sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O contemporâneo globalizado contrapondo o folclore

Bacharel em Serviço Social pela 
Universidade Federal Fluminense-UFF/Campos-RJ
O nicho de algumas antiguidades mesclada ao asco da nostalgia faz-se repensar a intencionalidade e a apropriação do antigo como forma de resgatar um abastado campo social, com um poder econômico altivo de representatividade seletiva. A que ponto o imaterial popular ao associar-se aos rompantes detentores do poder perde a sua essência e identidade?
A epígrafe apresentada nos convida a uma reflexão acintosa acerca dos cárceres culturais-populares e os seus resgates por mãos muitas vezes longe de seus habitat. A posteridade do conhecimento radica-se em seu griot nas culturas afro-diásporas, por exemplo, e se essa posteridade sofre uma metamorfose através de outros elementos que não a compunham racialmente, o resultado desse resgate é permanecer inexpressivo mais folclórico a manifestação do ser e o seu controle para que não se crie uma ruptura com o passado afim de que seus verdadeiros donos não se atrevam a ascender como cidadãos nessa sociedade.
O mote denuncia o propagandeamento da folclorização das massas populares, em detrimento de resposta a contemporaneidade e globalização dos sentimentos políticos e consciência dos mesmos. O que isso significa? Enquanto as culturas populares em seu resgate e valorização não se alçarem em debandar para outros campos sociais de conscientização, politização e movimento elas merecem todo o apoio e aparelhamento aquartelado das classes abastadas que indicam um norte para que as mesmas periodizem somente a cultura como diversão, entretenimento de um grupo de classe e cor que representam uma classe dominante.
 Desvelar as culturas populares, não podemos nos tergiversar na ignorância de acharmos que estamos sendo beneficiados pelos rompantes nostálgicos representantes da classe dominante, e trazê-la para um debate de inserção e contrapondo a cultura da classe dominante que sempre quis e quer nos docilizar através de nossas próprias culturas é o real propósito. Trata-se de uma catarse significativa em relação à destruição dos membros imposta pelo opressor.
A contemporaneidade fez reacender antigas feridas descentralizou idéias e mitos populares e apresentou a democracia como realmente ela é democraticamente-ditatorial-excludente. A globalização expandiu o espaço, diminuiu distância entre povos e conhecimentos e foi paradoxalmente a válvula de escape para as conscientizações e surgimentos das democracias.  Nesses meios de surgimentos de conscientização e conhecimento, que surge o debate de, até que ponto as culturas populares deixam de serem identitárias, promovedora da inserção e conscientização social para se tornarem folclóricas e produtos de entretenimento de controle das grandes massas?
A contemporaneidade junto à globalização trouxe novos elementos que despertaram o senso critico e a criticidade automotora de grupos oprimidos que antes apenas celebravam suas festas e costumes, mas que não percebiam a sua real valorização no cerne da sociedade envolto de seus projetos enquanto cidadãos detentores de direitos sociais e econômicos. Junto a tantos elementos vem a responsabilidade de se manter sempre viva a cultura que celebra a ancestralidade e identidade de um grupo, de um povo, fazer com que a mesma seja o âmago de gerações vindouras e contribua para a formação de cidadãos de bem e consciente de seu valor na sociedade e na detenção de seus direitos é uma das grandes responsabilidades. O folclore é lindo, mas deixa de ser lindo quando o mesmo passa a servir apenas de espetacularização e divertimento para um controle de massas. Celebremos mas que não percamos a essência.



quinta-feira, 27 de novembro de 2014

CONSCIÊNCIA HUMANA, UMA CONSCIÊNCIA SEM CONSCIÊNCIA. Texto de Marcelo Silles

Bacharel em Serviço Social pela 
Universidade Federal Fluminense-UFF/Campos-RJ
Em tese, a consciência humana baseia-se no simplório estado físico e subjetivo de convivência harmoniosa entre os povos e raças. Desnudos de qualquer ideia racial, os simpatizantes e seguidores desse estilo de vida, individualmente aplicam-se e dão-se a si mesmo o prazer de maquinarem com o tempo e espaço um ambiente retro familiar da qual educadamente receberam suas formações pré-concebidas baseadas em Casa Grande e Senzala, déspotas da miscigenação e orgulho da raça brasileira. Lançam-se, sem rogo e sem humildade, na escalada do Éden porvindouro e que o mesmo já nos espera, e que aqui e agora devemos compartilhar das idéias de convivência familiar entre seres nutridos totalmente de amor e fraternidade, e que afirmações raciais seriam, e são, o julgo da destruição em massa da sacra raça humana.
Família no escopo social significa entre os humanistas, algo além do consaguineo uma virtude de amor ao próximo sem a necessidade de catalogar uns aos outros pela sua cor e raça. Teoria e comportamentos lindos e magníficos.
Mas a máxima humanista se esquece de se ater ao que se outrora chamamos de racistas, e com isso sua teoria humanista de apenas uma raça cai por terra, quando esses indivíduos, meliantes berram suas afirmações de superioridade e meritocracia.  Os humanistas apenas saem em defesa de seus discursos, quando um negro se auto-afirma em raça e identidade, atitude que parece causar furor e constrangimento ao humanista. Mas esse mesmo sentimento de repulsa, náusea e asco não se habilita ou se encontra, quando um indivíduo racista ou branco, ofende pela cor e raça um negro ou um índio, atitude tolerada e sacralizada pelos humanistas, como algo que fosse natural, cultural.
A distinto com clareza, mérito de palavra e com enfoque notório a negritude se exalta e exala a ancestralidade de alguns pretos e pretas afro-brasileiros. Denuncia o que tem que ser denunciado a partir de sua auto-afirmação racial e identitária, fazendo com que reacionários e reaças se perturbem pelo fato de que, negros e negras, suplantem e galguem pro-laboriamente  seus direitos sociais e econômicos, ultrapassando postos de trabalhos e ascensões sociais.
Pasmos, confusos e atordoados os humanistas tentam de várias maneiras desacreditar, desvirtualizar a luta dos movimentos negros e afro-diásporo, tentam deslegitimar a causa em prol de uma união de base conservadora e praticamente de viés reacionário e racista, pois a partir do momento que sua indignação cresce em detrimento do surgimento de engrandecimento de uma cultura, grupo étnico que sempre esteve e está oprimido e marginalizado e não se sensibiliza com suas lutas diárias e, promove e corrobora com os opressores fechando os olhos para as políticas e ações segregacionistas, apoiando seus atos ofensivos, separatistas e racistas, essa ideologia humanista não passa de meramente uma dúbia representação dos reaças e reacionários, clone mal clonado.

