segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A COR DA OPRESSÃO. UM NEGRO QUE SE CONSIDERA PRETO, INCOMODA MUITA GENTE.

MARCELO SILLES
ASSISTENTE SOCIAL COM BACHAREL DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE-RJ & RAPPER.

CONTOS DO SILLES!

Estava eu num belo dia passeando no shopping. Adentrado ao recinto, vislumbrando o ambiente de requinte e crueldade econômica, estava eu maravilhado com tamanhas promoções objetos que enchem os olhos de qualquer cidadão de pouco poder econômico e tem que contar cédula por cédula, moeda por moeda o quanto pode gastar nesta selva climatizada, um dos símbolos do materialismo reverberizado. Esse é o ritual ordinário de quem tem pouco money no bolso.

Um preto num shopping de luxo, com vestimentas adereçadamente simples e sandálias de dez reais chama muita atenção, principalmente dos seguranças. Olhares brancos enojados de descendências nórdicas, hispânicas, ítalas, lusitanas, germânicas, anglicanas dirigiam-se a mim sempre com despeitos loucos e furiosos para deslancharem o seu racismo. Ou melhor, a matilha branca, dava para ser ler a mente, lamentava-se que em solo brasileiro é proibido o linchamento de pretos e pretas. Dava para ver as presas sedentas pela minha carne preta. Os seguranças jabuticabas, leais capitães-do-mato do sistema opressor, espreitavam-me, seguiam-me astuciosamente com as mãos coçando doidos para verem o vacilo do neguim. Incomodados jabuticabas sussurravam entre si, “o que esse neguim com esses panos e chinelo de dedo ta fazendo aqui?”.  Os jabuticabas incomodados, não admitiam o neguim, eu, com adereços e vestimentas simples, num shopping de luxo e querendo adquirir de forma honesta e legal algum produto do sistema mercantilista escravista exploratório materialista. Vai vendo.

Em certo momento, deparei-me com uma senhora branca, aparentava ter entre 25 e 30 anos, de traços bem eurocêntricos, europeizada mesmo, opa europisada. O incomodo pela minha presença e dos demais negritos no recinto dito do “bem” e requintado, causava nojo e exalava preconceitos e racismos. Dava para sentir o odor exalando de seus poros e de sua boca fétida e podre, pois o racismo e preconceito fedem de longe. E eu que havia pensado que o Vaticano já havia canonizado ou beatificado a Santa Miscigenação. Na vinda para o shopping pensei ter visto uma igreja com o nome de Santa Raça Miscigenada. Pode ter sido algum engano.

Bom voltando ao episódio referido em questão, a senhora lusitana-celta-germânica-saxã-ítala-hispãnica-açoriana-prussiana-anglicana-nórdica e sei mais lá o quê das descendências europisadas, veio de encontro a mim num esbarrão. Eu estava próximo de um dos pilares de sustentação do shopping e o salão era enorme, gigante com bastante espaço de transitação, mas a elemento teve que vir em minha direção provocando assim o acidente. Às vezes penso que foi apenas um motivo aparente para a mesma destilar todo o seu sentimento venenoso sobre a minha presença naquele lugar de prestígio, selecto, requintado. A senhora europisada, não demorou e despejou através de verberes preconceituosos berradamente todo o seu ódio racista pelos pretos, pelos não brancos. Ora coitada, a terra nativa dela, estava sendo invadida por um alienígena, eu.   

Muitos transeuntes que passavam no momento escutaram os xingamentos racistas, o ódio impetrado contra a minha pessoa preta, mas todos observavam com total naturalidade como se fosse algo comum ofender um preto, até mesmo os jabuticabas máscaras e peles brancas não esboçaram nenhuma reação. Hum, brasileiros.

