quarta-feira, 22 de junho de 2016

Criola, Espelhos do Racismo


Os racistas que se escondem atrás dos teclados foram expostos por meio da campanha “Espelhos do Racismo”, lançada pela ONG Criola e criada pela W3haus. O case faturou, até o momento, dois Leões de Bronze, em PR e Outdoor, respectivamente.
Não é um simples bronze. É um bronze que vale ouro. Primeiro porque o Leão de PR é o primeiro da história da W3haus, o que é sadio para um mercado acostumado a outros nomes. Mas o mais importante é a causa. “Mas é uma campanha para ONG”, so what? Há tantas campanhas para ONGs que podem inspirar os clientes varejistas. O próprio uso de dados feitos para o case pode ajudar – e muito – a vender mais.
Mas isso não importa aqui. Pelo menos, não agora. É hora de reverenciar o grande trabalho da W3 que jogou luz sobre um problema tão presente no Brasil. Um problema que teimamos em esconder, que não é discutido como deveria.
É  impressionante como em 2016, pleno século XXI, ainda vemos e ouvimos casos de racismo por aí. E como se não bastasse as situações cotidianas presenciadas nas ruas de todo o país, agora ele vem se intensificando na Internet, um campo seguro para os covardes que muitas vezes se escondem por trás de um perfil falso nas redes sociais.
Recentemente tivemos dois casos que por se tratarem de pessoas famosas vieram rapidamente a tona na mídia de massa. Em Julho de 2015, a repórter do tempo do Jornal Nacional, Maria Júlia Coutinho, foi acidamente atacada por um grupo de fakes. No mês anterior a esse, tivemos a atriz Taís Araújo, que da mesma forma, foi xingada de todas as formas simplesmente por ser negra.
Em ambos os casos, os responsáveis estão sendo investigados e punidos quando encontrados. Mas confesso que quando eu soube fiquei me perguntando: “E se elas não fossem pessoas públicas, será que teriam o mesmo fim? Será que seria divulgado da forma que foi?
Provavelmente não, e isso é bem triste, pois sabemos que todos os dias casos assim acontecem com anônimos, homens e mulheres, que “perderam” os direitos humanos por terem uma cor de pele diferente.
Há algumas campanhas que você precisa guardar momentos-chave num lugar especial da mente. Faça um favor a si mesmo: veja o fim do vídeo, com o pedido de desculpas do racista, e guarde esta cena naquele lugar especial do cérebro.
FONTE:http://www.ceert.org.br/noticias/comunicacao-midia-internet/12132/criola-espelhos-do-racismo

RZO LANÇA SINGLE E CLIPE EM PARCERIA COM BONE THUGS-­N­-HARMONY


O videoclipe “Paz em Meio ao Caos” estreia sexta-feira, dia 24 de junho, e conta com a participação de Milhem Cortaz, João Gordo, DBS e Ice Blue
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Os fãs de hip hop já podem comemorar: o RZO lança em seu canal do YouTube, nesta sexta-feira (24/06, às 16h), o aguardado videoclipe e single “Paz em Meio ao Caos”, parceria com os rappers norte-americanos do Bone Thugs-N-­Harmony. É a primeira vez que um grupo brasileiro grava com uma das maiores lendas do rap mundial. O teaser pode ser conferido abaixo:


A colaboração inédita desses dois ícones do rap é fruto de um encontro que aconteceu em 2015, quando o Bone Thugs veio ao Brasil para uma série de shows. Identificados com a produção e a levada do grupo de Pirituba, os norte-americanos aceitaram o convite para participar da gravação da música, que começou antes mesmo de virem ao Brasil. Além de proporcionar um show histórico do Bone Thugs com participação do RZO, o encontro rendeu também boa parte das cenas do videoclipe, gravadas na Favela do Paquetá, em Pirituba. O single ficará disponível com exclusividade no Spotify por uma semana, a partir de sexta-feira. A faixa integra o novo álbum do RZO (sigla para Rapaziada da Zona Oeste), com lançamento previsto para setembro.
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Dirigido por Paulinho Caruso, da O2 filmes, o clipe de “Paz em Meio ao Caos” capta bem o clima de tensão da música ao fazer um recorte da gritante desigualdade social que afeta principalmente o morador das periferias brasileiras. Na tela, os rappers do Bone Thugs aparecem desfiando suas rimas em cima da batida do DJ Cia, com Sandrão, Helião, Negra Li, Nego Jam e Calado dando o recado em versos contundentes. Os personagens da história são interpretados pelos atores Milhem Cortaz (“Tropa de Elite”, “Carandiru”) e Marcos ‘Kikito’ Junqueira (“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite 2”), o apresentador João Gordo e os rappers DBS e Ice Blue (Racionais MC’s).
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Confira o Making Of feito pelo Portal Rap Nacional:


Um dos mais aclamados representantes do rap brasileiro, o RZO surgiu no final da década de 1980 no bairro de Pirituba, zona oeste de São Paulo. Aliando musicalidade e ideologia com incomparável sagacidade poética, lançou em 1999 seu primeiro álbum, “Todos São Manos”, sucesso de público e crítica. O segundo disco, “Evolução é Uma Coisa”, repetiu a repercussão em 2003, ano em que os rappers ganharam o Prêmio Hutúz de Melhor Grupo. Considerado a vanguarda do rap nacional da época, o RZO criou clássicos do gênero como “O Trem” e “Paz Interior”, e revelou talentos promissores como Sabotage, Dina Di e DBS, entre outros. Após interromper as atividades em 2004, o RZO ficou 10 anos sem se reunir até que, em 2014, retornou aos palcos em grande estilo.
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Apadrinhado por Eazy-­E, do NWA, o Bone Thugs­-N-­Harmony foi criado no começo dos anos 1990, sendo conhecido mundialmente por suas rimas ligeiras e música recheadas de harmonia com destaque para os vocais, o que rendeu o título de “o grupo de rap mais melódico de todos os tempos”, segundo a MTV. Vencedor do Grammy, o Bone Thugs já vendeu milhões de discos, influenciou toda uma geração de rappers e tem faixas de sucesso com Eazy-­E, 2Pac, Notorious B.I.G., Mariah Carey e Akon, entre outros.
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Nos EUA ou no Brasil, não importa, o recado é o mesmo: “você precisa ter coragem pra encontrar paz em meio ao caos”.
Um dos mais aclamados grupos de rap do país, o RZO surgiu no final da década de 80 no bairro de Pirituba, zona oeste de São Paulo. Aliando musicalidade e ideologia com incomparável sagacidade poética, em 1999 o RZO lançou o seu primeiro álbum, “Todos São Manos”, pela gravadora Cosa Nostra, do já então consagrado grupo Racionais MC’s. O disco foi sucesso de crítica e de vendas, garantindo que em pouco tempo o RZO conquistasse uma legião de fiéis admiradores.