Os defensores da consciência humana se esquecem que existem várias consciências, várias particularidades, culturas, diversidades que necessitam ser evidenciadas, representadas, comemoradas cotidianamente e com elas o diferente, o outro surge de uma maneira esplendida de uma beleza que choca, incomoda aqueles que sempre a reprimiram, surge abrindo alas, silenciosa, convidativa. Portanto se a consciência humana não é capaz de reconhecer, legitimar a beleza, a diferença no outro, é uma consciência sem consciência, falida. Novembro negro, um ano preto.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A NEGRITUDE LOCAL


Bacharel em Serviço Social pela 
Universidade Federal Fluminense-UFF/Campos-RJ
A nossa pacata e soberba culturalmente Bom Jesus de vez em quando anda deveras com os seus habitantes margeados. Os que se dizem detentores da cultura local, na verdade a apresentam conforme os seus interesses em preservar o antigo num formato em que o mesmo somente é apreciado por alguns cidadãos abastados socialmente e culturalmente. Até mesmo a negritude municipal, é apropriada por esses cidadãos “beneméritos” e apresentada de forma a atender somente os anseios artísticos e culturais dos boçais da cultura bom-jesuense.

Não pretendo aqui desvalorizar os esforços históricos e de reconstrução cultural desses grupos, mas sim que em se tratando de cultura negra local os mesmos se esquecem que, metodologicamente, prática e dinâmica o público alvo não está sendo atingido deixando a desejar socialmente os impactos positivos que tal ação poderia gerar em prol de uma reconstrução histórica, valorização e ressignificação do negro bom-jesuense.

O público que prestigia tais ações e eventos são pessoas que ministram alguma simpatia pelos detentores culturais bom- jesuenses, portanto celebres fãs dos mesmos que transmitem apenas uma beleza clássica, não promovendo nenhum debate critico a cerca da negritude bom-jesuense seus estados físicos e concretos de segregação, racismo, preconceito, discriminação e exclusão. A idéia que sempre é vendida e mostrada, o negro é lindo e a beleza de sua cultura, remete somente a superficialidade e não o devir de sua essência, portanto repassada de uma forma subserviente reforçando o conceito de docilidade do negro um ser bom, dócil, alegre que foi adestrado a aceitar as condições inferiores adversas a que são submetidas, nunca dizer não e aceitar de bom grado.


Cabe analisar com bastante criticidade e rigor essa manifestação negra que é recontada por descendentes dos opressores, por mais que tenham respeito, admiração e orgulho, não contam da forma que a mesma deva ser contada e apreciada, sendo assim, a consciência passa a ser apenas uma lembrança, uma comemoração e deixa de ser realmente consciente.  

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

FACA DE DOIS GUMES - Texto de Marcelo Silles

Bacharel em Serviço Social pela
Universidade Federal Fluminense-UFF/Campos-RJ
Expressão popular que significa que alguma coisa, algum fator, que alguém, que traz consigo boas estimativas, em dadas circunstâncias pode ser prejudicial. Diz-se que algo ou atitude é "uma faca de dois gumes" quando pode ter o efeito contrário ao esperado, isto é, pode ter um efeito prejudicial. Uma faca que corta para os dois lados pode ser prática, mas podemos nos confundir e nos cortar. (Fonte R7)

Portanto nos remete também a presença de lideranças bipolares no cerne da negritude.  Estamos no novembro negro, data máxima da celebração da Consciência Negra no Brasil, e nos deparamos com diversos eventos seja no campo da militância-consciência, seja no campo do maestream, midiático, cultura de massa resumindo, consciência jabuticaba.

Ubuntu que significa sou o que sou pelo que nós somos, não se aplica no Brasil numa pluralidade massiva das comunidades negras, o que se observa é um total interesse entre partes de acordo com suas particularidades. Com isso pode-se dizer que o mês da Consciência Negra é um mês voltado mais para o festivo do que para a consciência em si, de valorização ancestral e identitária de todos os negros brasileiros. Muito se aplaude muito se comenta, mas a imagem e idéia do que o negro ainda é somente lindo e belo, refuta a docilidade do ser e sua aceitação como tal apenas e o seu lugar devido. O legado racista, marginal, segregacionista ainda persiste e muito.

A busca pela fundamentação da negritude e seu cerne valor na sociedade brasileira, são pinceladas de forma abstrata com contornos ambíguos e depostos de toda auto-afirmação histórica, social e econômica. Saliento em atestar que a mercantilização de certo modo teve seu papel crucial em transformar a cultura negra em produto descartável logo prontamente para o consumo, mediocrizando a sua historicidade e desdenhando o seu potencial labore de seu status genealógico de colaboradores ativos e crivos de seu papel de suma importância na construção dessa sociedade.

Cabe-se afiar e lapidar mais essas facas cegas de dois lados, que por um momento cospe no prato que comeu e por outro adora e sacraliza o seu algoz sendo um dócil e obediente negro de casa. Cabe peneirar e pentear finamente os negros que querem se libertar daqueles que ainda se mantém sobre os pés de seus senhores. Portanto, mais Consciência Negra e menos consciência jabuticaba.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

VIVENDO DE AMOR


VIVENDO DE AMOR

Por: Bell Hooks - Tradução de Maísa Mendonça


O amor cura. Nossa recuperação está no ato e na arte de amar. Meu trecho favorito do Evangelho segundo São João é o que diz: "Aquele que não ama ainda está morto".


Muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor. Essa é uma de nossas verdades privadas que raramente é discutida em público. Essa realidade é tão dolorosa que as mulheres negras raramente falam abertamente sobre isso.


Não tem sido simples para as pessoas negras desse país entenderem o que é amar. M. Scott Peck define o amor como "a vontade de se expandir para possibilitar o nosso próprio crescimento ou o crescimento de outra pessoa", sugerindo que o amor é ao mesmo tempo "uma intenção e uma ação". 
Expressamos amor através da união do sentimento e da ação. Se considerarmos a experiência do povo negro a partir dessa definição, é possível entender porque historicamente muitos se sentiram frustrados como amantes.


