domingo, 2 de dezembro de 2018

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

ÁUDIO DO JUIZ QUE CRITICA GILMAR MENDES. TODO APOIO A ESSE JUIZ.

Como saber se você é um 'racista hipster'. Confie em mim, sou seu amigo negro, conheço os sinais.

Se você ainda não sabe, Zinzi Clemmons, escritora da newsletter feminista de Lena Dunham, anunciou sua demissão no domingo (19), logo depois que Dunham defendeu o colega roteirista e produtor de Girls Murray Miller, acusado pela atriz Aurora Perrineau de estupro. Clemmons disse que ela tinha “cruzado com os mesmos círculos” de Dunham na universidade. “Na universidade, eu evitava essas pessoas como a praga por seu conhecido racismo, que eu chamava de 'racismo hipster'”, ela escreveu.
Nessa era daltônica e pós-racial de white tears, conheço esse tipo intimamente. Eles eram apologistas da hashtag alllivesmatter antes da tempestade. O tipo que acha que Kanye e Drake são seu passaporte para a cultura negra enquanto pedem cafés de oito sílabas no Starbucks. Eles são os mais não-racistas dos racistas. Eles costumam murmurar suas tendências não-raciais para si mesmos à noite, depois que sua turma de amigos brancos fez piada sobre usar a palavra com N: que é normal, né, porque supostamente é irônico; foda-se aquela censura de My Nigga do YG, eles dizem. E claro, eles têm um amigo negro, eu – a chave definitiva de sensibilidade racial que desculpa tudo isso.
É desse hipster racista que Clemmons está falando, e falo pela maioria dos negros quando digo que a gente não gosta de você mais que do redneck que usa “nigga” como uma espada. Mas olha, se você não sabe se a carapuça serve, eu explico quem é uma racista hipster.

Você "até tem amigos negros"

Já fui um desses amigo negro, muitas vezes, e como um racista hipster, você vai precisar de um também. Às vezes nosso papel é o de professor. Você pode nos fazer as perguntas mais ignorantes que você nunca faria para um estranho. Esse é o nosso papel. Questões universalmente irrespondíveis agora podem ser feitas, tipo “vocês adoram mesmo frango frito e melancia tanto assim?” Ao que, entendiado, vou te passar o link de uma piada do Dave Chappelle. Você vai fazer coisas bobas forçadas, como cumprimentar seu amigo negro com o punho fechado, ou dizer com “mano” quando você sabe muito bem, mas ainda ignora o fato, de que você nunca diz “mano”. E você vai usar meu nome como um escudo sempre que disser alguma coisa racista “sem querer”. Claro, você pode esperar que um amigo negro como eu te dê um tapinha nas costas, e repita “você não é racista, você é meu amigo” até você conseguir dormir à noite. E como um homem negro tubo de teste, piadas racistas perto de mim sempre serão livres para experimentação. É olhar de lado, e no momento em que alguém reclamar, você grita “É brincadeira!”

Você adora bancar o advogado do diabo

Se você é branco, as palavras “Sem querer bancar o advogado do diabo...” podem surgir. Talvez seja numa discussão sobre vidas negras, Colin Kaepernick ou supremacia branca; talvez você nem diga nada e prefira se esconder atrás de um artigo de opinião: “Não quero dizer que concordo com isso, mas olha esse link, tem alguns pontos bons, acho”. Só saiba que o que você fez foi perigoso, e beirando a escrotice. É sempre bom reduzir o racismo a só não ter a mesma opinião política que os outros. Uma que tenha uma solução completamente irracional para um dos lados. Você já está sendo dissimulado no momento em que tenta justificar sua lógica sobre segurança negra. Então continue com a ginástica mental e reduza mesmo a supremacia branca e questões assim a um experimento besta de troca. Seja o mais Megyn Kelly que puder.

Você não vê cor

Todo mundo já parece branco pra você, porque a ausência de cor é claramente branca; chata, sem gosto, sem drama e sem tempero. Esse é praticamente um superpoder; não ver cor é ser imune à besteira dessa coisa chamada racismo, que nem existe mais. Você já é melhor que o país onde você mora. Seu mantra “Eu não vejo raça!” desvia acusações, e mesmo no seu silêncio, ouvimos você dizendo isso. Então foda-se essa merda de racismo sistêmico, toda essa merda de #blacklivesmatter. Ignore os problemas reais do seu mundo sem cor, sem conflito, onde todo mundo é igual, porque se você simplesmente ignorar, todo mundo pode sentar numa rodinha de violão e cantar junto.
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Se aproprie, se aproprie mesmo

Ah, agora você está confortável. Você viu aquela velha dança, aquela velha comida, aquele velho penteado e tornou tudo novo em folha. Você vai gentrificar até o osso, e remover o fedor de cultura para tornar essas coisas user friendly para os brancos como você. Se acomodar na palavra “nigga” é um passatempo para você, então pirateie mesmo os negros, os morenos, os asiáticos os indígenas com sua loja online, Uma Raça Única veste todo mundo, cara. Aprenda com a Kylie Jenner aqui, e deixe o seu look mais negro roubando de lojas de donos negros como a PluggedNYC. Empreste, tome e remova. Venha pro jantar sem ser convidado, pegue um prato sem pedir e dê o seu "toque especial” na comida. Porque não tem nada de errado em roubar culturas; como, tipo, também não tem nada de errado em destruí-las.

Você fala de brancos como se não fosse branco

Você está no auge. Você é praticamente preto por dentro. Você pode falar merda do opressor porque não vê problema em “ser” o opressor. Treine dizer “eca, brancos”, enquanto ignora que você é branco. Intelectualmente, você está acima dos sistemas que beneficiam o tipo de pessoa que protesta por direitos dos brancos. E nesse espaço, você pode livremente confundir causas que deveriam beneficiar pessoas não-brancas, enquanto promove as merdas com que você realmente se importa (feminismo branco, direitos dos animais ou gorilas chamados Harambe). E não tem nada mais racista hipster do que se fingir de aliado.
FONTE:https://www.vice.com/pt_br/article/wjg34w/como-saber-se-voce-e-um-racista-hipster

Os africanos que propuseram ideias iluministas antes de Locke e Kant

RESUMO Os ideais mais elevados de Locke, Hume e Kant foram propostos mais de um século antes deles por Zera Yacob, um etíope que viveu numa caverna. O ganês Anton Amo usou noção da filosofia alemã antes de ela ser registrada oficialmente. Autor defende que ambos tenham lugar de destaque em meio aos pensadores iluministas.

