terça-feira, 15 de julho de 2014

Racialismo e Racismo


Ariana Mara da Silva[1]
É plausível, e talvez não correto, dizer que a grande dificuldade nas discussões sobre racismo e racialismo está na origem das palavras. Tanto um quanto o outro dependem da existência de raças, nesse caso raças humanas, para fazerem sentido. Esse texto não tem a intenção de ir a favor ou contra os que defendem o racialismo, para o bem ou para o mal, mas apresentar diferentes pontos de vista sobre a questão e as possíveis consequências da construção de uma teoria que pretende discutir raças sem ser racista. E para melhor ilustrar essa discussão partiremos da visão de um autor que se mostra claramente contra o racismo, Tzetzan Todorov. O autor afirma que
A palavra “racismo”, em sua acepção corrente, designa dois domínios muito diferentes da realidade: trata-se, de um lado, de um comportamento, feito, o mais das vezes, de ódio e desprezo com respeito a pessoas com características físicas bem definidas e diferentes das nossas; e, por outro lado, de uma ideologia, de uma doutrina referente às raças humanas. As duas não precisam estar necessariamente presentes ao mesmo tempo. O racista comum não é um teórico, não é capaz de justificar seu comportamento com argumentos “científicos”; e, reciprocamente, o ideólogo das raças não é necessariamente um “racista” no sentido corrente do termo, suas visões teóricas podem não ter qualquer influência sobre seus atos; ou sua teoria pode não implicar na existência de raças intrinsecamente más. (TODOROV, 1993, p.107)
Dessa forma, quem estuda as raças não necessariamente é um racista de comportamento, ou seja, é um racista no campo teórico e ideológico. Isso se explicaria pelo fato do comportamentodo racista estar baseado no ódio pelas diferentes raças e não na pesquisa científica. Esse discurso sobre racialismo parece estar na moda a partir do século XIX, quando surgem as teorias científicas sobre as raças. Mas isso pode ser considerado um engano se pensarmos que a questão racial aparece desde a antiguidade como forma de fundamentação e justificação de mitos e religiões, e que essa situação sempre determinou ideais políticos e sociais dos povos e sociedades.
[1] Acadêmica do curso de História na Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA) – ariana.silva@unila.edu.br.

A questão a ser levantada é a seguinte: mas existem raças humanas? De acordo com o texto A vitória depende da raça do atleta?[2] a resposta é não. O autor do texto afirma que raças são grupos menores, uma subdivisão, dentro de uma espécie animal e na comparação genética entre seres humanos existem mais similaridades que diferenças. Logo ser negro, branco ou asiático não seriam classificações raciais. Então o que explicaria as diferenças na cor da pele, na compleição física ou na linguagem? A explicação está no fato de que as variações morfológicas dos indivíduos humanos estão relacionadas à adaptação dos organismos no ambiente que vivem.
O desenvolvimento do corpo humano apresenta plasticidade suficiente para que, na presença de diferenças sutis nas condições de crescimento e condições de vida, possa ser modificado de modo significativo. Diferentes regiões geográficas, diferentes padrões alimentares e diferente padrão de exposição aos raios ultravioleta são fenômenos que podem modificar a compleição física humana. De fato, os seres humanos apresentam uma incrível diversidade de tamanhos, cores e formas e, quando comparados a outros mamíferos, esta variação morfológica é significativamente maior entre humanos. Contudo, a variação genética entre as populações humanas é menor que aquela observada entre outras espécies. (BIOLOGIADASAUDE.ORG)
Assim, o conceito de raça que conhecemos é uma construção social, baseada na percepção de características demográficas, culturais e sociopolíticas dos diferentes grupos humanos.
É importante ressaltar que o debate sobre o racialismo e o racismo é muito forte no século XIX, principalmente por causa da formação dos Estados Nação e das colônias que estão se tornando independentes na América Latina. Os Estados europeus numa tentativa de justificar os anos da colonização e, às vezes, até justificando o porquê da América Latina não ter capacidade de ser independente, utilizam o cientificismo em alta para explicar as diferenças entre as raças e afirmar a superioridade europeia. O mesmo discurso volta a ganhar força em um momento específico: após a Segunda Guerra Mundial, quando se apresenta para o mundo a noção real do que foi o nazismo para os judeus. A ONU, através da UNESCO, mobiliza biólogos, antropólogos e outros cientistas a fim de provar que as raças não existem. Na Primeira Declaração sobre Raça da UNESCO a afirmação “raça é menos um fato biológico do que um mito social e, como mito, causou severas perdas de vidas humanas e muito sofrimento em anos recentes[3]” (UNESCO apud MAIO e SANTOS, 2010, pp. 147-148) fica evidente os rumos que a discussão sobre raças tomará.
[2]Ver http://www.biologiadasaude.org/
[3]Grifo próprio