O sistema escravocrata e as divisões raciais criaram condições muito difíceis para que os negros nutrissem seu crescimento espiritual. Falo de condições difíceis, não impossíveis. Mas precisamos reconhecer que a opressão e a exploração distorcem e impedem nossa capacidade de amar.

Numa sociedade onde prevalece a supremacia dos brancos, a vida dos negros é permeada por questões políticas que explicam a interiorização do racismo e de um sentimento de inferioridade. Esses sistemas de dominação são mais eficazes quando alteram nossa habilidade de querer e amar. Nós negros temos sido profundamente feridos, como a gente diz, "feridos até o coração", e essa ferida emocional que carregamos afeta nossa capacidade de sentir e consequentemente, de amar. Somos um povo ferido. Feridos naquele lugar que poderia conhecer o amor, que estaria amando. A vontade de amar tem representado um ato de resistência para os Afro-Americanos. Mas ao fazer essa escolha, muitos de nós descobrimos nossa incapacidade de dar e receber amor.

O Impacto da Escravidão no Ato de Amar
Nossas dificuldades coletivas com a arte e o ato de amar começaram a partir do contexto escravocrata. Isso não deveria nos surpreender, já que nossos ancestrais testemunharam seus filhos sendo vendidos; seus amantes, companheiros, amigos apanhando sem razão. Pessoas que viveram em extrema pobreza e foram obrigadas a se separar de suas famílias e comunidades, não poderiam ter saído desse contexto entendendo essa coisa que a gente chama de amor. Elas sabiam, por experiência própria, que na condição de escravas seria difícil experimentar ou manter uma relação de amor.



Imagino que, após o término da escravidão, muitos negros estivessem ansiosos para experimentar relações de intimidade, compromisso e paixão, fora dos limites antes estabelecidos. Mas é também possível que muitos estivessem despreparados para praticar a arte de amar. Essa talvez seja a razão pela qual muitos negros estabeleceram relações familiares espelhadas na brutalidade que conheceram na época da escravidão. Seguindo o mesmo modelo hierárquico, criaram espaços domésticos onde conflitos de poder levavam os homens a espancarem as mulheres e os adultos a baterem nas crianças como que para provar seu controle e dominação. Estavam assim se utilizando dos mesmos métodos brutais que os senhores de engenho usaram contra eles. Sabemos que sua vida não era fácil; que com a abolição da escravatura os negros não ficaram imediatamente livres para amar.


Depoimentos de escravos revelam que sua sobrevivência estava muitas vezes determinada por sua capacidade de reprimir as emoções. Num documento datado em 1845, Frederick Douglass lembra que foi incapaz de se sensibilizar com a morte de sua mãe, por ter sido impedido de manter contato com ela. A escravidão condicionou os negros a conter e reprimir muitos de seus sentimentos. O fato de terem testemunhado o abuso diário de seus companheiros- o trabalho pesado, as punições cruéis, a fome- fez com que se mostrassem solidários entre eles somente em situações de extrema necessidade. E tinham boas razões para imaginar que, caso contrário, seriam punidos. Somente em espaços de resistência cultivados com muito cuidado, podiam expressar emoções reprimidas. Então, aprenderam a seguir seus impulsos somente em situações de grande necessidade e esperar por um momento "seguro" quando seria possível expressa r seus sentimentos.

Num contexto onde os negros nunca podiam prever quanto tempo estariam juntos, que forma o amor tomaria? Praticar o amor nesse contexto poderia tornar uma pessoa vulnerável a um sofrimento insuportável. De forma geral, era mais fácil para os escravos se envolverem emocionalmente, sabendo que essas relações seriam transitórias. A escravidão criou no povo negro uma noção de intimidade ligada ao sentido prático de sua realidade. Um escravo que não fosse capaz de reprimir ou conter suas emoções, talvez não conseguisse sobreviver.

Emoções Reprimidas: A Chave da Sobrevivência
A prática de se reprimir os sentimentos como estratégia de sobrevivência continuou a ser um aspecto da vida dos negros, mesmo depois da escravidão. Como o racismo e a supremacia dos brancos não foram eliminados com a abolição da escravatura, os negros tiveram que manter certas barreiras emocionais. E, de uma maneira geral, muitos negros passaram a acreditar que a capacidade de se conter emoções era uma característica positiva. No decorrer dos anos, a habilidade de esconder e mascarar os sentimentos passou a ser considerada como sinal de uma personalidade forte. Mostrar os sentimentos era uma bobagem.

Tradicionalmente, as famílias do Sul do país ensinavam as crianças ainda pequenas que era importante reprimir as emoções. Normalmente as crianças aprendiam a não chorar quando eram espancadas. Expressar os sentimentos poderia significar uma punição ainda maior. Os pais avisavam: "Não quero ver nem uma lágrima". E se a criança chorava, ameaçavam: "Se não parar, vou te dar mais uma razão para chorar." Como é possível diferenciar esse comportamento daquele do senhor de engenho que espancava seu escravo sem permitir que ele experimentasse qualquer forma de consolo, ou mesmo que tivesse um espaço para expressar sua dor? E se tantas crianças negras aprenderam desde cedo que expressar as emoções é sinal de fraqueza, como poderiam estar abertas para amar? Muitos negros têm passado essa idéia de geração a geração: se nos deixarmos levar e render pelas emoções, estaremos comprometendo nossa s obrevivência. Eles acreditam que o amor diminui nossa capacidade de desenvolver uma personalidade sólida.

Em Algum Momento Você Nos Amou?
Quando eu era criança, percebia que fora do contexto da religião e do romance, o amor era visto pelos adultos como um luxo. A luta pela sobrevivência era mais importante do que o amor. Somente as pessoas mais velhas - nossas avós e bisavós, nossos avôs e bisavôs, nossos padrinhos e madrinhas -pareciam dedicadas a arte e ao ato de amar. Elas nos aceitavam, cuidavam de nós, nos davam atenção e principalmente, afirmavam nossa necessidade de experimentar prazer e felicidade. Eram carinhosas e o demonstravam fisicamente. Nossos pais e sua geração, que só pensavam em subir na vida, geralmente passavam a impressão de que o amor é uma perda de tempo, um sentimento ou um ato que os impedia de lidar com coisas mais importantes.