Os ideais do Iluminismo são a base de nossas democracias e universidades no século 21: a crença na razão, na ciência, no ceticismo, no secularismo e na igualdade. De fato, nenhuma outro período se compara à era do Iluminismo.
A Antiguidade é inspiradora, mas está a um mundo de distância das sociedades modernas. A Idade Média é mais razoável do que sua reputação sugere, mas ainda assim é medieval. A Renascença foi gloriosa, mas em grande medida graças ao seu resultado: o Iluminismo. O romantismo veio como reação à era da razão, mas os ideais dos Estados modernos não se expressam em termos de romantismo e emoção.
Segundo a história mais contada, o Iluminismo tem origem no "Discurso do Método" (1637), de René Descartes, continuou por cerca de um século e meio com John Locke, Isaac Newton, David Hume, Voltaire e Kant e terminou com a Revolução Francesa, em 1789 —talvez com o período do terror, em 1793.
Mas e se a história estiver errada? E se o Iluminismo puder ser associado a lugares e pensadores que costumamos ignorar? Tais perguntas me assombram desde que topei com o trabalho de um filósofo etíope do século 17: Zera Yacob (1599-1692), também grafado Zära Yaqob.
Yacob nasceu numa família pobre numa propriedade agrícola perto de Axum, a lendária antiga capital do norte da Etiópia. Como estudante, ele impressionou seus professores e foi enviado a uma nova escola para estudar retórica ("siwasiw" em ge'ez, a língua local), poesia e pensamento crítico ("qiné") por quatro anos.
Em seguida, estudou a Bíblia por dez anos em outra escola, recebendo ensinamentos dos católicos e dos coptas, bem como da tradição cristã ortodoxa, majoritária no país.
Na década de 1620, um jesuíta português convenceu o rei Susenyos a converter-se ao catolicismo, que não tardou a virar religião oficial da Etiópia. Seguiu-se uma perseguição aos livres-pensadores, mais intensa a partir de 1630. Yacob, que nessa época lecionava na região de Axum, havia declarado que nenhuma religião tem mais razão que outra —e seus inimigos o denunciaram para o rei.
Yacob fugiu, levando apenas um pouco de ouro e os Salmos de Davi. Viajou para o sul, para a região de Shewa, onde se deparou com o rio Tekezé.
Ali encontrou uma área desabitada com uma "bela caverna" no início de um vale. Construiu um muro de pedra e viveu nesse local isolado para "encarar apenas os fatos essenciais da vida", como Henry David Thoreau descreveria uma vida também solitária, dois séculos mais tarde, em "Walden" (1854).
Por dois anos, até a morte do rei, em setembro de 1632, Yacob permaneceu na caverna como ermitão, saindo apenas para buscar alimentos no mercado mais próximo. Na caverna, ele alinhavou sua nova filosofia racionalista.
Ele acreditava na primazia da razão e afirmava que todos os seres humanos, homens e mulheres, são criados iguais. Yacob argumentou contra a escravidão, criticou todas as religiões e doutrinas reconhecidas e combinou essas opiniões com sua crença pessoal em um criador divino, asseverando que a existência de uma ordem no mundo faz dessa a opção mais racional.
Em suma: muitos dos ideais mais elevados do Iluminismo foram concebidos e resumidos por um homem que trabalhou sozinho em uma caverna etíope de 1630 a 1632.
LIVROS
A filosofia de Yacob, baseada na razão, é apresentada em sua obra principal, "Hatäta" (investigação). O livro foi escrito em 1667 por insistência de seu discípulo, Walda Heywat, que escreveu ele próprio uma "Hatäta" de orientação mais prática.
Hoje, 350 anos mais tarde, é difícil encontrar um exemplar do trabalho de Yacob. A única tradução ao inglês foi feita em 1976 pelo professor universitário e padre canadense Claude Sumner. Ele a publicou como parte de uma obra em cinco volumes sobre a filosofia etíope, que foi lançada pela nada comercial editora Commercial Printing Press, de Adis Abeba.
O livro foi traduzido ao alemão e, no ano passado, ao norueguês, mas ainda é basicamente impossível ter acesso a uma versão em inglês.
A filosofia não era novidade na Etiópia antes de Yacob. Por volta de 1510, "The Book of the Wise Philosophers" (o livro dos filósofos sábios) foi traduzido e adaptado ao etíope pelo egípcio Abba Mikael. Trata-se de uma coletânea de ditados de filósofos gregos pré-socráticos, Platão e Aristóteles por meio dos diálogos neoplatônicos, e também foi influenciado pela filosofia arábica e as discussões etíopes.
Em sua "Hatäta", Yacob critica seus contemporâneos por não pensarem de modo independente e aceitarem as palavras de astrólogos e videntes só porque seus predecessores o faziam. Em contraste, ele recomenda uma investigação baseada na razão e na racionalidade científica, considerando que todo ser humano nasce dotado de inteligência e possui igual valor.
Longe dele, mas enfrentando questões semelhantes, estava o francês Descartes (1596-1650). Uma diferença filosófica importante entre eles é que o católico Descartes criticou explicitamente os infiéis e ateus em sua obra "Meditações Metafísicas" (1641).
Essa perspectiva encontra eco na "Carta sobre a Tolerância" (1689), de Locke, para quem os ateus não devem ser tolerados.
As "Meditações" de Descartes foram dedicadas "ao reitor e aos doutores da sagrada Faculdade de Teologia em Paris", e sua premissa era "aceitar por meio da fé o fato de que a alma humana não morre com o corpo e de que Deus existe".
Yacob, pelo contrário, propõe um método muito mais agnóstico, secular e inquisitivo —o que também reflete uma abertura ao pensamento ateu. O quarto capítulo da "Hatäta" começa com uma pergunta radical: "Tudo que está escrito nas Sagradas Escrituras é verdade?" Ele prossegue pontuando que todas as diferentes religiões alegam que sua fé é a verdadeira:
"De fato, cada uma delas diz: 'Minha fé é a certa, e aqueles que creem em outra fé creem na falsidade e são inimigos de Deus'. (...) Assim como minha fé me parece verdadeira, outro considera verdadeira sua própria fé; mas a verdade é uma só".
Assim, ele deslancha um discurso iluminista sobre a subjetividade da religião, mas continua a crer em algum tipo de criador universal. Sua discussão sobre a existência de Deus é mais aberta que a de Descartes e talvez mais acessível aos leitores de hoje, como quando incorpora perspectivas existencialistas:
"Quem foi que me deu um ouvido com o qual ouvir, quem me criou como ser reacional e como cheguei a este mundo? De onde venho? Tivesse eu vivido antes do criador do mundo, teria conhecido o início de minha vida e da consciência de mim mesmo. Quem me criou?".
IDEIAS AVANÇADAS
No capítulo cinco, Yacob aplica a investigação racional a leis religiosas diferentes. Critica igualmente o cristianismo, o islã, o judaísmo e as religiões indianas.
Ele aponta, por exemplo, que o criador, em sua sabedoria, fez o sangue fluir mensalmente do útero das mulheres, para que elas possam gestar filhos. Assim, conclui que a lei de Moisés, segundo a qual as mulheres são impuras quando menstruam, contraria a natureza e o criador, já que "constitui um obstáculo ao casamento e a toda a vida da mulher, prejudica a lei da ajuda mútua, interdita a criação dos filhos e destrói o amor".
Desse modo, inclui em seu argumento filosófico a perspectiva da solidariedade, da mulher e do afeto. E ele próprio viveu segundo esses ideais.