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No mesmo ano, com a entrada do DJ Cia como DJ e produtor do grupo, o RZO iniciou os trabalhos do seu segundo – e genial – álbum, “Evolução é Uma Coisa”, que quatro anos depois, em 2003, repetiu a repercussão do primeiro, com destaque para o nítido amadurecimento nas letras e na produção. Aclamado como a vanguarda do rap nacional da época, o grupo também passou a revelar talentos promissores como Sabotage, Dina Di, DBS, entre outros. A partir da chamada Família RZO, nos anos seguintes, esses e muitos outros MCs firmaram carreiras solo na cena nacional.
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Antes da separação, que aconteceria em 2004, o RZO era reconhecido pelos jovens como um dos nomes mais representativos do rap brasileiro, legitimados pelo constante crescimento do seu público em apresentações homéricas e por receberem prêmios como o Hutúz 2003, na categoria melhor grupo. Ironicamente, ao mesmo tempo em que escrevia o seu nome para sempre na história do rap nacional, o RZO também escrevia os últimos capítulos da história do grupo até então. Durante 10 anos, sua música continuou a ecoar por todo o Brasil, conquistando novos fãs, até que o grupo decidiu voltar à atividade em 2014. O RZO experimentou a retomada do contato com o público em shows como a Virada Cultural e na aparição surpresa na primeira edição do festival SP RAP.
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SERVIÇO
Lançamento do videoclipe/single “Paz em Meio ao Caos” – RZO ft. Bone Thugs-N-Harmony
Dia 24/06, sexta-feira, às 16h00 no canal RZO
FONTE:http://www.rapnacional.com.br/rzo-lanca-single-e-clipe-em-parceria-com-bone-thugs-%C2%ADn%C2%AD-harmony/

RACISMO COTIDIANO BRASILEIRO COM NOSSAS CRIANÇAS NEGRAS

"Como eu gostaria que meus filhos não passassem por nenhum tipo de preconceito, como eu gostaria de protege-Los desse mundo cruel, como eu gostaria de afastar gente ruim travestido de bonzinhos antes que eles tivessem o desprazer de ter contato. Meus filhos Antônio e Benício foram vítimas de preconceito por causa do cabelo deles, recebi essa mensagem na agenda escrita pela coordenadora da escola que até então tinha meu respeito, daqui em diante...Eu não posso protege-Los de tudo, mas sempre vou lutar por eles."

Débora Figueiredo


FONTE:https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10209903108317190&set=a.10201071521373036.1073741825.1318376732&type=3

A história de Ota Benga, o homem enjaulado com macacos


Capturado no Congo e levado para os Estados Unidos, ele se tornou a principal atração do Zoológico de Nova York em 1906. Seu nome, Ota Benga. Ota não deixou nenhum relato escrito sobre aquele episódio de sua vida. Mas um artigo da jornalista Pamela Newkirk, autora do livro “Espetáculo: A Espantosa Vida de Ota Benga”, lançado este ano, nos ajuda a entender as circunstâncias daquele evento pra-­lá de polêmico.
Em abril do ano passado citamos tal episódio da vida de Ota Benga em nosso artigo “Porquê Comparar Negros a Macacos Não Deve ser Motivo de Piada para ilustrar um pouco da história da perigosa, desumana e hoje rotineira comparação de negros com macacos.
Mas quem foi Ota Benga? Como ele foi parar na jaula do jardim zoológico de Nova York?
No dia 3 de junho deste ano, o jornal The Guardian publicou um artigo da premiada jornalista Pamela Newkirk que detalha as circunstâncias que levaram Ota Benga a ser exibido no Zoológico do Bronx em 1906. Traduzimos o artigo “O homem que foi enjaulado em um zoológico” que Pamela adaptou do seu livro Spectacle: The Astonishing Life Ota Benga (“Espetáculo: A Espantosa Vida de Ota Benga”). Com este artigo Pamela Newkirk nos leva aos primeiros anos do século 20. Uma viagem muito bem detalhada em eventos, lugares, datas e personagens.
Desde aquele período, o mundo mudou radicalmente. Mais enfaticamente nas ciências e no universo intelectual—ambos hoje comparativamente bem mais diversos e progressistas. Porém, por mais que louvemos todo o progresso científico e social ocorrido no decorrer de mais de 100 anos, ainda testemunhamos a re­utilização de velhas e convenientemente falsas teorias sobre as diferenças físicas presentes na espécie humana. Elas são hoje usadas com a mesma finalidade para as quais foram elaboradas pela mais fina e abastada elite intelectual daquela época: a busca pela fama e prestígio e, sobretudo, para separar hierarquicamente a raça humana forjando um falso senso de superioridade branca.
O artigo de Pamela Newkirk nos faz notar como hoje revivemos constantemente o passado. Voltamos no tempo quando fiéis das religiões afro­brasileiras são aterrorizados com pedras e com as históricas difamações de sua fé e com as vandalizações de seus templos. Vivemos o passado quando observamos o grande número de negros nas prisões e o também grande número de jovens negros assassinados. Viajamos no tempo, para trás, através do simples e excessivo uso da palavra “macaco” com o intuito gratuito de constranger, humilhar e ferir.
Leia abaixo o artigo de Pamela.
O homem que foi enjaulado em um zoológico
Por Pamela Newkirk, originalmente publicado no jornal The Guardian, no dia 3 de junho de 2015
O pastor negro chamado a comparecer à Mount Olivet Baptist Church (Igreja Batista Monte das Oliveiras) no Harlem para uma reunião de emergência na manhã de 10 de setembro de 1906, chegou na igreja em estado de indignação. Um dia antes, o jornal The New York Times tinha publicado uma reportagem sobre um jovem africano—um tal “pigmeu”— colocado em exibição na jaula dos macacos do maior zoológico da cidade. Sob a manchete “Selvagem Divide Jaula Com os Macacos do Zoológico do Bronx”, o jornal informou que multidões de até 500 pessoas, em um dado momento, se reuniram ao redor da jaula para se embasbacarem com o diminuto Ota Benga—medindo apenas 1,52, e pesando 46 quilos—enquanto este se preocupava com o seu papagaio, usava habilmente o seu arco e flecha, ou tecia uma esteira e uma rede usando o maço de barbante posto na jaula. Crianças davam risadas e soltavam gritinhos de contentamento enquanto os adultos gargalhavam, muitos constrangidamente, com aquela visão.