Quando eu dava aulas sobre o livro Sula, de Toni Morrison, reparava que minhas alunas se identificavam com um trecho no qual Hannah, uma mulher negra já adulta, pergunta a sua mãe, Eva: "Em algum momento você nos amou?" E Eva responde bruscamente: "Como é que você tem coragem de me fazer essa pergunta? Você não tá aí cheia de saúde? Como não consegue enxergar?" Hannah não se satisfaz com a resposta, pois sabe que a mãe sempre procurou suprir suas necessidades materiais. Ela está interessada num outro nível de cuidado, de carinho e atenção. E diz para Eva: "Alguma vez você brincou com a gente?" Mais uma vez, Eva responde como se a pergunta fosse totalmente ridícula: Brincar? Ninguém brincava em 1895. Só porque agora as coisas são fáceis, você acha que sempre foram assim? Em 1895 não era nada fácil. Era muito duro. Os negros morriam como moscas... Cê acha que eu ia ficar brincando com cr ianças? O que é que iam pensar de mim?


A resposta de Eva mostra que a luta pela sobrevivência não significava somente a forma mais importante de carinho, mas estava acima de tudo. Muitos negros ainda pensam assim. Suprir as necessidades materiais é sinônimo de amar. Mas é claro que mesmo quando se possui privilégios materiais, o amor pode estar ausente.


E num contexto de pobreza, quando a luta pela sobrevivência se faz necessária, é possível encontrar espaços para amar e brincar, para se expressar criatividade, para se receber carinho e atenção. Aquele tipo de carinho que alimenta corações, mentes e também estômagos. No nosso processo de resistência coletiva é tão importante atender as necessidades emocionais quanto materiais.


Não é por acaso que o diálogo sobre o amor no livro Sula se dá entre duas mulheres negras, entre mãe e filha. Sua relação simboliza uma herança que será reproduzida em outras gerações. Na verdade Eva não alimenta o crescimento espiritual de Hannah, e Hannah não alimenta o crescimento espiritual de sua filha, Sula. Mas Eva simboliza um modelo de mulher negra "forte", de acordo com seu estilo de vida, por sua capacidade de reprimir emoções e garantir sua segurança material. Essa é uma forma prática de se definir nossas necessidades, como naquela canção de Tina Turner: "O que é que o amor tem a ver com isso?"

Se Conhecêssemos o Amor
O amor precisa estar presente na vida de todas as mulheres negras, em todas as nossas casas. É a falta de amor que tem criado tantas dificuldades em nossas vidas, na garantia da nossa sobrevivência. Quando nos amamos, desejamos viver plenamente. Mas quando as pessoas falam sobre a vida das mulheres negras, raramente se preocupam em garantir mudanças na sociedade que nos permitam viver plenamente.


Geralmente enfatizam nossa capacidade de "sobreviver" apesar das circunstâncias difíceis, ou como poderemos sobreviver no futuro. Quando nos amamos, sabemos que é preciso ir além da sobrevivência. É preciso criar condições para viver plenamente. E para viver plenamente as mulheres negras não podem mais negar sua necessidade de conhecer o amor.


Para conhecermos o amor, primeiro precisamos aprender a responder as nossas necessidades emocionais. Isso pode significar um novo aprendizado, pois fomos condicionadas a achar que essas necessidades não eram importantes. Por exemplo, no seu livro, O Hábito da Sobrevivência: Estratégias de Vida das Mulheres Negras, Kesho Scott relata uma experiência importante que a ensinou a sobreviver: Medindo treze anos, permaneci parada em frente a porta da sala. Minhas roupas estavam molhadas. Meus cabelos pingando. Estava chorando, chocada, precisando do colo da minha mãe. Ela me olhou de cima a baixo, devagar, levantou-se do sofá e caminhou ao meu encontro com o corpo carregado de críticas. Parada, com as mãos na cintura, sua sombra caindo sobre meu rosto, perguntou sem conseguir esconder a raiva: "O que aconteceu?" Hesitei como se surpresa por sua raiva e respondi: "Elas colocaram minha cabeça na privada. Disser am que não posso nadar com elas". "Elas" eram oito meninas brancas da escola. Tentei abraçá-la, mas ela se afastou bruscamente dizendo: "Que inferno! Pegue seu casaco e vamos embora".


Naquele momento Keshno estava aprendendo que suas necessidades emocionais não eram importantes. Logo depois ela escreve: "Minha mãe me ensinou uma valiosa lição naquele dia. Aprendi que deveria lutar contra a discriminação racial e sexual". É claro que essa é uma lição importante para as mulheres negras. Mas Keshno estava também aprendendo uma lição dolorosa, ao sentir que não merecia ser consolada após uma experiência traumática, como se não devesse nem mesmo esperar por isso, como se suas necessidades individuais não fossem tão importantes quanto a luta de resistência coletiva contra o racismo e o sexismo. Imaginem como essa história seria diferente se, ao entrar na sala tão abalada, Keshno tivesse recebido o consolo de sua mãe, e se primeiro sua mãe a ajudasse a se pentear e arrumar, para depois então explicar a necessidade de confrontar (talvez não naquele momento, se Keshno não e stivesse preparada emocionalmente para o confronto) as alunas brancas que a atacaram. Dessa forma Keshno teria aprendido, aos treze anos, que sua saúde emocional era tão importante quanto o movimento contra o racismo e o sexismo - que na verdade essas duas experiências estavam interligadas.



Muitas de nós, mulheres negras, aprendemos a negar nossas necessidades mais íntimas, enquanto desenvolvíamos nossa capacidade de confrontar a vida pública. É por isso que constantemente parecemos ter sucesso no trabalho, mas não na vida privada. Vocês entendem o que estou querendo dizer. Quando vemos uma mulher negra aparentemente segura de si, de seu trabalho, é bem provável que se formos visitá-la sem avisar, com exceção da sala, todo o resto da casa vai estar a maior bagunça, como se tivesse passado um furacão. Creio que esse caos representa uma reflexão de seu interior, da falta de cuidado consigo própria. A partir do momento que acreditarmos, de preferência desde crianças, que nossa saúde emocional é importante, poderemos suprir nossas outras necessidades.