Depois de sair da caverna, pediu em casamento uma moça pobre chamada Hirut, criada de uma família rica. O patrão dela dizia que uma empregada não estava em pé de igualdade com um homem erudito, mas a visão de Yacob prevaleceu. Consumada a união, ele declarou que ela não deveria mais ser serva, mas seu par, porque "marido e mulher estão em pé de igualdade no casamento".
Contrastando com essas posições, Kant (1724-1804) escreveu um século mais tarde em "Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime" (1764): "Uma mulher pouco se constrange com o fato de não possuir determinados entendimentos".
E, nos ensaios de ética do alemão, lemos que "o desejo de um homem por uma mulher não se dirige a ela como ser humano, pelo contrário, a humanidade da mulher não lhe interessa; o único objeto de seu desejo é o sexo dela".
Yacob enxergava a mulher sob ótica completamente diferente: como par intelectual do filósofo.
Ele também foi mais iluminista que seus pares do Iluminismo no tocante à escravidão. No capítulo cinco, Yacob combate a ideia de que "possamos sair e comprar um homem como se fosse um animal". Assim, ele propõe um argumento universal contra a discriminação:
"Todos os homens são iguais na presença de Deus; e todos são inteligentes, pois são suas criaturas; ele não destinou um povo à vida, outro à morte, um à misericórdia e outro ao julgamento. Nossa razão nos ensina que esse tipo de discriminação não pode existir".
As palavras "todos os homens são iguais" foram escritas décadas antes de Locke (1632-1704), o pai do liberalismo, ter empunhado sua pena.
E a teoria do contrato social de Locke não se aplicava a todos na prática: ele foi secretário durante a redação das "Constituições Fundamentais da Carolina" (1669), que concederam aos homens brancos poder absoluto sobre seus escravos africanos. O próprio inglês investiu no comércio negreiro transatlântico.
Comparada à de seus pares filosóficos, portanto, a filosofia de Yacob frequentemente parece o epítome dos ideais que em geral atribuímos ao Iluminismo.
ANTON AMO
Alguns meses depois de ler a obra de Yacob, enfim tive acesso a outro livro raro: uma tradução dos escritos reunidos do filósofo Anton Amo (c. 1703-55), que nasceu e morreu em Gana.
Amo estudou e lecionou por duas décadas nas maiores universidades da Alemanha (como Halle e Jena), escrevendo em latim. Hoje, segundo o World Library Catalogue, só um punhado de exemplares de seu "Antonius Guilielmus Amo Afer of Axim in Ghana" está disponível em bibliotecas mundo afora.
O ganês nasceu um século após Yacob. Consta que ele foi sequestrado do povo akan e da cidade litorânea de Axim quando era pequeno, possivelmente para ser vendido como escravo, sendo levado a Amsterdã, para a corte do duque Anton Ulrich de Braunschweig-Wolfenbüttel —visitada com frequência pelo polímata G. W. Leibniz (1646-1716).
Batizado em 1707, Amo recebeu educação de alto nível, aprendendo hebraico, grego, latim, francês e alemão —e provavelmente sabia algo de sua língua materna, o nzema.
Tornou-se figura respeitada nos círculos acadêmicos. No livro de Carl Günther Ludovici sobre o iluminista Christian Wolff (1679-1754) —seguidor de Leibniz e fundador de várias disciplinas acadêmicas na Alemanha—, Amo é descrito como um dos wolffianos mais proeminentes.
No prefácio a "Sobre a Impassividade da Mente Humana" (1734), de Amo, o reitor da Universidade de Wittenberg, Johannes Gottfried Kraus, saúda o vasto conhecimento do autor, situa sua contribuição ao iluminismo alemão em um contexto histórico e sublinha o legado africano da Renascença europeia:
"Quando os mouros vindos da África atravessaram a Espanha, trouxeram com eles o conhecimento dos pensadores da Antiguidade e deram muita assistência ao desenvolvimento das letras que pouco a pouco emergiam das trevas".
O fato de essas palavras terem saído do coração da Alemanha na primavera de 1733 ajuda a lembrar que Amo não foi o único africano a alcançar o sucesso na Europa do século 18.
Na mesma época, Abram Petrovich Gannibal (1696-1781), também sequestrado e levado da África subsaariana, tornava-se general do czar Pedro, o Grande, da Rússia. O bisneto de Gannibal se tornaria o poeta nacional da Rússia, Alexander Pushkin. E o escritor francês Alexandre Dumas (1802-70) foi neto de uma africana escravizada e filho de um general aristocrata negro nascido no Haiti.
Amo tampouco foi o único a levar diversidade e cosmopolitismo a Halle nas décadas de 1720 e 1730. Vários alunos judeus de grande talento estudaram na universidade. O professor árabe Salomon Negri, de Damasco, e o indiano Soltan Gün Achmet, de Ahmedabad, também passaram por lá.
CONTRA A ESCRAVIDÃO
Em sua tese, Amo escreveu explicitamente que havia outras teologias além da cristã, incluindo entre elas a dos turcos e a dos "pagãos".
Ele discutiu essas questões na dissertação "Os Direitos dos Mouros na Europa", em 1729. O trabalho não pode ser encontrado hoje, mas, no jornal semanal de Halle de novembro de 1729, há um artigo curto sobre o debate público de Amo. Segundo esse texto, o ganês apresentou argumentos contra a escravidão, aludindo ao direito romano, à tradição e à razão.
Será que Amo promoveu a primeira disputa legal da Europa contra a escravidão? Podemos pelo menos enxergar um argumento iluminista em favor do sufrágio universal, como o que Yacob propusera cem anos antes. Mas essas visões não discriminatórias parecem ter passado despercebidas dos pensadores principais do iluminismo no século 18.
David Hume (1711-76), por exemplo, escreveu: "Tendo a suspeitar que os negros, e todas as outras espécies de homem em geral (pois existem quatro ou cinco tipos diferentes), sejam naturalmente inferiores aos brancos". E acrescentou: "Nunca houve nação civilizada de qualquer outra compleição senão a branca, nem indivíduo eminente em ação ou especulação".
Kant levou adiante o argumento de Hume e enfatizou que a diferença fundamental entre negros e brancos "parece ser tão grande em capacidade mental quanto na cor", antes de concluir, no texto do curso de geografia física: "A humanidade alcançou sua maior perfeição na raça dos brancos".
Na França, o mais célebre pensador iluminista, Voltaire (1694-1778), não só descreveu os judeus em termos antissemitas, como quando escreveu que "todos eles nascem com fanatismo desvairado em seus corações"; em seu ensaio sobre a história universal (1756), ele afirmou que, se a inteligência dos africanos "não é de outra espécie que a nossa, é muito inferior".
Como Locke, Voltaire investiu dinheiro no comércio de escravos.
CORPO E MENTE
A filosofia de Amo é mais teórica que a de Yacob, mas as duas compartilham uma visão iluminista da razão, tratando todos os humanos como iguais.
Seu trabalho é profundamente engajado com as questões da época, como se vê em seu livro mais conhecido, "Sobre a Impassividade da Mente Humana", construído com um método de dedução lógica utilizando argumentos rígidos, aparentemente seguindo a linha de sua dissertação jurídica anterior. Aqui ele trata do dualismo cartesiano, a ideia de que existe uma diferença absoluta de substância entre a mente e o corpo.
Em alguns momentos Amo parece se opor a Descartes, como observa o filósofo contemporâneo Kwasi Wiredu. Ele argumenta que Amo se opôs ao dualismo cartesiano entre mente e corpo, favorecendo, em vez disso, a metafísica dos akan e o idioma nzema de sua primeira infância, segundo os quais sentimos a dor com nossa carne ("honem"), e não com a mente ("adwene").
Ao mesmo tempo, Amo diz que vai tanto defender quanto atacar a visão de Descartes de que a alma (a mente) é capaz de agir e sofrer junto com o corpo. Ele escreve: "Em resposta a essas palavras, pedimos cautela e discordamos: admitimos que a mente atua junto com o corpo graças à mediação de uma união natural. Mas negamos que ela sofra junto com o corpo".
Amo argumenta que as afirmações de Descartes sobre essas questões contrariam a visão do próprio filósofo francês. Ele conclui sua tese dizendo que devemos evitar confundir as coisas que fazem parte do corpo e da mente. Pois aquilo que opera na mente deve ser atribuído apenas à mente.
Talvez a verdade seja o que o filósofo Justin E. H. Smith, da Universidade de Paris, aponta em "Nature, Human Nature and Human Difference" (natureza, natureza humana e diferença humana, 2015): "Longe de rejeitar o dualismo cartesiano, pelo contrário, Amo propõe uma versão radicalizada dele".
Mas será possível que tanto Wiredu quanto Smith tenham razão? Por exemplo, será que a filosofia akan tradicional e a língua nzema continham uma distinção cartesiana entre corpo e mente mais precisa que a de Descartes, um modo de pensar que Amo então levou para a filosofia europeia?
Talvez seja cedo demais para sabermos, já que uma edição crítica das obras de Amo ainda aguarda ser publicada, possivelmente pela Oxford University Press.
COISA EM SI
No trabalho mais profundo de Amo, "Treatise on the Art of Philosophising Soberly and Accurately" (tratado sobre a arte de filosofar com sobriedade e precisão, 1738), ele parece antecipar Kant. O livro trata das intenções de nossa mente e das ações humanas como sendo naturais, racionais ou de acordo com uma norma.
No primeiro capítulo, escrevendo em latim, Amo argumenta que "tudo é passível de ser conhecido como objeto em si mesmo, ou como uma sensação, ou como uma operação da mente".
Ele desenvolve em seguida, dizendo que "a cognição ocorre com a coisa em si" e afirmando: "O aprendizado real é a cognição das coisas em si. E assim tem sua base na certeza da coisa conhecida".
Seu texto original diz "omne cognoscibile aut res ipsa", usando a noção latina "res ipsa" como "coisa em si".
Hoje Kant é conhecido por seu conceito da "coisa em si" ("das Ding an sich") em "Crítica da Razão Pura" (1787) —e seu argumento de que não podemos conhecer a coisa além de nossa representação mental dela.
Mas é fato sabido que essa não foi a primeira utilização do termo na filosofia iluminista. Como diz o dicionário Merriam-Webster no verbete "coisa em si": "Primeira utilização conhecida: 1739". Mesmo assim, isso foi dois anos depois de Amo ter entregue seu trabalho principal em Wittenberg, em 1737.
À luz dos exemplos desses dois filósofos iluministas, Zera Yacob e Anton Amo, talvez seja preciso repensarmos a Idade da Razão nas disciplinas da filosofia e da história das ideias.
Na disciplina da história, novos estudos comprovaram que a revolução mais bem-sucedida a ter nascido das ideias de liberdade, igualdade e fraternidade se deu no Haiti, não na França. A Revolução Haitiana (1791-1804) e as ideias de Toussaint L'Ouverture (1743""1803) abriram o caminho para a independência do país, sua nova Constituição e a abolição da escravidão.
Em "Les Vengeurs du Nouveau Monde" (os vingadores do novo mundo, 2004), Laurent Dubois conclui que os acontecimentos no Haiti foram "a expressão mais concreta da ideia de que os direitos proclamados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, eram de fato universais".
Nessa linha, podemos indagar se Yacob e Amo algum dia serão elevados à posição que merecem entre os filósofos da Era das Luzes.
FONTE:http://m.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/12/1945398-os-africanos-que-propuseram-ideias-do-iluminismo-antes-de-locke-e-kant.shtml?mobile