Antecipando uma multidão ainda maior após a publicidade feita pelo The New York Times, Benga foi retirado da pequena jaula de chipanzés e levado a uma jaula maior, tornando­o mais visível aos espectadores. Ele também se uniu a um orangotango chamado Dohang. Enquanto a multidão se formava para olhá­lo maliciosamente, o menino Benga, que era considerado ter 23 anos de idade mas aparentava ser mais jovem, sentava­se silenciosamente em um banquinho, fitando —às vezes com um olhar feroz—a multidão através das barras da jaula.
A exibição de um africano visivelmente abalado junto a macacos no New York Zoological Gardens (Jardim Zoológico de Nova York), quatro décadas após o fim da escravidão nos Estados Unidos, evidenciaria o status precário dos negros na cidade imperial da nação. Aquilo colocou os pastores “de cor”, e alguns aliados da elite, em direta oposição a um muro de indiferença dos brancos, uma vez que os jornais de Nova York, cientistas, autoridades públicas, e cidadãos comuns se deleitavam com o espetáculo. No final de setembro, mais de 220 mil pessoas haviam visitado o zoológico—duas vezes mais do que no mesmo mês do ano anterior. Quase todos elas se dirigiram diretamente à ala dos primatas para ver Ota Benga.
O seu cativeiro ganhou as manchetes nacionais e globais—a maioria delas insensíveis ao flagelo de Benga. Para os clérigos negros, a visão de um homem negro alojado na companhia de macacos foi a evidência alarmante de que nos olhos de seus compatriotas as suas vidas não importavam.
Naquela segunda­feira à tarde, um pequeno grupo de pastores liderado pelo Reverendo James H. Gordon—então aclamado pelo jornal Brooklyn Eagle como “o mais eloquente Negro no país”—pegou o trem para o jardim zoológico, mais conhecido como The Bronx Zoo. Na brilhante casa dos primatas de estilo beaux-­arts, o grupo avistou Ota Benga perambulando na jaula na companhia de Dohang, o orangotango. Uma placa colocada do lado de fora da jaula, dizia:
Ota Benga, o Pigmeu Africano
Idade 23 anos. Altura, 1 metro e 52 centímetros
Peso 46 quilos.
Trazido do Rio Kasai, Estado Livre do Congo, Centro­-Sudeste da África
Exibição organizada pelo Dr. Samuel P. Verner. Todas as tardes de setembro
Os ministros religiosos não tiveram sucesso em suas tentativas de comunicação com Ota Benga, mas a tristeza palpável do africano, assim como a placa na jaula, alimentaram a indignação deles. “Somos francos o suficiente para dizer que não gostamos da exibição de um membro da nossa própria raça junto com macacos”, Gordon declarou enfurecido. “Nossa raça, pensamos, é humilhada o bastante sem que se exiba um de nós junto com macacos. Achamos que somos dignos de sermos considerados seres humanos, com almas.”
William Temple Hornaday, diretor fundador e curador do zoológico, defendeu a exibição por razões científicas. “Estou oferecendo a exibição puramente como uma exibição etnológica”, disse ele. A mostra, insistiu ele, estava de acordo com a prática de “exibições de humanos” africanos na Europa, jovialmente evocando o status indiscutível do continente europeu como modelo mundial de cultura e civilização.
Impenitente, Hornaday declarou que a mostra continuaria da maneira que a placa na jaula informava, “todas as tardes de setembro” ou até que ele fosse ordenado a cancelá-­la pela Sociedade Zoológica. Mas Hornaday não era um manipulador inescrupuloso. Sendo o mais notável zoólogo da nação—e conhecido próximo do presidente Theodore Roosevelt— Hornaday teve o total apoio de dois dos membros mais influentes da sociedade zoológica, ambos figuras proeminentes da cidade. O primeiro, Henry Fairfield Osborn, tinha desempenhado um papel de liderança na fundação do zoológico e foi um dos paleontólogos mais notáveis da época. (Ele viria a alcançar a fama por ter batizado o Tiranossauros rex.) O segundo, Madison Grant, era o secretário da Sociedade Zoológica e um advogado da alta sociedade oriundo de uma proeminente família de Nova York. Grant ajudou pessoalmente na negociação do plano para obter Ota Benga.
Os pastores não tiveram sucesso no zoológico, e deixaram o lugar prometendo no dia seguinte levantar a questão com o prefeito. Mas a denúncia dos clérigos chamou a atenção do jornal The New York Times, cujos editores ficaram espantados com o fato de que alguém pudesse protestar contra a exibição.
“Nós não entendemos muito bem toda a comoção que alguns estão expressando sobre a questão”, disse o jornal em editorial não assinado. “Ota Benga, de acordo com nossas informações, é um espécime normal de sua raça ou tribo, com um cérebro tão desenvolvido quanto os cérebros de seus outros membros. Sejam eles considerados ilustrações da interrupção do desenvolvimento humano, e realmente mais próximos aos macacos antropoides do que os outros selvagens africanos, ou sejam eles vistos como os descendentes degenerados de negros comuns, eles são de igual interesse para o estudante de etnologia, e podem ser estudados com lucro”.
O editorial afirmou que era um absurdo imaginar que Benga estivesse sofrendo ou sendo humilhado. “Pigmeus”, continuou o editorial, “estão bem abaixo na escala humana, e a sugestão de que Benga deveria estar em uma escola em vez de uma jaula ignora a alta probabilidade de que a escola seria um lugar de tortura para ele ... A ideia de que todos os homens são bem parecidos exceto pelo fato de terem tido ou não oportunidades para obter uma educação de livros, é hoje bastante ultrapassada”.
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Na opinião moderada dos homens progressistas da ciência, a exibição de Benga no solo sagrado do Jardim Zoológico de Nova York não foi mero entretenimento—a exibição foi educacional. Eles acreditavam que Benga pertencia a uma espécie inferior; colocá-­lo em exposição no zoológico promoveu os mais altos ideais da civilização moderna. Essa visão tinha, afinal, sido defendida por gerações de líderes intelectuais. Louis Agassiz, o professor de geologia e zoologia da Harvard que foi, na época de sua morte em 1873, discutivelmente o cientista mais venerado dos Estados Unidos, tinha insistido durante mais de duas décadas que os negros eram uma espécie separada, uma “raça degradada e degenerada”.
Dois anos antes de Ota Benga chegar a Nova York, Daniel Brinton, professor de linguística e arqueologia da Universidade da Pensilvânia, usou seu discurso de despedida do cargo de presidente da Associação Americana Para o Avanço da Ciência para atacar as afirmações de que a educação e a oportunidade seriam responsáveis pelos diferentes níveis de conquistas entre as raças. “O preto, o marrom, e as raças vermelhas, anatomicamente diferem em muito da raça branca, especialmente em seus órgãos esplâncnicos, que mesmo com a capacidade cerebral igual elas nunca poderiam rivalizar os frutos obtidos pela raça branca através de esforços iguais”, disse ele.