Muitas vezes confundimos o reconhecimento de nossas emoções com o desejo de se manter em controle. Quando ignoramos nossas reais necessidades, a tendência é nos fragilizarmos, nos tornarmos vulneráveis e emocionalmente instáveis. As mulheres negras se esforçam muito para esconder essa situação.



Voltando a falar da mãe de Keshno, é provável que a dor de sua filha tenha trazido recordações de suas próprias feridas, nunca reveladas. Será que assumiu aquela atitude crítica, dura, ou mesmo cruel, para não se expor, chorar, e deixar de ser "uma mulher negra forte"? Mas se tivesse chorado, sua filha saberia que ela se identificava com aquela dor, que seria possível falar sobre o assunto, que não precisaria guardar essa dor.


Essa atitude representa o que muitas de nós presenciamos em circunstâncias semelhantes - ela mantinha o controle. Até mesmo sua postura física significava que mantinha o domínio da situação. Claro que, como mulher negra, essa mãe queria que sua presença fosse mais poderosa do que as meninas brancas. Um modelo de mãe que sabe como apoiar sua filha numa situação de sofrimento é representado no romance Sassafrass, Cypress e Indigo, de Ntozake Shange. Esse livro retrata mulheres negras como personagens fortalecidos pelo amor de sua mãe. Mesmo quando não concorda com certas opções de suas filhas, essa mãe as trata com respeito e oferece consolo. Esse é um trecho de uma carta que ela escreve para Sassafrass, que passa por dificuldades e quer voltar para casa. A carta começa assim: "Claro que você pode voltar pra casa! Aconteça o que acontecer, nunca vou deixar de te amar". Primeiro ela demonstra seu amor, depois aconselha, e volta a expressar seu amor: Você e Cypress me deixam louca com seu estilo de vida alternativo. Vocês precisam parar de nadar contra a corrente.

Você sabe o que quero dizer... Lembre-se disso. Volte para casa e vamos resolver essa situação. Você terá muitas opções e ninguém vai te chatear ou te enganar. Nada como um dia depois do outro. Você acorda. Você come, vai trabalhar, volta pra casa, come outra vez, descansa, e vai dormir. Nossa situação melhorou. Continuo me perguntando onde foi que errei. Mas no fundo sinto que não estou errada. Estou certa. O mundo está de cabeça pra baixo e está tentando enlouquecer as minhas filhas. Agora chega. Eu te amo muito. Você está se tornando uma mulher adulta e sei o que isso significa. Volte para casa. Sei que vai descobrir algo mais sobre você. Com amor, Mamãe.

Amando Aquilo Que Vemos
A arte e a prática de amar começam com nossa capacidade de nos conhecer e afirmar. É por isso que tantos livros de auto-ajuda dizem que devemos mirar-nos num espelho e conversar com nossas próprias imagens. Tenho percebido que às vezes não amo a imagem ali refletida. Eu a inspeciono. Desde que acordo e me vejo no espelho, começo a me analisar, não com a intenção de me afirmar, mas de me criticar. Isso era comum lá em casa. Quando eu e minhas cinco irmãs descíamos as escadas em direção àquele território ocupado por meu pai, minha mãe e meus irmãos, entrávamos no mundo da "crítica". Tudo era observado e tudo estava errado conosco. Raramente uma de nós era elogiada.

Quando substituo a crítica negativa pelo reconhecimento positivo, sinto-me mais forte para começar o dia. A afirmação é o primeiro passo para cultivarmos nosso amor interior. Uso a expressão "amor interior" e não "amor próprio" porque a palavra "próprio" é geralmente usada para definir nossa posição em relação aos outros. Numa sociedade racista e machista, a mulher negra não aprende a reconhecer que sua vida interior é importante.

A mulher negra descolonizada precisa definir suas experiências de forma que outros entendam a importância de sua vida interior. Se passarmos a explorar nossa vida interior, encontraremos um mundo de emoções e sentimentos. E se nos permitirmos sentir, afirmaremos nosso direito de amar interiormente. A partir do momento em que conheço meus sentimentos, posso também conhecer e definir aquelas necessidades que só serão preenchidas em comunhão ou contato com outras pessoas.

Onde está o amor, quando uma mulher negra se olha e diz: "Vejo uma pessoa feia, escura demais, gorda demais, medrosa demais - que não merece ser amada, porque nem eu gosto do que vejo" Ou talvez: "Vejo uma pessoa tão ferida, que é pura dor, e não quero nem olhar pra ela porque não sei o que fazer com essa dor". Aí o amor está ausente. Para que esteja presente é preciso que essa mulher decida se olhar internamente, sem culpa e sem censura.

E ao definir o que vê, talvez perceba que seu interior merece ou precisa de amor. Nunca ouvi uma mulher negra dizer num grupo de apoio que não precisa de amor. Ela pode até querer esconder essa necessidade, mas não é preciso muito tempo de análise para que reconheça isso. Se perguntarmos diretamente a uma mulher negra se ela precisa de amor, a resposta provavelmente será positiva. Para nos amarmos interiormente, precisamos antes de tudo prestar atenção, reconhecer e aceitar essa necessidade. Se acreditarmos que não seremos punidas por reconhecermos quem somos ou o que sentimos, poderemos entender melhor nossas dificuldades.

Normalmente entrevisto a mim mesma e acho que outras mulheres devem fazer o mesmo. Às vezes é difícil entrar em contato com meus sentimentos, mas ao me fazer uma pergunta, geralmente encontro a resposta.
Algumas vezes a gente se olha e vê tanta confusão, tanta dor, que não sabemos o que fazer. Então precisamos procurar ajuda. Às vezes ligo para meus amigos e digo: "Não consigo entender o que sinto e não sei o que fazer, você pode me ajudar?" Muitas mulheres negras não têm coragem de pedir ajuda, pois isso significaria um sinal de fraqueza. Precisamos nos livrar desse condicionamento. Ter capacidade de pedir ajuda significa que temos poder.