LIBERDADE PARA TODAS PRESAS MÃES COM FILHOS PEQUENOS.


Se o Gilmar Mendes soltou Adriana porque seus filhos pequenos precisam da presença da mãe, então que soltem todas as mães com filhos pequenos.
A mesma Lei não é para todas?



sábado, 23 de dezembro de 2017

Bruprec Engatilhado CD Rap de Quebrada .

Projeto de lei que multa mendigos que pedirem dinheiro é aprovado em cidade de SC

Vereadores de Balneário Camboriú, no Litoral Norte catarinense, aprovaram projeto de lei que prevê multa de R$ 500 a R$ 2 mil para moradores que rua que estiveram pedindo dinheiro nos semáforos da cidade, conformou mostrou o NSC Notícias.
Também deverão ser multados, conforme a proposta, vendedores e artistas de rua. Não estão incluídos os pedágios feitos por entidades sem fins lucrativos.
A justificativa do projeto, de autoria do vereador Marcos Augusto Kurtz (PMDB), é que essas pessoas representam um perigo ou obstáculo para o trânsito. A proposta prevê que a primeira medida é uma advertência e, depois, será feita a cobrança.
O projeto ainda precisa ser sancionado pelo prefeito Fabrício de Oliveira (PSB) para virar lei. Mas, conforme informado pela Direção de Fiscalização da prefeitura à NSC TV, a aplicação da proposta é inviável.
FONTE:https://falandoverdades.com.br/projeto-de-lei-que-vai-multar-mendigos-e-aprovado-em-cidade-de-sc/

Há 20 anos, o Racionais uniu todas as quebradas com 'Sobrevivendo no Inferno'

Em 1997, o grupo paulistano mudou do avesso a MPB e fez Brasil definitivamente perceber que o "rap é o som". Artistas comentam a importância do álbum em suas vidas e obras.