A força dominante daquelas ideias—integradas na ciência, história, políticas governamentais, e na cultura popular— tornaria o desconforto e a humilhação de Benga dentro de uma jaula de macaco em algo incompreensível para a grande maioria das pessoas que presenciaram aquele evento.
O fato de que a exibição pôde acontecer na cidade mais cosmopolita dos Estados Unidos no século 20, seria motivo suficiente para espanto. Mas o que na superfície parece ser uma saga de degradação de um homem—um espetáculo vergonhoso—é, em uma examinação mais minuciosa, a história de uma época, da ciência, de homens e de instituições de elite, e das ideologias raciais que ainda hoje perduram. Pior ainda, Benga não deixou nenhum relato escrito de sua própria vida—e outros, desde então, encheram tal vazio histórico com negações, com um silêncio conspiratório, meias-­verdades, e até mesmo com evidentes fraudes. Mas é possível retornar aos arquivos—às cartas, aos diários de campo de pesquisas antropológicas, e aos relatos contemporâneos—para reconstruir as circunstâncias reais pelas quais Ota Benga, antes da maioridade, foi roubado de sua casa na África central e levado para a cidade de Nova York para a diversão e educação de seus moradores.
Samuel P. Verner, o explorador da África dono de um estilo próprio, que retirou Benga do Congo, disse a um repórter do The New York Times que nem ele e nem o parque iriam lucrar com a exposição. “O público”, ele insistiu, “é o único beneficiário”. Verner ainda alegou que Benga estava lá por vontade própria: “Ele é absolutamente livre ... A única restrição que é colocada sobre ele é feita para impedi­lo de ficar longe dos guardas do zoológico. Isso é feito para sua própria segurança”.
“Se Ota Benga está em uma jaula”, ele argumentou, “ele só está lá para cuidar dos animais. Se há um aviso na gaiola, ele só foi colocado lá para se evitar ficar respondendo as muitas perguntas que são feitas sobre Ota”. Verner disse que lamentava caso quaisquer sentimentos tivessem sido feridos— mas sua única concessão foi assegurar ao repórter, em um ato claramente dirigido às sensibilidades cristãs, que seriam tomadas providências para que Benga não fosse exposto aos domingos.
Hornaday ficou tão satisfeito com o número de visitantes no zoológico que ele calmamente começou a fazer planos para manter a exibição de Benga até o outono, e possivelmente até a primavera seguinte. Hornaday, por sua vez, disse aos repórteres que Benga tinha sido posto na casa de primatas “porque aquele era o lugar mais confortável que pudemos encontrar para ele”. Em resposta a tais alegações, o reverendo Gordon publicamente se ofereceu para abrigar Benga em seu próprio orfanato para crianças negras. Mas primeiro ele teria que garantir a libertação de Benga.
Na quarta­feira de manhã, os pastores se dirigiram à prefeitura para encontrarem­se com o prefeito erudito de Nova York, George Brinton McClellan, que também era membro ex officio da Sociedade Zoológica. Os clérigos tinham planejado apelar para a libertação imediata de Benga, mas eles não conseguiram passar da área de recepção; o secretário do prefeito informou que ele estava ocupado demais para atendê-­los.
“Certamente o prefeito, o chefe executivo da cidade, poderia dar um basta aquela exibição indecente,” Gordon reclamou a um repórter. Os pastores foram aconselhados a procurar Madison Grant, o secretário da Sociedade Zoológica, mas através de seu escritório de advocacia na Wall Street, ele foi igualmente inútil. Grant disse aos clérigos que Benga ficaria no jardim zoológico por apenas um curto período de tempo e que Verner logo o levaria para a Europa.
Quando Gordon retornou ao zoológico naquela tarde ele encontrou Benga, com um porquinho da índia, em uma jaula cercada por várias centenas de espectadores. “A multidão parecia incomodar o anão”, o The New York Times informou em um artigo publicado no dia seguinte. A essa altura Gordon buscou a ajuda de Wilford H. Smith, que recentemente havia se tornado o primeiro advogado negro a defender com sucesso um caso perante a Suprema Corte dos Estados Unidos. Após consulta com o procurador da cidade, Wilford H. Smith concordou em apelar em tribunal para a libertação de Benga—e John Henry E. Millholland, um rico novaiorquino branco que havia fundado a Constitution League’ (Liga da Constituição) para protestar contra a privação de direitos dos negros no sul dos Estados Unidos, concordou em financiar o caso.
A combinação da estatura de Smith, o apoio financeiro da Milholland, e a ameaça de uma ação judicial, sem dúvida chamou a atenção dos representantes da Sociedade Zoológica. A resposta de William Temple Hornaday, no entanto, foi mínima: a conselho do paleontólogo Fairfield Osborn, ele silenciosamente removeu a placa que ficava do lado de fora da jaula de Benga. Mas os espectadores continuaram a afluir para a casa dos macacos na esperança de poderem dar uma olhadinha no “pigmeu”.
A história do cativeiro de Ota Benga no jardim zoológico do Bronx começou em 1903, quando Samuel P. Verner—um auto declarado supremacista filho de uma proeminente família da Carolina do Sul—soube dos planos para a realização da Feira Mundial de 1904 em St. Louis. Os organizadores da feira esperavam celebrar o imperialismo americano, e mapear o progresso humano “dos primórdios das trevas ao mais elevado iluminismo, da selvageria à organização cívica, do egoísmo ao altruísmo”. William John McGee—o presidente da então recém­formada Associação Americana de Antropologia, que tinha sido contratado para dirigir o departamento de etnologia da feira—emitiu um anúncio solicitando “pigmeus” africanos, os quais acreditava­se representarem o mais baixo degrau da escala evolutiva.
Samuel P. Verner escreveu para McGee oferecendo os seus serviços. Quatro anos antes, Verner havia levado uma grande coleção de material etnológico ao Museu Smithsonian—bem como dois meninos da “tribo canibal Batetela”, a quem Verner tinha retirado do Congo e ofereceu ao museu como modelos. (Nenhum dos dois jamais retornou para casa.) Verner disse a McGee que desde então ele tinha escrito extensivamente sobre questões científicas na África, mencionando os seus artigos sobre “pigmeus” publicados nas revistas Spectator e Atlantic Monthly. Verner acrescentou que ele era um amigo pessoal do rei belga, Leopoldo II, que controlava o Estado Livre do Congo, e prometeu toda a assistência necessária na “missão diplomática”.