Cada vez que buscamos ajuda nosso poder aumenta, ao invés de diminuir. Experimente. Geralmente buscamos ajuda em momentos de crise. Mas podemos evitar a crise se reconhecermos nossa dificuldade em lidar com uma determinada situação. Para as mulheres negras acostumadas a manter o controle das situações, pedir ajuda pode significar a prática do amor, da confiança, reconhecendo que não precisamos resolver tudo sozinhas. A prática de se amar interiormente nos revela o que o nosso espírito necessita, além de nos ajudar a entender melhor as necessidades das outras pessoas.

As mulheres negras que escolhem ( e aqui enfatizo a palavra "escolhem") praticar a arte e o ato de amar, devem dedicar tempo e energia expressando seu amor para outras pessoas negras, conhecidas ou não. Numa sociedade racista, capitalista e patriarcal, os negros não recebem muito amor. E é importante para nós que estamos passando por um processo de descolonização, perceber como outras pessoas negras respondem ao sentir nosso carinho e amor. Outro dia minha amiga T. me contou que faz questão de visitar e conversar com o senhor de idade que trabalha numa loja perto de sua casa. E recentemente ele expressou sua gratidão pelo carinho que recebe dela. Anos atrás, quando ela passava por um processo de autodestruição, não tinha "vontade" de mostrar seu carinho. Hoje ela passa para ele o mesmo carinho que espera receber de outras pessoas.


Quando eu era criança algumas mulheres negras me amaram de forma "incondicional". Assim aprendi que o amor não precisa ser conquistado. Elas me ensinaram que eu merecia ser amada; seu carinho nutriu meu crescimento espiritual.

Muitos negros, e especialmente as mulheres negras, se acostumaram a não ser amados e a se proteger da dor que isso causa, agindo como se somente as pessoas brancas ou outros ingênuos esperassem receber amor. Uma vez disse para algumas mulheres negras que gostaria de viver em um mundo onde existisse amor, onde pudesse amar e ser amada. Depois disso elas passaram a rir de mim sempre que nos encontrávamos. Para que esse mundo possa existir é preciso acabar com o racismo e todas as formas de dominação. Se escolho dedicar minha vida à luta contra a opressão, estou ajudando a transformar o mundo no lugar onde gostaria de viver.

O Amor Cura
O "Poema da Mulher" de Nikki Giovanni foi importante para que eu percebesse o processo de autodestruição das mulheres negras. Publicado no livro, A Mulher Negra, editado por Toni Cade Bambara, esse poema termina assim: "olhe para aquela que teve toda sua vida marcada pela infelicidade porque é a única verdade que conheço". Nesse poema, Giovanni não apenas sugere que as mulheres negras foram socializadas para cuidar dos outros e ignorar suas necessidades, como também mostra como a autodestruição nos faz abandonar aqueles que nos querem. A mulher negra diz: "Como você se atreve a me querer - isso não faz sentido - porque se eu sou uma merda, você deve ser pior ainda".

Esse poema foi escrito em 1968. Algumas décadas depois, as mulheres negras continuam lutando para reconhecer sua dor e encontrar formas de curá-la. Aprender a amar é uma forma de encontrar a cura.

A idéia de que o amor significa a nossa expansão no sentido de nutrir nosso crescimento espiritual ou o de outra pessoa, me ajuda a crescer por afirmar que o amor é uma ação. Essa definição é importante para os negros porque não enfatiza o aspecto material do nosso bem-estar. Ao mesmo tempo que conhecemos nossas necessidades materiais, também precisamos atender às nossas necessidades emocionais. Gosto muito daquele trecho da bíblia, nos "Provérbios", que diz: "Um jantar de ervas, onde existe amor, é melhor que uma bandeja de prata cheia de ódio".

Quando nós, mulheres negras, experimentamos a força transformadora do amor em nossas vidas, assumimos atitudes capazes de alterar completamente as estruturas sociais existentes. Assim poderemos acumular forças para enfrentar o genocídio que mata diariamente tantos homens, mulheres e crianças negras. Quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura.

Fonte: MULHERES NEGRAS



quarta-feira, 12 de novembro de 2014

LANÇAMENTO DO DISCO EQUALIZANDO


Boa noite, Rapeize!!
Hoje é o dia!! Site novo, blog novo e, o principal: disco novo pra vocês! Esse disco é muito importante porque, nele, pus toda a dedicação e carinho que tenho recebido do público! Um trabalho feito com calma, com alma, pensando nos pequenos detalhes que percebi nas boas vibrações da galera que acompanha meu som! Todas as músicas que compõem o disco Equalizando mostram a trajetória de um personagem que poderia ser qualquer um. Eu, você, ou aquelas pessoas que passam despercebidas por nós em meio a multidão, mas que tem muita coisa pra contar! Uma pessoa que equalizou sua vida! Um disco vivido por mim em cada beat, cada harmonia, que vai fazer parte de suas vidas também! Vamos equalizar juntos e encontrar nosso equilíbrio! Baixe o disco, ouça as músicas e equalize um pouco mais sua vida! Essa é minha meta! Equalizar as vibrações com vocês!
Não posso deixar de agradecer Biggie Êni, Rick Beat, Junior Brasil, Pedro Tozzini, Felippe Senne e Simone Pedro! Sem vocês ficaria difícil concluir esse trabalho!

Bless Fya!
FONTE:http://dizzyoficial.com.br/dizzyblog/lancamento-disco-equalizando/