No final dos anos 1990, tinha uma coisa obrigatória na escola em que eu estudei: saber todas as letras do Sobrevivendo no Inferno do Racionais MC's. A parada era tão séria que se alguém passasse a bola pra você de uma letra e você gaguejasse era lona. Tomava uns tapas na cabeça para largar de ser vacilão. Olhando para isso hoje, há exatos 20 anos do lançamento oficial do álbum, alguns podem meter o papo do "que absurdo", "que agressividade". Se pá era mesmo, mas foi o jeito bastante hormonal que encontramos de cultuar uma das maiores obra-primas da música brasileira. Uma arte, que diferentemente do que as rádios nos apresentavam no período pré-internet, falava direto com a gente, citava os bairros que conhecíamos, histórias comuns no cotidiano de qualquer quebrada.

Se eu ouço o beat de "Capítulo 4, Versículo 3" até hoje fecho a cara, fico bicudão — porque é o jeito certo de ouvir — e canto, canto lá no fundo da alma como se os moleques da escola ainda estivessem do meu lado para conferir se eu sei a letra toda ou então eu espero aquela banca de brothers das antigas colando do lado pra gente cantar abraçado como se estivesse num show, naquele pique Wu Tang Clan.
Não sei quantificar quantas vezes eu ouvi um carro rebaixado passar do meu lado com o "Diário de um Detento" no talo e lá dentro dois, três maninhos fechando a cara para a sociedade. Quantas vezes passei em frente ao Carandiru — "apressado, católico" — pensando neste som e nos "cidadãos José" lá dentro. Que inferno, que bagulho pesado, os caras balançando as pernas nas grades, matando o tempo para não morrer lá dentro.
Este disco é um dos mais importantes para as quebradas, para mim, para os meus amigos e para mais milhões de moleques que saíram das bordas para o mundão.
Oshow de lançamento foi no ginásio do Corinthians, na Zona Leste de São Paulo, depois de o disco já ter estourado nas lojas há quase um mês. Sobrevivendo no Inferno alcançou o disco triplo de diamante com 1,5 milhão de cópias vendidas apesar de ser lançado pela Cosa Nostra, uma gravadora independente e bem de rua.
O álbum ainda tem umas curiosidades meio surreais, tipo ter parado na mão do Papa Francisco. Em 2015, o Haddad, então prefeito de São Paulo, presenteou a Santidade com uma cópia — que anda bem cara — do LP. Se você passar pelo Vaticano e ouvir "Tô Ouvindo Alguém me Chamar" agora já sabe o motivo. Não sei se o papo do prefeitão com o Papa rolou por causa da capa gótica, assinada pelo Marcos Marques, com uma cruz que reproduz uma tatuagem do Mano Brown, mas a questão é que está lá e virou um símbolo tão significativo quanto os versos de "Mágico de Oz".
E assim como eu, abaixo, tem mais um monte de gente que tem algo a dizer sobre os 20 anos do Sobrevivendo no Inferno, o álbum que levou um clipe de muitos minutos à MTV, que apresentou nossos bairros, que falou diretamente com a gente e que nos representou.
Chamamos uma galera do rap tão emocionada quanto eu para falar sobre o disco. Choremos todos:

DJ Nato PK

Lembro que quando saiu o disco eu estava cursando o Senai em São Bernardo do Campo, tinha 16 anos e eu estava no início da discotecagem. Ouvia todo dia. Um ponto importante pra mim, além de todo conteúdo dessa obra, foi o emprego do KL Jay nos scratches com frases, ele era mais um rimando, mas com os toca-discos (a música "Periferia é Periferia" não me deixa mentir), tanto que me roubou mais ainda a brisa ao ver eles executarem no show ao vivo essa música com os scratches. Foi uma forma de conhecer outros raps devido a essas frases, e trago essa ideia comigo até hoje na composição de refrões com meus scratches.

Drik Barbosa

Lembro que meus tios, que eram meus vizinhos na época, estavam ouvindo o disco e fiquei impactada. Aprendi a gostar de rap ouvindo o que eles ouviam e cada música deste disco era tipo um filme, só que eu sabia que eram histórias reais. Muito jovem, eu não sabia ainda explicar de que forma os versos me tocavam. Hoje entendo que é porque tudo o que vi crescendo na quebrada, eles transformaram em música, eles falavam por quem não podia falar, sobre as tretas, a violência, a fé. Da mesma forma, eu procuro falar sobre as minhas vivências nas músicas, as boas e as ruins. Racionais me fez pensar, questionar e me inspira a seguir rimando pelo que acredito.

Nego Gallo

É importante pra caramba, porque mudou naquele momento a forma de se falar, de se escrever e pensar rap no país. É um ícone. É importantíssimo desde a introdução e a forma como ele interpreta aquela oração, por "Qual Mentira Vou Acreditar", uma música importante pra mim, porque dava muitas indicações a um jovem negro de como as coisas aconteciam. Era uma outra forma de se falar. A gente só tem a agradecer pela contribuição que o Racionais deu todos esses anos a essa cultura. É importante reconhecer o processo e seguir aí buscando a fórmula mágica da paz.

Rael

Eu me lembro que começa com "Jorge da Capadócia" e é uma oração que parecia que todo jovem negro de periferia tinha que ouvir. Naquela época, o índice de morte nas periferias estava num nível muito alto, nos eventos de rap que tinham às vezes morria gente, polícia matava na porta do bar ou o próprio segurança da festa, ou tinha treta lá dentro, então aquilo era como uma oração para blindar a gente na rua. Depois vinha "Gênesis" e, na sequência, as estatísticas dos jovens que morriam, no interlúdio do Primo Preto antes da "Capítulo 4, Versículo 3". Só esse começo pra mim mostrou que parecia que o Brown vivia em todas as favelas do Brasil, ele narrou a história de várias quebradas ao mesmo tempo. Embora ele seja do Capão Redondo, parecia que ele estava conectado com todas as favelas e estava falando tudo o que tava acontecendo. Na minha carreira acarretou, porque eu senti a necessidade de também falar sobre essas coisas, preciso também contribuir com o rap de alguma maneira, preciso fazer isso, me envolver nisso. Aí comecei a ir mais em show, me aprofundar mais neste discurso e nessas coisas que ele estava falando. É um disco icônico, clássico e que levou o Racionais para outro nível.

