsa e objetos de metais. Crime de Nina, ser negra e está num ambiente no qual para os seguranças não era o dela, Nina burlou a regra branca redigida para os negros de “ponha-se no seu lugar.”


Nina Silva, Claudia Ferreira e eu concorremos para o mesmo, único e eterno crime tipificado, nascemos pretos. Para os olhos de muitos em massa ainda somos cidadãos de segunda-classe, inferiores sujeitos a chacotas, brincadeiras sem graça com a nossa cor, condição, cabelo etc. O engraçado é que se nós pretos começarmos a postar fotos zombando de brancos, de criancinhas brancas, como os racistas fazem por aí com negros e criancinhas negras e os não racistas também adoram, seremos chamados e tachados de racistas e oprimidos querendo ser opressores.



Ser negro no Brasil hoje é ser como negro antigamente, receber sempre não para o moderno, não para o competitivo, não para o desenvolvimento, não para a contemporaneidade. Ser negro hoje no Brasil significa ainda carrega os estigmas e marcas da escravidão, é ter que lutar sempre para fazer valer o que nós é garantido por lei, mas sempre é negado.


Carolina Maria de Jesus canta - Rádio Batuta


O sucesso de Quarto de despejo, o livro, motivou Quarto de despejo, o disco. A mineira Carolina Maria de Jesus, catadora de papel que se tornou escritora, gravou em 1961, um ano depois de seu best-seller, músicas que ela mesmo compôs. O raro LP pertence ao Acervo José Ramos Tinhorão, sob a guarda do IMS. Em homenagem ao centenário de Carolina Maria de Jesus, que se completa neste 14 de março, a Batuta apresenta as 12 faixas. Para ouvi-las, basta clicar aqui e em seus títulos, ao lado.

FONTE:http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/563

MR. JUNIOR, o senhor dos pequenos rapper´s.

Rap/Hip Hop de campos dos Goytacazes-RJ