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Criolo: Convoque seu Buda

Rapper paulista passeia por diferentes gêneros e mostra amadurecimento pessoal

Convenhamos: deve ser inglória a obrigação de lançar o sucessor de um disco como “Nó na Orelha” (2011). O elogiado álbum marcou a imersão de Criolo em ritmos para além do rap, como o afrobeat e o samba, catapultando sua carreira e cravando-o entre os grandes da nova música popular brasileira. Com seu jeitão humilde e messiânico, o rapper Kleber Cavalcante Gomes, hoje com 39 anos, se deparou com a trincheira da expectativa. Chegou a fraquejar, dando a entender que não lançaria novos discos, como se já tivesse cumprido sua observada missão. Mas o novo rebento saiu, celebrando a profícua parceria com os produtores Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral.
 O grande barato de “Convoque seu Buda” é que Criolo aflorou sua aura zen para responder com leveza e qualidade à pressão dos fãs e críticos. Recém-lançado gratuitamente na internet (faça o download em www.criolo.net), o disco é um inspirado passeio por diferentes vertentes musicais, que tem no rap seu eixo central. A canção homônima, por exemplo, abre o disco remontando ao rap paulistano dos anos 1990, com inspiração japonesa que lembra “Dorobo”, célebre parceria de Sabotage e BNegão. Elementos orientais, cantos e vocalizações misturam-se a uma batida reta como um golpe de katana.
Com um flow criativo, Criolo canta a busca pelo equilíbrio e a espiritualidade, seja lá por qual meio – Oxalá, Shiva, Zé Pelintra ou Ganesh. O rapper também versa sobre as mazelas sociais da cidade grande, contrapondo-as com a ostentação da elite brasileira, temáticas que se repetem durante o disco, como mostra “Esquiva da Esgrima”. A segunda canção é um rap melancólico, denso, com elementos africanos e refrão marcante. Um lamento moderno sobre as agruras da periferia e a falta de compaixão dos tempos atuais.
Já a dançante “Cartão de Visita” traz uma roupagem 70’s disco que ironiza, assim como a bem-humorada letra, a cafonice dos “coxinhas” do Brasil. “Passa no cartão essa gente indigesta”, arremata a música, que conta com a participação tímida de Tulipa Ruiz. Na letra, Criolo “zoa” a si mesmo ao citar a entrevista com Lázaro Ramos que gerou brincadeiras sobre seus devaneios sociofilosóficos e virou meme na web: “Lázaro, alguém nos ajude a entender”.
O clima volta a pesar com a visceral “Casa de Papelão”, em que linhas cadenciadas de percussão e metais embalam estrofes sobre a sofrida vida dos moradores de rua das capitais brasileiras.
O álbum fica novamente animado com o samba “Fermento pra Massa”, que se inspira nos protestos populares que tomaram as ruas do Brasil nos últimos dois anos e tem arranjo de Kiko Dinucci e Rodrigo Campos. Criolo, que “respeita o rastafári”, traz novamente o reggae e o dub para seu trabalho, desta vez representados pela competente “Pé de Breque”.
Um ponto alto do disco é o balanço de “Pegue pra Ela”, salada musical temperada por afrobeat, baião e carimbó. Se nela sobra sabor, falta sal à sem graça “Plano de Voo”, rap arrastado e cansativo que tem participação do rapper Síntese.
Um rap bem mais conciso aparece em “Duas de Cinco”, que traz o drama da dependência química e da violência gerada pela proibição das drogas. Fechando o disco, surge a voz poderosa de Juçara Marçal embalando uma saudação a Exu, em iorubá, que dá lugar às rimas de Criolo em “Fio de Prumo (Padê Onã)”.
“Convoque seu Buda” começa com filosofia oriental e termina em candomblé, pedindo que os caminhos se abram e lembrando os menos favorecidos. Uma coisa é certa: o santo de Criolo é forte. Nem Lázaro nem ninguém precisa ajudar a entende-lo – basta acompanhar sua iluminada e frutífera caminhada.

Leia a matéria completa em: Criolo: Convoque seu Buda - Geledés 

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A FALÁCIA QUE OS AFRICANOS VENDIAM SEUS IRMÃOS DURANTE A ÉPOCA DO TRAFICO NEGREIRO


As pessoas têm uma percepção quase de ficção científica sobre o tráfico negreiro Atlântico, mas esta falsificação é propositada para colocar os bantus e os africanos em geral em baixo e de alguma forma evitar que se peça algum tipo de compensação pela escravatura sofrida pelos africanos descendentes de escravos.
Para tal eles criaram a famosa falacia que os bantus vendiam seus irmãos. O pior é que esta ideia tornou-se tão aceite no mundo inclusive pelos bantus, que os brancos que se beneficiaram do trabalho árduo destes escravos e seus descendentes até hoje estão a rir atoa enquanto descendentes dos bantus nas Américas ficam ressentidos dos seus irmãos em África.
Na actual conjuntura mundial, existem regras que parece que são aplicadas apenas aos brancos e asiáticos, porque quando se trata dos Africanos, parece que as pessoas ficam com amnésia e estas regras magicamente desaparecem, um dos exemplos é a ideia que as actuais pessoas não devem pagar pelos erros dos seus antepassados. Muitos brancos dizem epa não fui eu que escravizei você foi meu avo/tataravó logo vc não pode me cobrar uma indemnização. Mas a verdade é que os índios americanos e principalmente os judeus foram e continuam a ser indemnizados por algo que foram feitos no passado por ascendentes dos actuais americanos e alemãs.A falacia de vender irmãos visa afastar de alguma forma esta responsabilidade de indemnizar os descendentes dos escravos.
O que estamos a dizer relativamente a falecias dos bantus é o seguinte, quando nós abrimos os livros de história e lemos as lutas entre os franceses e ingleses, os vikings massacrando os bretões, os ramanos delicerando crianças gaulesas ninguém olha e diz, porra olhem esses irmãos brancos se matando, inclusive actualmente nós estamos assistindo uma disputa claramente tribalismo na Ucrânia, mas ninguém está a dizer olha estes brancos lutando contra brancos, olhem estes irmãos de cor se fatigando, ninguém diz, -Porque estes brancos estão a lutar, afinal são brancos fazem parte da irmandade branca?
Mas por alguma razão magica esta lógica pode se aplicar ao tráfico negreiro, e ouvimos pessoas, inclusive bantus e africanos a dizer, olhem estes bantus vendendo outros bantus, como é possível isso, gente sem união?
Esta ideia é repetida toda hora como uma espécie de triunfo, na realidade é mesmo um triunfo que os brancos usam para fugir a responsabilidade económica que têm com os escravos que durante gerações trabalharam nas suas plantações de forma gratuita e sob condições desumanas.
A verdade é as pessoas que usam isso como trunfo e principalmente os africanos que aceitam esta ideia absurda não tem a noção de como historicamente estão a ser verdadeiros estúpidos, principalmente os bantus africanos.
Você não pode pegar numa ideia de pan africanismo que surgiu no princípio no século 18 e se espalhou no século 20 e transporta-la magicamente no século 15, tal como você não pode pegar na ideia de Europa como comunidade europeia, povo comum e aplica-lo aos vikings é simplesmente absurdo e estúpido.
As pessoas naquele tempo tinham seus reinos e suas etnias próprias, até hoje muitos ainda dão mais valor a sua etnia do que a estes países fabricados pelos colonos, África é um continente com mais diversidade cultural e étnica do mundo.
As pessoas têm que entender que esta noção de raça negra, quem inventou foram os europeus, antigamente antes dos brancos catalogarem as pessoas assim, os africanos se identificavam pelo seu país e etnia e não pela cor da pele.
Os povos tinham maneiras diferentes de vestir, tinham espiritualidade diferente e falavam línguas diferentes, porque raios eles iriam consideram-se irmãos da cor no estilo black power do século 20.
Antes dos europeus chegarem em África já havia varias civilizações e países organizados que as vezes lutavam entre si, como aconteceu e ainda acontece com qualquer civilização humana, assim quando os portugueses chegaram nas costas africanas e disseram «oi, tudo bem, sabe nós querem comprar alguns escravos você não tem por acaso uns homens que poderias me vender?» Assim os fulanis que estavam em guerra com os mandigo durante anos pensa, «hum já sei, vou começar a vender estes mandigos que estou em guerra a anos, nunca mais vou ter contacto com o mesmo e vou enfraquecer seu reino e finalmente vou poder dormir em paz.
Antes mesmo que começas a gritar, «mas ele vendeu outro negro», volto a repetir, ele não vendeu outro fulani, ele vendeu um mandingo, lembra do que disse acima, as pessoas não tinham o conceito de raça que agora temos, para ele o seu irmão era o outro fulani e não todos os bantus do planeta terra.
Este mesmo tipo de princípio é que os romanos aplicavam, se você assistiu a serie sparta, você reparou que os romanos não vendiam outros romanos, eles vendiam outros brancos de outras etnias e estados. Quando um gladiador ou uma pessoa se tornava cidadão romano ele não podia ser tratado ou vendido como escravo porque ele passava a ser um cidadão romano, ele não podia ser vendido como escravo, não porque era branco, mas porque era romano.
Outro erro que muitas pessoas têm, é que os brancos desceram dos seus barcos e saíram africa adentro a caçar bantus como se fossem pacaças, eles não conheciam o território, e também eles não tinham um sistema imunológico preparado para o continente.