Filipe Ret

Sobrevivendo no Inferno, pra mim, é o álbum número um de relevância no rap nacional. Pra mim ele é a bíblia do rap nacional, o disco mais importante sem sombra de dúvidas. Lembro até hoje da organização das faixas, a terceira faixa ser a faixa mais pesada, que é "Capítulo 4, Versículo 3", que eu tenho certeza que moveu e transformou muita gente do rap. A energia que aquele disco tem é muito forte. "Fórmula Mágica da Paz", que é a faixa 11, tem um tom de final. Toda a estrutura do disco eu tenho na minha cabeça. Talvez tenha sido o primeiro disco que eu ouvi como disco mesmo, escutei todas as faixas, gostava da capa. Tem uma história curiosa desse disco, que é que todos os discos que passavam pela minha mão rachavam, quebravam. Parecia que o disco tinha uma energia tão forte que eu via muita gente com o disco quebrado. Ele quebrava. Eu tenho certeza que a maioria desses MCs que hoje vingaram no rap nacional, a imensa esmagadora maioria, foi transformada pelo Sobrevivendo no Inferno. A energia do Mano Brown e do Edi Rock, os samples que usaram de soul antigo são sensacionais, muito bem feitos. E foram lançados numa época sensacional, com a energia certa. É o disco número um do rap nacional eternamente, na minha visão.

MC Papo

Esse disco foi a explosão! "Diário de um Detento" vencendo prêmio de melhor clipe, "Capítulo 4, Versículo 3" sendo executada ao vivo na MTV no VMB… Eu cresci ouvindo "Fórmula Mágica da Paz" como um mantra. Sem esse disco, com certeza eu não seria o artista que sou hoje.

Eduardo Brechó

Brechó molecote no show do Racionais em 1998. Foto: Keila Marques

Sobrevivendo no Inferno foi um disco que eu esperei ansiosamente. Até então, eu não conhecia essa sensação do que era esperar um disco do Racionais e foi uma sensação que me acompanhou em toda a minha vida adulta. É quase que um motorzinho para me manter vivo e começou neste álbum. Já era um tempo muito longo quatro anos. A gente era fissurado no Raio-X do Brasil. "Fim de Semana no Parque" e "Homem na Estrada" foram as músicas que realmente faziam sentido pra mim e já eram os hinos da minha vida. Eu tive a oportunidade de ir a um show do Racionais antes deles lançarem o Sobrevivendo no Inferno e tive a oportunidade de ver eles cantarem "Capítulo 4, Versículo 3" e "Fórmula Mágica da Paz", isso foi na Zoom, em Ribeirão Preto. Já eram hinos antes de ser lançadas.
Eu lembro de ir na loja do Maninho e Klebinho, que eram dois caras do rap lá em Ribeirão Preto, no dia que chegou o disco e começou a tocar "Fórmula Mágica da Paz" e não era daquele jeito e eu lembro que foi uma decepção muito grande pra gente. Aí o Maninho tentou passar um pano e falou: "ô, veio mais gangsta", só que conceitualmente aquilo ali pra mim não fazia muito sentido.
A gente recortava todas as reportagens que saíam de rap e começou a aparecer muito mais coisas do Racionais. Os nossos ídolos demoravam muito para aparecer na imprensa e isso mudou com o Sobrevivendo no Inferno. É um álbum que tem uma maturidade sobre o que é aquela língua da rua. Mudar de 50 mil manos para um milhão de manos, 10 milhões de manos, a gente sentiu isso no dia a dia.
Quando "Diário de um Detento" estourou naquela coisa de os boys quererem ser malandro ouvindo Racionais ficava aquele ranço, eu me lembro disso, porque é um disco que foi responsável por popularizar o acesso ao Racionais, ele levou para outras camadas da sociedade. Uma mudança de mercado e de comportamento do jovem de classe média, mas o show do Racionais nessa época o bicho ainda pegava demais, era perigoso mesmo. Eu fui no show de lançamento do disco em Ribeirão, em 1998, eu tava lá.
Os mais velhos dizem que "Pânico na Zona Sul" foi um marco para as pessoas entenderem o que elas eram, mas Sobrevivendo no Inferno trazia uma estética muito própria com palavras que só a gente entendia e uma atitude que a gente se reconhecia naquilo.

niLL

Sobrevivendo no Inferno, pra mim, é um manual. É um manual de como ser uma pessoa negra num país racista. É um manual de sobrevivência. Então é um bagulho importante pra caralho. Quando eu ouvi de primeira não tinha muita noção da parada que ele tava visando, ouvia mais por causa das ideias cotidianas. Daí, quando você cresce, você começa a enxergar os problemas reais. Mas é um dos meus discos favoritos. Vai passar mais 20, mais 40, mais 60 anos e nêgo vai estar ouvindo e ainda vai estar fazendo sentido.

Flip

Sobrevivendo no Inferno eu via muita gente falando, via a capa por aí. Na época, eu vinha bastante pro centro da cidade ir atrás de CD pirata de Playstation e vi numa barraquinha a cinco reais o disco. Eu comprei, e na época eu tava bem punk rock, skatista, hardcore. Vi a capa e achei que viria um disco bem Facção Central. Na hora que eu coloquei pra rodar, que começou "Jorge da Capadócia", fiquei de cara. Já gostei de cara porque é muito música. No meio tem uns rapzão que eu ouvi pra caralho, sei cantar de cabo a rabo todas as letras de todas as faixas. No final, quando ouvi "Fórmula Mágica da Paz", foi outro baque porque ela é muito "musical" também, aquele sample bem arranjado, o Brown numa levada bem funk. Superou minhas expectativas. Eu tava esperando um disco de rap sangrento. E as letras eram bem religiosas. Achei louco, quebrou um paradigma que tinha na minha cabeça. "Diário de um Detento" é uma música que eu ouço até hoje direito porque o jeito que o Brown rima — não só nessa, mas em outras faixas também — eu me inspiro muito. É uma parada simples de pergunta e resposta. Isso dá uma objetividade pra mensagem que você quer passar. O Edi Rock também chegou monstro nesse disco.
Ao mesmo tempo que tem música pesada, depressiva, de storytelling pesado, como "Tô Ouvindo Alguém Me Chamar", tem umas bem descontraídas, como "Qual Mentira Vou Acreditar?". Ela fala de racismo de um jeito descontraído, meio que achando graça. E eu achei isso muito foda. Até hoje isso me inspira. Minha filosofia é essa: o racismo é tão ridículo que em qual mentira vou acreditar?
Eu chapei muito, desde sempre. Perdi o CD pirata e comprei outro, várias vezes. Depois baixei, já tive em fita, de tudo quanto era jeito. Na época eu via muita MTV e gravava os clipes que eu mais gostava pra ver depois. Lembro que saiu um Racionais ao vivo na MTV, e eu gravei e ficava vendo e prestando atenção na postura de palco. Nessa época eu nem pensava em ser rapper, tava na onda punk rock, hardcore, skate, bate-cabeça. Só que eu já tava começando a me inclinar pro rap, e foi da hora eu curtir Racionais e o Sobrevivendo no Inferno sem a pretensão de ser rapper. Hoje em dia tem muito moleque que já começa a ouvir rap e já entra em batalha, já ouve rap com ouvido de rapper. E é diferente.
Resumindo, o Sobrevivendo no Inferno foi importante pra eu ser rapper, é até hoje, me inspiro ainda na forma de escrever do Brown. O disco é importante porque tem a parte bem "música", bem funk, tem a parte muito rap, tem a parte storytelling, tem a parte pesada e depressiva, e tem a parte mais importante, que é a que fala do racismo. Fala de um jeito descontraído, isso era muito foda e é até hoje.