Em um acordo finalizado em outubro de 1903, Verner foi contratado como um “agente especial” pela Louisiana Purchase Exposition Company (Companhia de Compra da Exposição da Louisiana), encarregado de conduzir uma expedição ao interior do continente Africano para obter material antropológico e oferecer a “determinados nativos a oportunidade de assistir a Exposição pessoalmente”. A rigorosa lista pedia a extração no Congo de “um patriarca ou chefe pigmeu. Uma mulher adulta, de preferência a esposa do patriarca ou chefe. Duas crianças” e “mais quatro pigmeus, de preferência jovens adultos, mas incluindo uma sacerdotisa e um sacerdote, ou curandeiros, de preferência idosos”.
McGee estipulou que Verner deveria garantir o atendimento voluntário da delegação e devolvê­los com segurança para suas casas e obter todas as permissões e o apoio do rei Leopoldo II. Um total de 8,5 mil dólares foram alocados, incluindo US$500 como remuneração a Verner e um adicional de $1,500 reservados para contingências inesperadas. Verner propôs tomar um navio de guerra da marinha ou uma canhoneira ao Congo para “deixar as diferenças grandiosamente às claras”—uma proposição que, aparentemente, não conseguiu alarmar os dirigentes da feira. Em vez disso, ele recebeu cartas oficiais de recomendação assinadas por McGee como presidente da Associação Americana de Antropologia e presidente em exercício da National Geographic Society (Sociedade Geográfica Nacional). Como medida complementar, Verner garantiu uma carta de John Hay, Secretário de Estado dos EUA, dirigida ao rei Leopold II.
No final de novembro de 1903, o agente especial Verner zarpou do porto de Nova York. No início de dezembro ele chegou em Londres—no mesmo momento em que o cônsul britânico Roger Casement retornava à cidade para apresentar o seu relatório sobre a investigação das atrocidades cometidas contra os nativos do Congo. Verner tinha parado para adquirir vestimentas e equipamentos tropicais e de caça: ele teria embarcado com pelo menos 80 caixas de suprimentos— incluindo rifles e munição—para o Congo.
No caminho para a África, Verner escreveu para McGee para anunciar que o Rei Leopold estava “tão interessado” que ele atenderia a feira pessoalmente, e assegurou a McGee que a cooperação dos chamados pigmeus era muito mais provável já que ele havia adquirido “um equipamento mais considerável do que aquele que eu contemplei inicialmente”, uma aparente referência aos suprimentos militares que ele havia comprado em Londres. Verner reiterou que ele tinha, em uma carta anterior para McGee, “preparado o que eu pensei ser prudente fazer no caso de um parecer não favorável por parte dos pigmeus”; no entanto, a carta anterior não foi localizada.
McGee respondeu: “Já que agora você está posicionado, você é a própria lei e eu tenho confiança implícita na competência do tribunal”. A carta implicitamente sancionou tudo o que fosse necessário ser feito para Verner realizar sua missão.
Uma semana depois, Verner relatou o seu primeiro triunfo. “O primeiro pigmeu foi obtido!”, ele exclamou em 20 de março de 1904, o dia em que a vida de Ota Benga mudaria radicalmente. Verner disse a McGee que Ota Benga foi obtido de uma aldeia na qual ele estava sendo mantido em cativeiro, em um local remoto da floresta com uma distância de “12 dias de caminhada de qualquer colonização branca”. E embora seja possível que Verner tenha ido sozinho a um local remoto em busca de sua presa, a área, Bassongo, foi o local de um notório mercado de escravos e de um posto comercial do governo onde o tráfico humano era pervasivo.
Mais tarde, recontando o conto da captura de Benga em um artigo na revista Harper’s Weekly, Verner disse que quando ele encontrou Benga, ele estava sendo mantido em cativeiro pelos Bashileles, os quais ele alegou serem canibais. “Ele ficou muito contente em vir conosco”, escreveu Verner, “pois ele estava a muitas milhas de distância de seu povo, e os Bashileles não eram amos bondosos”.
No entanto, Verner disse ao jornal Columbus Dispatch que enquanto ele esperava um navio chegar, ele se aventurou a uma curta distância e avistou Ota Benga juntamente com alguns membros de sua tribo. Nesta versão contraditória, ele disse ter feito arranjos com um líder da tribo para levar Benga com ele. “Ele estava disposto e até ansioso para vir comigo, já que a memória de sua terrível fuga dos famintos canibais não tinha sido esquecida por ele”.
Ainda em um outro relato, Verner escreveu que Benga tinha sido capturado em batalha por inimigos de sua tribo que por sua vez foram derrotados por tropas do governo, que então detiveram Benga. Benga escolheu viajar com Verner ao saber que ele “queria empregar pigmeus”.
As circunstâncias do encontro dos dois continuaria a mudar cada vez que a estória era recontada ao longo dos anos. Os únicos temas consistentes foram a suporta ameaça de canibais e o papel de Verner como salvador de Benga. Mas, mesmo sem saber os detalhes específicos daquele encontro, podemos seguramente presumir que Benga foi caçado por Verner.
A recente investigação no Congo feita pelo cônsul britânico Roger Casement tinha confirmado os muitos relatórios anteriores sobre as atrocidades em massa que vinham ocorrendo sob o governo de Leopold, incluindo escravidão generalizada, assassinato e mutilação. Assim como o missionário afro­americano William Sheppard e outros já haviam documentado anteriormente, Casement encontrou­se com homens sem mãos. Alguns alegaram que haviam sido castrados ou mutilados por soldados do governo e às vezes por funcionários brancos do estado. A prática generalizada e devassa da mutilação “é amplamente provada pela Kodak”, disse Casement que apresentou fotografias de pelo menos duas dúzias de vítimas de mutilação. A maioria dos observadores durante esse período registraram a visão comum de congoleses acorrentados pelo pescoço e forçados a trabalhar para o governo. Embora a experiência pessoal de Benga no Congo não tenha sido registrada, as incursões mais profundas dentro da floresta para a extração de borracha e marfim poderiam, para o seu povo habitante da floresta, ter significado uma maior exposição e vulnerabilidade a abusos do estado.
O relatório de Casement foi submetido à coroa britânica na época do encontro entre Benga e Verner. De um dia para outro o relatório trouxe fama para Casement, e escrutínio internacional para Leopold que montou uma comissão composta por um jurista suíço, um desembargador belga, e um barão belga, para investigar as alegações. Mas nenhuma das revelações pouparia Benga que agora estava preso na armadilha de Verner. Após a obtenção de Benga, Verner aconselhou McGee a enviar um comunicado às proeminentes publicações diárias, semanais e mensais divulgando a sua expedição.