No princípio os portugueses até tentaram esta táctica com o império do Mali, eles chegaram e fizeram uns raids na costa do Mali, o que os portugueses não sabiam é que o Mali era um dos estados mais poderoso do mundo na altura e levaram uma tremenda surra, a surra foi tanta que o rei de Portugal despachou uma comitiva para negociar paz com o império do Mali e estabelecer um tratado comercial, a que na escola não te ensinaram isso né?
Quando os africanos não estavam em guerra era um período desesperador para os europeus, porque normalmente apenas as pessoas que ficavam escravos por castigo, a escravidão naquela época também era um forma de pena judicial é que podiam ser vendidas.
Perante esta situação os europeus fomentavam guerras entre os estados africanos. Contratavam pessoas disfarçadas como cidadãos de outro reino ou aldeia para raptar ou matar pessoas de outro reino ou aldeia para iniciar conflitos, as vezes contratavam mercenários africanos para fazer raid nas outras aldeias, as vezes raptavam os príncipes e os filhos dos líderes tribais e mandavam eles fazer raids caso contrário matavam ou vendiam o familiar, outras vezes fomentavam a prática de actos criminosos entre a juventude dos reinos para poderem ser condenados com a pena de escravatura. São estes aspectos negativos que nós os bantus falamos, se fosse apenas o estar na costa a espera dos escravos e comprar tudo bem, mas a realidade é que apesar que terem sido os africanos que faziam as guerras e tinham os cativos por trás eram os europeus que fomentavam e desestabilizavam a região, como fazem até hoje.
Inclusive o rei do congo perante esta situação proibiu o comercio de escravo sem que ele desse a sua autorização em cada transacção e escreveu uma carta protesto contra o rei de Portugal sobre estas atitudes traiçoeiras dos portugueses. Inclusive os traficantes portugueses que incluíam bispos e padres tentaram mataram o sujeito.

Mas nem tudo foi culpa dos europeus, muitos reis africanos tornaram-se autênticos seres avarentos que só pensavam em fazer dinheiro, inclusive muitos reis africanos sem escrúpulos chegaram ao ponto de terem mulheres que sua função era seduzir jovens para posteriormente acusa-los do crime de adultério e os vender como escravo, s vezes eles próprios começavam as guerras sem razão alguma, já que não podiam vender seus familiares então faziam guerras para conseguir cativos, em todas sociedades temos os nossos patifes.
Só que no final foram os próprios reinos que acabaram por pagar o preço, porque enfraqueceram seu poderio militar devido a ambição de muitos reinos que após caíram na espiral montada pelos europeus já se tornou tarde sair dela. Quando tentaram reagir já era tarde porque não tinham força militar necessária de pois de tanta guerras travadas por que causa da ambição de alguns reis.
Com este texto quis apenas dizer que era muito raro entre todos os reinos africanos um tipo vender o seu irmão de sangue ou do mesmo reino aos europeus como muitos eurocentristas tentam fazer acreditar.

Nenhum rei era tonto o suficiente de enfraquecer seu próprio reino, basta usar a cabeça, coisa que pouca gente gosta de fazer, se um rei se pusesse a vender todos os seus cidadãos ele acabaria por enfraquecer a económica, o comércio e a estrutura militar do seu reino. As pessoas acham realmente que a estrutura familiar de um povo iria ficar intacta se as pessoas ficassem a vender seus familiares?
Como disse temos que ser coerentes quando fazemos análises sobre acontecimentos históricos, muitos bantus caem facilmente nas armadilhas mentais que os euro-centristas aplicam, os viking quando vendiam os escravos brancos, os romanos quando vendiam os escravos gauleses eles não estavam a vender seus irmãos «seus irmãos de raça yo, arianos forever!» naquela altura não havia essas porras de hoje de raça negra, raça branca e tal. Estes são conceitos novos e aplica-los em época do passado é de uma burrice extrema.
Texto adaptado de Home team history
Autor:Nasser