Foto da sessão para a capa do Sobrevivendo e que foi parte da exposição desse ano em homenagem às três décadas do grupo. Foto: Klaus Mitteldorf

Rico Dalasam

"Fórmula Mágica da Paz" foi o som que abriu minha cabeça pras várias fitas. Eu tinha 8 pra 9 anos e nos anos seguintes essa música me acompanhou e coincidia com as coisas que eu começava a viver na pele ali na periferia da Zona Sul e cada quebrada que eu ia nos meus primeiros passeios pela ZS que eram citadas nesse e em outros sons desse disco. Pra mim era como se eu estivesse em Jerusalém, andando nos lugares que Jesus andava. Cabeça de adolescente preto é um filmão!

Ogi

Esse disco do Racionais é o que tem de mais forte na minha memória afetiva. Ele saiu quando eu tinha 17 anos, ali na minha adolescência, e numa época que eu tinha parado de pixar. Voltei a fazer o rolê no ano seguinte, fui viajar pros Estados Unidos e, quando eu voltei, todos os meus camaradas do pixo tavam cantando isso. Principalmente a "Fórmula Mágica da Paz", que começou a circular com outro beat. E isso marcou o rolê. Tanto que todos os caras daquela época da pixação, quando colocam essas músicas, às vezes até choram porque teve uns amigos que morreram nessa época. O Goiabinha sempre escrevia alguma coisa da "Fórmula Mágica da Paz". Tem um vídeo dele escrevendo “só Deus sabe a minha hora”, que é uma frase desse disco.
As músicas que eu piro mais são "Capítulo 4, Versículo 3", que o Primo Preto vem falando dos dados e manda o "aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente." E aí entra o Brown. Mano, tem vários punchline. É foda. Depois tem "Tô Ouvindo Alguém Me Chamar", que é uma puta música foda também. Essas duas me marcaram muito. "Diário de um Detento" também, porque a gente fez muito rolê ali praqueles lados da Zona Norte, Carandiru, eu tinha família que morava lá em Santana, e sempre ficava olhando pra cadeia e imaginando como devia ser foda. É uma coisa bem marcante desse disco. "Qual Mentira Vou Acreditar?" também. Essa música sempre me pegava, porque tinha muito a ver com esse rolê. E "Mágico de Oz", também, do Edi Rock, que é muito foda. E "Fórmula Mágica da Paz". Esse disco é praticamente completo na questão de eu gostar das faixas. Sempre vai ter essa memória afetiva muito forte pra mim. Talvez ele não tenha sido tão importante na minha libertação quanto foi oHolocausto Urbano, mas é o que tem a memória afetiva mais forte, o que eu canto de cabo a rabo todas as letras.

Neto (Síntese)

Sobrevivendo no Inferno foi o beabá da minha vida. Eu conheci tinha uns sete anos de idade, mais ou menos no ano 2000, 2001. Entrou junto com a cultura hip hop na minha vida, pelos meus primos um poucos mais velhos que eu. Eles moravam na rua de cima da minha casa e começaram a colar com uns caras mais velhos, virar mortal, dançar break, ouvir rap. Eu lembro que ia assistir eles dançarem o break deles e ouvirem aquelas músicas, os breakbeat, os raps. E no meio disso chegou na minha mão o Sobrevivendo no Inferno. Piratão, com a capa roxa, não era nem preta. No outro dia, fui comprar o CD na feira na esquina de casa.

O bagulho acompanhou minha vida, foi o que eu aprendi antes de aprender qualquer outra coisa. Foram todas as primeiras letras que eu aprendi a cantar de cor. Fora a moda de viola, os sertanejos do meu pai, e as MPB da minha mãe, o Racionais é a música que eu lembro de ter o primeiro contato. A gente pensava muito no bagulho, tentava imaginar como eram os caras, como eles trocavam ideia, como eles viviam. Isso a gente criança, com oito, dez, doze anos. E a gente vivendo uma realidade parecida, mas sendo uns moleques de interior, vivendo em outro ambiente. Mas com o mesmo sentimento, a mesma energia. Pra época, foi a coisa mais revolucionária que aconteceu. Depois se consolidou muito, terminou de se expandir, de se fazer entender, no Nada Como um Dia. Mas o Sobrevivendofoi a parada mais forte que teve, guiou a minha infância, me fez entender que era o rap que falava sobre a realidade. Era gente sensível levando a vida a sério, vendo todas aquelas mazelas do terceiro mundo. Foi o que me situou, me ajudou a me reconhecer por gente.
Acho que esse disco tem uma importância parecida pra gente da minha geração, que teve o rap passado meio que de família, dos malandros mais velhos da quebrada. Era literalmente a Bíblia. A Bíblia e o revólver. Tudo junto, a igreja de um lado, o bar do outro, e o chão de terra onde o sangue não seca. Eu acho que aquilo foi uma ilustração fiel do cenário que o Brasil passava nos anos 90, e poder ouvir aqui em São José dos Campos, ir crescendo e ir entendendo o que você tá falando naquelas letras que você canta de cor, é uma função de trazer a luz. De fazer você se reconhecer como gente. E de alguém a quem você dá atenção, de quem você confia na narrativa.
Tô aqui na comunidade da Santa Cruz, ouvindo "Fórmula Mágica da Paz", e o bagulho fala com o nosso coração até hoje. Dá um rumo de realidade até hoje em frente a tudo que acontece, frente ao opressor, frente aos nossos iguais. E acima de tudo é a música, a cultura, o balanço, a musicalidade, o jeito de cantar, a emancipação mental. Uma das coisas mais importantes que aconteceu na minha vida foi conhecer o Sobrevivendo no Inferno. O rap nacional em si, a cultura hip hop. Salvando vidas. Salvando mentes.