Em 21 de março, Verner escreveu para McGee para informar que ele, acompanhado por um agente do governo “de eminência e responsabilidade”, havia chegado a uma aldeia. Eles obtiveram outro “pigmeu” que havia sido colocado temporariamente com missionários locais.
McGee elogiou os esforços de Verner. “Quanto mais eu refletia sobre as distâncias e outras dificuldades que você teve que superar, mais eu ficava impressionado com a clareza de sua visão e da solidez de seus planos”, escreveu ele.
McGee informou que os planos para a feira estavam indo bem. O Professor Frederick Starr, da Universidade de Chicago, tinha chegado com nove indígenas Ainu do Japão. Os patagões estavam em um barco vindo de Liverpool, e 300 nativos “incluindo Igorots e pigmeus negrito” haviam chegado na segunda-­feira anterior. Quatrocentos mais estavam a caminho vindo de São Francisco. Mas os “pigmeus” africanos —termo que outrora foi associado a macacos—seriam a atração marcante, e faltando um mês para a abertura da feira e Verner com um mês de atraso no seu prazo, McGee só se importava com que Verner completasse a sua missão com sucesso. “Eu somente faço uma única súplica”, McGee escreveu: “traga os pigmeus”. Ao que Verner respondeu: “Nós não falharemos a menos que a morte chegue”.
Em abril, Verner escreveu para McGee relatando as hostilidades entre as tropas do governo e o povo congolês que intensificaram as dificuldades que ele estava enfrentando para persuadir qualquer habitante da floresta a retornar com ele. Verner recordou mais tarde que os anciãos balançaram a cabeça de modo grave, as mulheres uivaram em lamento noite a dentro, e os curandeiros “violentamente se opuseram” ao seu esquema de levar alguns deles para os Estados Unidos. Todavia, Verner afirma que conseguiu convencê­los somente lhes oferecendo sal—produto com o qual os comerciantes e os funcionários de empresas pagavam os congoleses por suas mercadorias e que Verner dizia ser mais valioso do que o ouro. De algum modo, o armado e determinado Verner ganhou a confiança de um menino que ele batizou de Malengu, e depois de um outro chamado Lanunu, e depois de Shumbu e Bomushubba. Mais tarde ele disse que mais de 20 homens prometeram acompanhá­lo, porém mais da metade deles “posteriormente entregaram­se aos seus medos”. A maioria dos “Batwa” fugiu, “mas conseguimos fazer com que alguns deles mantivessem suas promessas”.
Na manhã de 11 de Maio, Verner, acompanhado de Ota Benga e um bando de oito outros jovens de idades indeterminadas, embarcou em um navio para a longa viagem de descida do rio Kasai rumo à Leopoldville e à foz do rio Congo. A delegação chegou em Nova Orleans no dia 25 de junho. De acordo com a lista de passageiros do navio, o menino mais novo, Bomushubba, tinha apenas 12 anos, seguido por Lumbaugu, que se dizia ter 14. “Otabenga”— nome que Verner usou em privado com Benga—foi dito ter 17 anos—idade significativamente menor daquela que Verner mais tarde afirmaria Ota ter na época.
Embora a delegação tenha chegado com quase dois meses de atraso e ficou muito aquém da meta—nenhuma mulher, criança, ou curandeiro idoso entre eles—os visitantes africanos de Verner foram vertiginosamente recebidos em St Louis.
“Pigmeus Africanos Na Feira Mundial”, foi a manchete de 26 de junho do jornal St. Louis Post-Dispatch. Logo as manchetes dos jornais ridicularizariam os africanos em exibição na feira com uma ofensa atrás da outra: “Pigmeus Exigem Dieta de Macaco: Os Cavalheiros da África do Sul na Feira Provavelmente Serão Um Incômodo Em Matéria de Alimentação”, e “Pigmeus Desprezam Dinheiro; Exigem Melancias” [nota: referência ao um velho esteriótipo racista estadunidense; negros têm mentes simples e encontram imensa felicidade devorando a fruta.]
Verner não chegou em St. Louis com as suas cobiçadas aquisições. Em vez disso, ele desembarcou em Nova Orleans em uma maca e foi transportado para um sanatório. Algumas pessoas suspeitaram de insolação. O cônsul britânico Roger Casement, que por acaso estava no mesmo navio rumo aos Estados Unidos, observou que muitos pensavam que Verner tinha “pirado”.
McGee despachou alguém para escoltar Benga e os outros “pigmeus” capturados por Verner de Nova Orleans para St. Louis. Pouco tempo depois Verner estava de volta à cena escrevendo artigos sobre as suas aventuras no Congo. Em um relato, abaixo do título: “Um Capítulo Não Contado das Minhas Aventuras Enquanto Eu Caçava Pigmeus na África”, aparece um grande retrato de um Verner triunfante, vestindo terno e gravata borboleta, ao lado de fotografias dos seus prisioneiros, incluindo Benga, o qual Verner alegou ter obtido por US$5 no valor de mercadorias.
Em um outro relato publicado no jornal St. Louis Post Dispatch, ele alegou que Ota Benga era um canibal—“o único verdadeiro canibal hoje nos Estados Unidos”. Na área da feira a delegação foi beliscada, espetada e cutucada enquanto os seus papagaios e macacos de estimação foram insultados e queimados com cigarros. À medida que a temperatura caía, eles também foram submetidos às áreas mais frígidas da feira, sem roupas ou abrigo adequado. Nos bastidores, eles foram medidos, fotografados e moldes de gesso foram feitos para a construção de bustos.
Agora, dois anos depois, tendo sido depositado em Nova York por Verner, Benga foi novamente submetido ao clamor estridente de espectadores e a um cruel desprezo por sua humanidade. O diretor do zoológico, William Temple Hornaday, sempre o “homem­espetáculo”, atendia avidamente aos pedidos por fotografias e entrevistas de todo os EUA e do mundo.
Na quinta­feira 13 de setembro, o The New York Times publicou uma carta escrita por um tal Dr. M.S. Gabriel, que disse ter visto Benga no zoológico e considerou as objeções feitas à exposição como “absurdas”. Enquanto os pastores protestaram sobre o fato de Benga estar em uma jaula, aquilo era, ao contrário, “um grande quarto, uma espécie de varanda ao ar livre”, o que permitia aos visitantes observar o convidado africano “enquanto ele respirava o ar fresco”.
