segunda-feira, 28 de abril de 2014

Luislinda, a Iansã de toga - Por: Fernanda Pompeu

 A cena poderia ter saído da cabeça de um roteirista escrevendo um filme sobre discriminação racial. Mas ela aconteceu de verdade em uma escola de Salvador, Bahia. Uma garota negra de nove anos apresenta o material de desenho requisitado pelo professor:

- Mas não foi isso que eu pedi!

- Bom, isso foi o que meus pais puderam comprar.

- Menina, se seus pais são tão miseráveis assim, vou lhe dar um conselho: pare de estudar e vá aprender a fazer feijoada na casa da branca. Você será mais feliz.

A garota corre para o pátio, chora, enxuga as lágrimas, retorna para a sala de aula e diz ao professor:

- Eu não vou aprender a fazer feijoada na casa da branca. Vou ser juíza e voltar aqui para o prender.

Mais tarde, ao contar o acontecido para o pai, Luislinda Valois levou uma surra. Pois o seu Luiz, motorneiro de bonde e a mãe, dona Lindaura, passadeira e lavadeira tinham a educação como um bem supremo. "Filhos meus não respondem e nem desrespeitam professor". Até hoje a desembargadora se emociona ao lembrar dessa passagem de infância. Ela afirma não ter raiva do professor: "Ele acabou servindo como estímulo. Fui à luta e me tornei o que quis".

Longa batalha dias e noites adentro


Trabalhar, estudar e acreditar são os três verbos mais conjugados pela menina: "Perdi minha mãe com quatorze anos, ajudei meu pai a criar os três irmãos, sendo que a caçula tinha dois anos. Foi uma educação com rédea curta e funcionou". Luislinda deu duro nos empregos e nos estudos, passou no vestibular de Direito da Universidade Católica de Salvador - UCSAL. "Eu sabia que conseguiria, pois só me meto em alguma coisa se acreditar que terei êxito. Passados todos esses anos ainda sou assim. Se tenho competência, avanço. Caso contrário, nem tento", ela explica. Os filhos do seu Luiz foram melhorando de vida e um dia um deles passou em um concurso na Petrobras. No mês seguinte, fez um supermercado com o do bom e o do melhor. "Ao ver as compras, meu pai nos chamou e disse: "Meus filhos acabou a miséria nesta casa! Nunca irei esquecer esta frase, como nunca esqueço do meu pai, um homem de uma honestidade imaculada. Ele morreu com 110 anos", ela conta. No mesmo ano em que se formou em Direito, Luislinda prestou concurso para a Procuradoria Federal. Eram apenas quatro vagas. Quando soube do concurso, ela disse: "São apenas três vagas, porque uma já é minha". Não deu outra. A filha do motorneiro e da lavadeira passou em primeiro lugar.

Vida de negra é difícil


Luislinda Valois levou o primeiro lugar, mas não a vaga na Procuradoria da Bahia. Havia um apadrinhado. Ela protestou: "É uma questão de justiça, eu fui a melhor". Não teve jeito, ofereceram a procuradoria em Sergipe ou Paraná. Que ela escolhesse. Um mês depois, Luislinda desembarcou em Curitiba com gato, cachorro, marido e o filho querido, Luís Fausto - hoje promotor de Justiça. "No Paraná, ao contrário da Bahia, me senti uma rainha.

Fiz grandes amigos e aprendi bastante. Foi lá que tive a certeza de que a gente trabalhando consegue muita coisa", ela reflete. Passados seis anos, preocupada com o pai velhinho em Salvador, Luislinda enfrenta mais um desafio: prestar concurso para Magistratura na Bahia. "Quando meu pai leu no Diário Oficial que eu havia passado, quase enlouqueceu de alegria. Ele me recepcionou em sua casa com duas garrafas de cerveja na janela", ela rememora. Uma vez juíza, ela decide revisitar aquele professor que a aconselhou a trabalhar na casa da branca. Procura-o na escola, mas ele havia falecido. Luislinda lutará intensamente para levar a justiça aos moradores de comarcas do interior baiano. "Eu não estou nesta vida para passear. Respeito todo o mundo e dou atenção especial aos PPPs - pretos, pobres e periféricos", ela declara.