Interessante é perceber que os conjuntos de países que conformam a ONU nesse período não se ativeram às perdas de vidas e aos sofrimentos causados pela neocolonização na África no século XIX e XX, ou mesmo as consequências da colonização na América Latina nos séculos anteriores. Ou seja, a discussão sobre raça só ganha importância no momento em que os Europeus se veem afetados pelo racismo justificado no racialismo. Vale lembrar que o racialismo é um conceito que surge nas sociedades europeias, com o objetivo de desclassificar os movimentos antirracistas como uma estratégia eficaz ao combate ao racismo.
No Brasil, especificamente, o discurso racialista foi apropriado pelo Movimento Negro como questão de construção identitária. Ou seja, são racistas e antirracistas partindo de um mesmo campo simbólico para se enfrentarem, mas a diferença agora é que os negros (nesse caso) que sempre foram discriminados com a base nas teorias racialistas se apropriaram dessas teorias para mostrar que são diferentes mesmo e que por causa dessa diferença sempre foram colocados em condições econômicas e sociais precárias e então agora querem ser ressarcidos por causa disso. Dessa forma surgem os universalistas tentando mostrar que todos são iguais e que por isso não há motivo para “privilégios” como as cotas raciais nas universidades, por exemplo. Enquanto raça estava sendo utilizado como estereótipo para opressão não havia grandes discussões sobre o tema, a partir da apropriação do conceito como forma de auto definição e resistência às vozes contrárias aparecem para desmerecer uma luta que levou séculos para chegar ao patamar que se encontra hoje.
Partindo do mito da democracia racial, diversos autores, dentre eles Demétrio Magnoli e Célia Maria de Azevedo, se apropriam do discurso que o Movimento Negro brasileiro foi fortemente influenciado pelo Movimento Negro estadunidense que impuseram uma falsa universalização do racismo nos países emergentes e que o intercâmbio entre os intelectuais negros dos dois países seria uma estratégia de imposição do sistema bipolar de relações raciais existentes somente nos Estados Unidos. Esse tipo de afirmação desqualifica não somente os intelectuais brasileiros, mas os intelectuais e acadêmicos negros que teorizam sobre o tema.
Não há como admitir a existência do racismo negando a existência das raças no momento em que diversos povos, populações e etnias se apropriam do conceito para se auto afirmarem num mundo construído em cima das desigualdades baseadas nas diferenças. Dessa forma, os debates sobre racismo e racialismo estão apenas no começo, mas a transformação para um mundo sem raças e diferenças causadas por esse conceito social só ocorrerá quando a discussão estiver esgotada e nenhum ser humano sendo destratado pela cor da sua pele, pela sua cultura ou etnia.


Referências
ISRAEL, J.L. Razas, clases sociales y vida política em el México colonial 1610-1670. pp. 35-85. México: Fondo de Cultura Economica, [2010].
MAIO, Marcos Chor (ORG.); SANTOS, Ricardo Ventura. Cientificismo e Antirracismo no Pós Segunda Guerra Mundial: uma análise das primeiras Declarações sobre Raça da UNESCO. In: Raça como questão: história, ciência e identidades no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. 316p.
__________________________. Antropologia, Raça e os Dilemas das Identidades na Era da Genômica. In: Raça como questão: história, ciência e identidades no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. 316p.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. pp. 09-67.São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
TODOROV, T. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana. Tradução Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
FONTE:http://www.geledes.org.br/racismo-e-racialismo/

Coluna África em Verso:"Não sou de Cor, sou Negra", por Morgado Mbalate

Foto: Joana Choumali - Modelo: Jessy Okpo / Maquiagem Madoussou Kone

Não sou de cor, sou negra cor de luto.
não sou de cor, sou negra e contra o preconceito luto.
não sou de cor, sou negra com coração sem rancor.
não sou de cor, sou negra com coração que brota amor.
os negros também merecem louvor.
todas as raças merecem valor.
não sou de cor, sou negra
por que sou oprimida com o desnível social e racial?
não sou de cor, sou negra com direitos humanos como no geral.
a cor negra é uma das diferenças e riquezas.
pele negra, também, é a cor da beleza.

*Morgado Henrique Mbalate poeta moçambicano.