Então no momento revidei, comecei a praticar a lei de talião olho por olho dente por dente, destilei também as minhas ofensas a chamei de branquela e muitos outros adjetivos. Aí surgiu-se o espanto do público em geral, todos olharam para mim horrorizados, a senhora europisada começou a chamar-me de racista, preconceituoso e junta a ela no coro os demais indivíduos do “bem” latiam incansavelmente ‘racista, racista...cadeia’. Mas ué péraí, se ela me ofendeu primeiro aguentei calado, ninguém fez nada assistiam de camarote, quando parto para a minha defesa eu sou o racista? Encarcerado.

Perguntei ao delegado porque havia sido preso e ele respondeu: racismo. Oiiiiiii...... desde de quando preto comete racismo? --- Mas senhor delegado foi à senhora que me ofendeu primeiro com dizeres racistas e xenófobos, pela minha cor de pele e minha ancestralidade africana, havia indivíduos no momento vários, são testemunhas oculares, pergunte-os se não é verdade, se não procede o meu depoimento? Racista é ela.

E o delegado prontamente respondeu-me: --- sim já averiguamos com várias testemunhas que transitavam no momento do ocorrido crime, inclusive pessoas negras, sim confirmam que a senhora levantastes a voz para o senhor primeiro. Também confirmaram que a mesma havia chamado o senhor por adjetivos que não são esporádicos e estigmas estereótipos que são comuns de se dizerem aos negros, há pessoas da sua cor, portanto frases tradicionais do cotidiano não podem ser consideradas racistas. No entanto o senhor levantastes a vós para essa senhora a insultando por conta de sua cor de pele branca e outros adjetivos típicos de bárbaros e ofendendo a sua integridade moral de sua descendência européia, isso é racismo com penalização grave de acordo com a nossa santa e imaculada Constituição Federal de 1988, que foi promulgada e criada para proteger os cidadãos de “bem nativos”, de descendência clara que descobriram e povoaram essas terras virgens trazendo a civilização e o progresso.

De minha humilde cela escutava os gritos e berros dos elementos que estavam no momento do ocorrido crime contra a minha pessoa, gritavam pela minha condenação entoavam em alto e bom tom ‘racista, racista, racista... prisão perpétua’. Oh glória, isso tudo pelo simples motivo d’eu ser preto e exaltar a minha identidade e ancestralidade? A senhora europisada derramava lágrimas de emoção por me ver atrás das grades, me enxotava e dizia que eu pegaria prisão perpétua por ter ofendido a sua cor que é a única abençoada por Deus e de seus ancestrais civilizados europisados. Dirigiu-se ao delegado dizendo: --- o senhor delegado tem que manter esse negrim encarcerado, é um perigo para a sociedade imagine só um negrim querendo ser ascender socialmente e economicamente imagine se essas idéias comecem a contaminar os outros, ficaremos sem serviçais e o pior teremos que dividir os nossos espaços.

Oiiiiiiii... parem a Terra que eu quero descer! Quer dizer então que é legitimo e sacralizado ofender o preto, no entanto é crime ofender um branco em legitima defesa? Óh sim como senti-me ‘una persona non grata’ no exato momento. Fui afrontado em meus direitos, levianamente apontado como um estrangeiro indesejado que simplesmente invadiu um território de cativos do “bem”.

Em suma finalização, tiro pela culatra para os racistas, o neguim é réu primário o que valeu-me a liberdade, vinda de um esporro ainda, ‘vá e não ofenda mais’, valei-me minha santa senhora da inquisição quanta bondade, acho que faltei as aulas na escola que explicavam que os pretos foram os opressores e os brancos foram os oprimidos. Alguém por gentileza tem como me enviar o material que conte essa história fatídica?

Em verdade, em verdade vos digo a verdade sempre será tratada como algo nocivo a sociedade, o normal e correto é neguim servir e abaixar a cabeça, se neguim se levantar é criminoso, racista, reacionário, preconceituoso e tudo mais. Como se diz ‘pra preto tudo pode, mas para o preto nem tudo é permitido’.

Salve, salve “Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon” uiiiii um palavrão grande, e salve, salve “Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon”, cruzes mais um palavrão desse tamanho fica até difícil de xingar, patrono e matrona reais de nossa amada pátria europisada, bem pisada Brasil. Amém.