Delatorvi

Pra mim os 20 anos de Sobrevivendo no Inferno significam um legado. Foi como se fosse um grito de Rosa Parks, do próprio Emmet Till, pra mostrar que apesar de estarmos sendo mortos, estamos vivos. Sobreviver no inferno é algo aparentemente tão controverso mas tão real pra jovens negros periféricos. E pensar que de 97 a 2017, pouca coisa mudou pra gente. E o pouco que mudou foi por merecimento nosso, nunca visão do mérito deles. Deles entenderem o quanto a gente lutou pra sobreviver. "Vários patrícios falam merda, pra todo mundo rir...haha! Pra ver branquinho aplaudir", dá pra refletir vendo os Bruno Fabils e Danilo Gentilis da vida lucrando monetariamente na área do "humor". Esse disco é uma voz contra a normatização do racismo que esses caras perpetuam.
Esse disco mudou vidas, até pra fazer a ponte pro lado mais comercial que seria oNada Como um Dia após o Outro Dia. Mesmo cantando problemáticas, ele traz vontade de vencê-las.
Os Racionais são referências, e pra mim é o melhor disco da história do rap nacional. Principalmente pela "Capítulo 4, Versículo 3", destaques pros três versos juntos, do Ice Blue, Edi Rock e do Brown. Alternância de flow, ser uma storyteller, e um som tão grande que me agrada de ouvir ainda. Tecnicamente, socialmente e historicamente perfeito. A melhor música do rap nacional.

Juca Guimarães (jornalista)

O disco é revolucionário porque ele mostra um amadurecimento muito forte da banda como grupo — você percebe que eles estão mais unidos, as letras estão mais contundentes. É um grupo que chegou na maturidade, um álbum que tem uma identidade marcada. É um disco que foi feito sem dúvidas, um disco certeiro: pensado, planejado, e executado. Não tem aquele negócio da banda que está a muito tempo junta nem da banda inexperiente; eles eram malandros que já estavam por dentro do que eles queriam. Foi um recado bem claro.
Sobrevivendo no Inferno é uma radiografia, é um raio-x de um momento específico do Brasil e do mundo. 97, 96, final de década. Plano Real tava há uns três anos funcionando, a economia tendo certa melhora mas ainda mostrando muita desigualdade. Uma certa insegurança, uma violência crescente. Isso tudo tá no disco. O disco tem todas essas características que indicam que o inferno existe, que ali tinha um inferno. E eu acho que tudo isso é discutido nas faixas do disco: são 11 faixas que abordam problemas, situações contundentes, e uma rima e uma poesia muito bonitas. De um lado é cruel, mas o jeito que o disco foi composto tem muita beleza, uma lírica ácida e humana que eu gosto bastante.
Eu vi dois grandes shows dessa turnê, um logo depois do lançamento e um mais pra 2001. E é muito legal ver a evolução da banda nesse período, como eles dominaram bem tocar essas músicas ao vivo. É um disco muito bom de estúdio, mas todas as faixas ao vivo ganham um peso, uma cor, uma vibração muito grande. Isso é mérito da banda também. Fazer uma turnê muito boa com um disco muito bom.

Don L

Meu chapa, tenho que dizer é difícil resumir em poucas palavras o que esse disco representa. É difícil falar desse disco sem falar das histórias sobre Racionais de fora dos palcos, que vão muito além das músicas. De como os caras, estando entre os artistas de maior sucesso do país depois desse disco, ainda tinham representantes exclusivos em cada cidade ,que era quem podia falar com Racionais, produzir show dos caras, distribuir o CD deles nas lojas, e que sempre era um cara preto ou morador de favela. De como os caras sempre fundiram a música, o discurso, a vida, e a atitude fora dos palcos. E de como a partir desse disco ficou mais claro que tão importante quanto o que Racionais fez pra ser o que eles são, foi o que eles não fizeram. Os "nãos" inéditos que o Racionais deu pro Brasil branco. Isso foi outra coisa sem precedentes. Sobrevivendo no Infernoos consolidou como os caras que iam suprir uma carência brasileira de um Marcus Garvey, um Malcolm X, um Public Enemy e um 2Pac. Talvez mais do que isso ao mesmo tempo, por terem feito o papel de todos esses caras juntos, levando o movimento negro e a luta de classe pra favela em um nível sem igual. Muito moleque de favela que tem 17 anos hoje em dia, que nem era nascido quando esse disco foi lançado, conhece e muito provavelmente sabe cantar as músicas, que permanecem totalmente atuais e relevantes. Olha, só eu já tô me estendendo aqui e não acho que eu consegui exprimir 10% do que esse disco representa, então vou resumir aqui dizendo o seguinte: eu acredito que esse disco seja a obra mais importante da cultura brasileira, pelo menos no meu tempo de vida.

DJ Marco

Este disco ajudou a elevar a autoestima da juventude afrodescendente brasileira do final dos anos 90. Abriu discussões sobre o problema do racismo covarde que existe no brasileiro. Denunciou o extermínio dos jovens pretos no Brasil causado principalmente pela polícia. Este disco serve de referência e despertou o sonho de ser MC/DJ de vários artistas que estão na ativa hoje. Estabeleceu a indústria hip hop no Brasil, abriu o mercado de vendas para discos, moda e shows. Também incentivou a independência de outros grupos, bandas, músicos.

Diomedes Chinaski


O Sobrevivendo no Inferno representa tudo na minha vida. Eu comecei a escrever rap quando fui na casa do meu primo em João Pessoa e ele tava ouvindo esse disco e o Ao Vivo em João Pessoa do Racionais. Este álbum me mostrou que era possível fazer música sem apenas falar de coisas fúteis, porque o que eu tava acostumado a ouvir em rádio era só música sobre amor, etc. Eu sempre quis compôr, mas não queria escrever sobre aquilo, mas quando ouvi o Sobrevivendo no Inferno percebi que era possível fazer uma música que tivesse análises mais profundas sobre a sociedade. Só que ele é ainda mais importante do que isso: ele é o disco que ensinou sociologia para as periferias do Brasil. Nenhum sociólogo conseguiu fazer isso, nenhum intelectual, ninguém. Não existe nenhum livro de literatura, de sociologia, antropologia ou do caralho que for mais relevante do que o álbum Sobrevivendo no Inferno.
FONTE:https://www.vice.com/pt_br/article/vbyd4j/sobrevivendo-no-inferno-20-anos-racionais-mcs-depoimentos?utm_source=fbad