O estilo infantil e o inglês imperfeito de Benga eram agradáveis, Gabriel continuou, “e os visitantes o consideram ser um bom camarada”. Foi uma pena, disse ele, que Hornaday não fez palestras relacionadas a tal exibição. “Isso enfatizaria o caráter científico do evento, melhoraria imensamente a utilidade do Jardim Zoológico para o nosso público em geral, e ajudaria os nossos clérigos a se familiarizarem com o ponto de vista científico, tão absolutamente estranho para muitos deles”.
Hornaday guardou os recortes de jornais e orgulhosamente os compartilhou com seu amigo, o paleontólogo Henry Fairfield Osborn.
“Os recortes a mim enviados são excelentes”, Osborn respondeu. “Com grande êxito, Benga certamente está a caminho de se tornar uma sensação”.
No domingo 16 de setembro, uma semana após a sua estreia, Benga não estava na jaula, mas sim perambulava pelo jardim zoológico sob o olhar atento dos guardas. Naquele dia, um recorde de 40.000 pessoas visitaram o zoológico. Aonde quer que Benga fosse, hordas o seguiam em alta perseguição. A multidão desordeira perseguiu Benga e quando ele foi encurralado, algumas pessoas o cutucaram nas costelas ou deram­-lhe rasteiras, enquanto outros simplesmente gargalharam com a visão de um “pigmeu” assustado. Em autodefesa, Benga atacou vários visitantes, e foram necessários três homens para levá-­lo de volta para a casa dos macacos.
Hornaday escreveu a Verner na segunda-­feira 17 de setembro, para reclamar. “Lamento dizer que Ota Benga tornou­-se bastante incontrolável”, disse ele. “Ele tem sido tão plenamente explorado nos jornais e tão exposto à opinião pública, que para nós é bastante desaconselhável puni-­lo; dado que se assim o fizermos, seríamos imediatamente acusados de crueldade, coerção etc., etc. Estou certo de que você avaliará este assunto com precisão”.
Hornaday reclamou que “o garoto faz exatamente o que lhe agrada, e é totalmente impossível de ser controlado”. Ele demonstrou consternação por Benga ter ameaçado morder os guardas sempre que estes tentavam colocá-­lo de volta para a casa dos macacos. A principal atração de Hornaday estava se transformando em um fardo”. “Eu não vejo outra saída para o dilema”, escreveu ele, “senão levá­lo embora daqui”.
Na sexta­-feira, uma multidão invadiu o zoológico e perseguiu Benga enquanto ele caminhava pelo bosque. Em todo o país, as manchetes dos jornais se divertiam com a difícil situação de Benga. O jornal The Chicago Tribune entrou na brincadeira com a manchete: “Minúsculo Selvagem Vê Nova York; Escárnios”. A três mil milhas de distância, o jornal Los Angeles Times cobriu a sensação no domingo 23 de setembro, sob a manchete: “Pigmeu Genuíno é Ota Banga: Ele Pode Falar com Orangotango em Nova York.”
Um outro auto-­denominado “explorador africano”, John F. Vane-­Tempest, publicou um artigo no The New York Times contestando a classificação do zoológico de que Benga era um “pigmeu”. Sob o título “O Que Ota Benga É?” Vane-Tempest disse que com base em sua experiência, Benga na verdade era um hotentote sul africano, e afirmou ter travado uma conversa com Benga “na língua dos hotentotes”. De acordo com Vane­-Tempest, Benga tinha professado grande satisfação em estar no cativeiro. “Ele gostou do país do homem branco onde ele era tratado como um rei, tinha um quarto acolhedor, uma esplêndida sala em um palácio cheio de macacos, e desfrutava todos os confortos do lar com exceção de algumas esposas”. Este relato absurdo, contudo, foi apresentado como uma reportagem honesta.
No meio deste vale-­tudo, o reverendo Matthew Gilbert, da Mount Olivet Baptist Church (Igreja Batista Monte das Oliveiras), escreveu ao jornal The New York Times para informar que o espetáculo do cativeiro de Benga acendeu a indignação dos afro­-americanos em todos os EUA. “Somente o preconceito contra a raça negra fez com que tal coisa fosse possível de acontecer neste país”, disse Gilbert. “Eu já tive a oportunidade de viajar ao exterior, e estou convencido de que tal coisa não teria sido tolerada por um dia em qualquer outro país civilizado”.
Ele anexou uma declaração sensata de um comitê da União de Ministros de Charlotte (Ministers’ Union of Charlotte), Carolina do Norte, que dizia: “Nós consideramos que os atores ou autoridades envolvidas nesta conduta absolutamente condenável estejam oferecendo um insulto imperdoável à humanidade e, especialmente para a religião de nosso Senhor Jesus Cristo".
Mas outros não estavam tão seguros. O jornal The Minneapolis publicou uma fotografia de Benga segurando um macaco, e afirmou: “Ele está quase tão próximo de assemelhar­-se ao elo perdido quanto qualquer espécie humana já encontrada”.
Em 26 de setembro, com a escalada de protestos, o gabinete do auditor financeiro da cidade enviou um agente para investigar uma denúncia de que os guardas do jardim zoológico estariam aceitando pagamento para permitir que visitantes entrassem no alojamento onde Benga dormia. O inspetor sem nome visitou Benga, o qual ele encontrou vestindo um terno cáqui e um boné cinza suave. Ele observou a “aparência de menino” de Benga e o descreveu como um nativo africano que os visitantes do zoológico acreditavam ser “algum tipo de um homem selvagem que pode entender conversa de macaco”. Ele concluiu: “Sem tentar discutir as realizações intelectuais ou deméritos do cavalheiro, pode­se afirmar que para a mente não­científica este nativo da África Mais Negra não difere fisicamente na aparência externa de pelo menos alguns dos nativos da mais negra Nova York”. Ele também se mostrou cético sobre as alegações de que o intelecto de Benga seria atrofiado e de que ele podia entender o que os macacos tagarelas diziam. Ele disse que estaria mais convencido sobre o atraso intelectual de Benga caso Benga não falasse nem um pouco de inglês, e disse que se Benga podia entender os macacos, “ele manteve muito bem o segredo para si mesmo".
A maré começou a virar contra Hornaday e o zoológico. Objeções acaloradas começaram a aparecer até mesmo nas páginas do The New York Times. Ainda pior, Benga agora estava demonstrando uma resistência elevada. Quando os funcionários do zoológico tentavam levá­-lo de volta para a jaula, ele mordia, chutava e lutava para se libertar. Em pelo menos uma ocasião ele ameaçou os seus cuidadores com uma faca que ele de algum modo se apoderou. Hornaday também ficou preocupado com as turbas descontroladas que perseguiam e insultavam Ota Benga. Exasperado, Hornaday tentou contatar Verner que, inexplicavelmente, tinha deixado a cidade. “O rapaz deve sair daqui imediatamente ou ficar em confinamento”, escreveu Hornaday em uma carta para Verner. “Sem você ele é um selvagem bastante indisciplinado”.