Enfim desembargadora

A primeira juíza negra, com cabelos vermelhos e guias de orixás, conquistou, depois de muita batalha - pois como ela diz "negro não tem padrinho" - o título mais alto da Justiça Estadual, o de desembargadora. Tomou posse no Tribunal de Justiça da Bahia, em dezembro de 2011. "Senti felicidade não apenas por mim. Acho que passei o recado para mulheres e homens negros. A mensagem de que eles podem sim assumir cargos de poder. Abri estradas, agora cabe aos mais jovens trilhá-las", afirma com ênfase a filha de Iansã, por sua vez, rainha das ventanias, raios e trovões. Luislinda Valois defende uma justiça honesta e plena, aquela que vai além da mera aplicação da lei. Palavras dela: "Justiça tem que existir na mesma medida para brancos e negros, pobres e ricos. Sem preconceitos e discriminações. Apenas quando o branco e o negro repartirem os mesmos espaços e oportunidades é que o Brasil será feliz".

Fonte:http://www.geledes.org.br/em-debate/colunistas/24425-luislinda-a-iansa-de-toga-por-fernanda-pompeu

Excesso do mesmo, Não aceitação do outro. Texto de Marcelo Silles

MARCELO SILLES
Assistente Social com Bacharel da Universidade Federal Fluminense-Campos/RJ

            Os tambores desbravados rompem com fervor o corredor dos escárnios monopolistas, medíocres conformistas. Todo silêncio é cúmplice. Os conformistas adeptos do seu eu, silenciam-se diante do retrato cru e brutal. Todos os dias deparam-se com figuras que incorporam o espaço físico da comunidade, para eles sem simbologismo ou mera atração representativa. A conivência com o insensível é intrínseca a natureza humana.
            O ser humano foi convertido em um objeto qualquer alheio a toda e qualquer sensibilidade social e racial. Tornou-se algo a repudiar olhares e valores distintos que não assinem a mesma rubrica. Esses bárbaros defensores da insanidade da massa imperativos do “bem” julgam-se arautos da sociedade modelo, meritocrática, casta social e ideal conservador.
            Não conseguem catalisar a lógica da diferença e seus prodígios. São insensatos em retroalimentar ódios sociais e raciais que antes viviam encubados, escondidos raivosos são esses seres que absorvem a cátedra em não aceitar a libertação e conquista do outro, do diferente. Esses seres raivosos, hoje os identificamos a olho nu, na sociedade do “bem”, esbarramos neles todos os dias.
            Os indicadores da realidade nua e crua são claros e objetivos. Apontam para uma sociedade sombria, nefasta que jura piamente não ser racista, excludente, discriminatória. Mas as evidências são perceptíveis e irrefutáveis.
            Carrego o feeling da negritude. Não vivo em África, mas África vive em mim. E com essa paixão pujante, desvencilho e incomodo até mesmo os jabuticabas seres conformistas, servis, subservientes aos ideais pseudo-brancos, são incapazes de identificar uma ação sutil racista e excludente. Não querem enxergar, mas querem se beneficiar dos louros conquistados por guerreiros e guerreiras afrocentrados (as) brasileiros (as). E esses conformistas tentam de todos os setores a fórceps, contornando a realidade, suavizar com uma docilidade tramada adestrar os demais inimigos públicos de seus padrinhos e madrinhas.
            Essa perspectiva fatalista traz um recorte motu próprio com seus axiomas e hábitos discrepantes à catarse nódoa da barbárie. Teoria e prática comungam-se no quotidiano periférico em caminhos tortuosos. Sendo assim, nesse contexto nenhuma luta periférica deve ser desmerecida mesmo quando apropriada pelos meios de comunicação da massa conformista.
            A figura do outro, pelos normais, porta características bestiais. A história brasileira é farta em dubialidades e neo-abstrações que incorporam a cultura popular de massa mantendo a elite dominante no controle dos mecanismos e marginalizando o outro, o diferente..
            A epístola do dia traz a sujeição, generosa, passiva maquiada num discurso filosófico neotomista com paixões insaciáveis hipotéticas, brecando o fortalecimento de uma cultura local e consciente. O senso comum aplaudi a aporia, a banana idílica surge como símbolo do recalque anti-racismo dos sujeitados ao sistema conformista.
            Portanto, quem não segue a regra ditada pela cultura de massa corre o risco de ser banido, apedrejado socialmente. Sofreu uma ofensa recolha-a pra si e a sofra calado, se autofragele.
Hipocrisias a parte, imbecilidade e senso do ridículo é querer que toda uma nação preta aceite esse ato insano e boçal de protesto bananesco, não compactuo com tal atitude de sujeição e conformidade. Se um grupo quer seguir por esses caminhos tortuosos de rejeição identitária tudo bem, mas que os mesmos não venham querer diminuir e desmerecer uma luta preta de séculos contra a opressão que ainda persisti. 4P, a luta continua.