Porém, por mais que ele desejasse se livrar de Benga, Hornaday se recusou a liberá­lo ao orfanato do Reverendo James H. Gordon a menos que Gordon prometesse devolver Benga a Verner quando este retornasse a Nova Iorque. Gordon não concordaria.
Enquanto isso a controvérsia girava em torno do zoológico já que os protestos ganhavam força em todo o país. Até mesmo os sulistas brancos se arremessaram sobre a oportunidade de zombar dos nova­iorquinos por conta da inadequada exposição —“O Ultraje Nortista”, nas palavras de um jornal da Louisiana, que acrescentou: “Sim, na sagrada cidade de Nova York, onde quase que diariamente as turbas praticam o empolgante esporte de perseguir negros pelas ruas sem que muito seja dito a esse respeito”.
Finalmente, na tarde de sexta­feira 28 de setembro, 20 dias após ter sido posto à mostra pela primeira vez, Benga calmamente deixou o zoológico escoltado pelo homem que o havia capturado. A sua partida seria tão calma e contida quanto a sua chegada foi frenética e extravagante. Aparentemente nenhum repórter foi alertado para testemunhar a despedida de Benga. Ele foi levado para o Howard Colored Orphan Asylum (Orfatato-­Asilo Howard Para Órfãos de Cor), no bairro de Weeksville no Brooklyn [hoje Crown Heights]— o finamente decorado orfanato dirigido por Gordon, situado na maior e mais rica comunidade negra da cidade.
“Ele mais parece ser um minguado menino de cor de amabilidade e curiosidade incomuns”, disse Gordon. “Agora nosso plano é este: Nós o trataremos como um visitante. Nós lhe demos um quarto só para ele, onde ele pode fumar se assim ele o escolher fazer”. Gordon disse que Benga já tinha aprendido um número surpreendente de palavras em inglês e em breve seria capaz de se expressar.
“Este”, afirmou ele, “será o início de sua educação”.
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Em janeiro de 1910, Ota Benga foi enviado para Lynchburg, na Virgínia—uma cidade de cerca de 30.000 pessoas, com bondes elétricos, mansões suntuosas, pés de sicômoro e altas colinas. Como Gordon tinha prometido quando Benga chegou aos seus cuidados pela primeira vez, ele foi enviado para o Lynchburg Theological Seminary and College (Seminário Teológico e Universidade Lynchburg), conhecido por seu corpo docente e quadro de funcionários todos compostos por profissionais negros, o qual se orgulhava de sua impetuosa autonomia da branca American Baptist Home Mission (Missão Batista Americana). Na época, muitos patronos brancos de educação dos negros insistiam que os negros só recebessem uma educação industrial, mas o Lynchburg Theological continuou a oferecer cursos de artes liberais aos seus alunos.
Benga morou com Mary Hayes Allen, a viúva do ex-presidente do seminário, e com os seus sete filhos em uma grande casa amarela em frente à escola. Benga, geralmente descalço, levava com frequência um bando de meninos da vizinhança para a floresta para ensinar-­lhes os seus conhecimentos de caçador: como fazer arcos usando videiras, caçar perus selvagens e esquilos, e capturar pequenos animais. Com o seu inglês imperfeito, Benga muitas vezes divertiu os meninos com estórias de suas aventuras caçando elefantes —“Big, big” (“Grande, grande”), ele dizia com os braços estendidos—e recontou como ele celebrou um abate com uma triunfante canção de caça.
Em Benga eles encontraram um professor aberto e paciente, e um companheiro que desinibidamente revivia as memórias de uma vida perdida e saudosa. Benga, por sua vez, tinha encontrado um lar substituto e uma família, e viria a aprender os seus costumes e os contornos da negritude que os unia. Durante os sermões e cânticos spirituals, Ota certamente reconhecia uma tristeza familiar.
Ainda assim, eles não conheciam a ruptura perfurante da alienação que muitos dos seus antepassados conheceram, e a qual Benga agora conhecia. Embora eles fossem oprimidos e desprezados nos Estados Unidos, aquela era a terra que eles haviam lavrado e na qual tiveram seu sangue derramado, a terra onde eles criaram vida e enterraram seus mortos. Mesmo com toda a rejeição, eles estavam em casa.
Benga tinha apenas lembranças, e ninguém senão ele poderia saber como elas se manifestavam. O seu sono foi perturbado por pesadelos dele sendo perseguido por turbas, ou sendo enjaulado? Foi ele assombrado por visões de entes queridos que foram assassinados, ou assombrado por visões de congoleses famintos, torturados, e acorrentados?
Os meninos recordaram que em algumas noites, debaixo de um céu salpicado de estrelas, eles assistiram Benga construir uma fogueira e dançar e cantar em torno dela. Eles ficavam embevecidos enquanto Ota circulava as chamas, saltando e cantando como se eles não estivessem lá. Eles não tinham mais do que 10 anos de idade, muito jovens para entenderem a pungência do antigo ritual.
À medida em que Ota e os meninos ficaram mais velhos, algo mudou. Por volta de 1916 Benga tinha perdido o interesse em suas excursões de caça e pesca, e não mais parecia aquele amigo tão ávido aos olhos das crianças da vizinhança. Muitos notaram o seu temperamento perdendo o brilho, o seu desejo desgastante de voltar para casa. Durante horas ele se sentaria sozinho em silêncio sob uma árvore. Décadas mais tarde, alguns de seus jovens companheiros relembrariam uma canção que ele costumava cantar, a qual ele aprendeu no Seminário Teológico: “Eu acredito que irei para casa / Senhor, tu não me ajudarás?”
No final da tarde de 19 de março de 1916, os meninos assistiram Benga catando madeira no campo para fazer uma fogueira. Enquanto o fogo subia em uma brilhante chama, Benga dançava ao redor da fogueira, entre cânticos e lamentos. Os meninos já tinham visto aquele ritual antes, mas desta vez eles notaram uma profunda tristeza: Benga parecia misteriosamente distante, tão vago quanto um fantasma.
Naquela noite, enquanto o meninos dormiam, Ota Benga entrou secretamente em um galpão cinza e maltratado que ficava na rua em frente a sua casa. Antes do amanhecer, ele pegou uma arma de fogo que lá ele tinha escondido, e disparou uma bala no próprio coração.
Na quietude angustiante, ele estava livre.
FONTE:http://jornalggn.com.br/noticia/a-historia-de-ota-benga-o-homem-enjaulado-com-macacos