FONTE:http://www.pordentrodaafrica.com/cultura/coluna-africa-em-verso-nao-sou-de-cor-sou-negra-de-morgado-mbalate

ECONOMIA: UMA LINGUAGEM AINDA LONGE DO ENTENDIMENTO DO SENSO COMUM

Resenha crítica ao texto Economia Política: uma introdução crítica, de José Paulo Netto e Marcelo Braz. Cortez Editora, 2ª edição.

O mercado continua florescendo, caminhando com muito sucesso. Com sua maciça propaganda individualista e de auto-consumo, vai invadindo e conquistando mais e mais lares, arrebanhando adeptos, e convertendo aqueles “pagãos” “leigos” que são infiéis ao grande capital. No final das contas, acabam se rendendo a sua doutrina, ao discurso manso regado de promessas, sucessos, conquistas, algo tentador que converteria nos dias de hoje até mesmo o grande Karl Marx. Quem sabe?

José Paulo Netto e Marcelo Braz, em Economia Política: uma introdução critica, traz uma visão da política econômica mais acessível, de fácil compreensão e entendimento diferente de, outros autores que só trazem como está escrito no resumo do verso da capa “... são redigidos para especialistas,..., e/ou são escritos para justificar o estágio em que se encontra o capitalismo de nossos dias (a globalização)”. Em seus capítulos 2,3 e 4 destacam questões bastante interessantes, como o ponto da categoria reflexiva no terceiro parágrafo onde os autores citam a questão banal do uso da moeda. “O leitor sabe lidar com o dinheiro, expressão imediata de uma categoria da Economia Política, o valor diariamente, realiza com ele varias operações, compra, vende, não é enganado nas trocas, revela-se cuidadoso com seu orçamento pessoal, pede e concede empréstimos e até talvez faça algum investimento. (pág.55 – 1º par.)”. Certo, mais adiante no mesmo parágrafo já postam um ponto de vista questionador no uso da moeda pelo leitor, podemos assim dizer cidadão: “entretanto, se lhe pedíssemos que conectasse o dinheiro com o valor, que nos dissesse quais as suas funções econômicas, esclarecesse suas relações com o trabalho e a propriedade ou narrasse como ele se constituiu historicamente etc., com certeza o leitor se sentiria embaraçado .(pág.55 – 1º par.)”. Bem o cidadão pode ter lá as suas limitações no que se diz respeito a economia política, não assimilando suas teorias e transformações neoliberais. Mas vem-me ao acaso dizer que tal procedimento é fruto de um sistema de modelo ocidental que deu certo, certíssimo venhamos e convenhamos, portanto foram anos de implantações e estratégias liberais e neoliberais para se chegar ao estágio ao qual estamos vivenciando hoje: avanço da globalização e seus ideais pressupostos do capital. Bem , o leitor aqui, sabe manusear a moeda que recebe no início do mês, por trinta dias trabalhado quando bate na mão se vai num passe de mágica, não dá nem pra pensar em constituição histórica do dinheiro e seu valor, já que o pensamento das próximas contas toma conta total da mente, já que não vivemos mais e nunca viveremos novamente uma sociedade primitiva, de valores coletivo por se assim dizer.

A linguagem clara dos autores nos deixa a par de todo movimento da engrenagem capital em suas forças produtivas que envolve o trabalho e seus meios, objetos e a força, empregando assim a produtividade do trabalho “...isto é, a obtenção de um produto maior com o emprego da mesma magnitude de trabalho”(pág.: 58 – par:3º). O leitor aqui então, compõe o exército de força de trabalho, nesse ambiente de uma perversa globalização. No capitulo três, o valor e o dinheiro são postos de uma forma calculada sobre a força do trabalho, o quanto vale o trabalho humano empregado de forma bruta e aviltante, expropriado de todo valor humano e ético de vivência e sobrevivência, a favor de uma política econômica vil e desumana. Mas tecnicamente no cotidiano, no corre-corre alienado do dia-a-dia, o trabalhador nem sente que faz parte dessa engrenagem que impulsiona a mola neoliberal. Os dias são sempre os mesmos, as rotinas sempre iguais. “O fetichismo daquela mercadoria especial que é o dinheiro, nessas sociedades, é talvez a expressão mais flagrante de como as relações sociais são deslocadas pelo seu pode ilimitado”(pág.92 e 93 – par. 3º), citado pelos autores, é o resultado da transformação dos valores sociais, dos indivíduos cada qual no seu pertencimento em sua sociedade, em objetos, coisas, sujeitos alienados ao auto-consumo e ao individualismo. O sujeito torna-se parte da máquina capitalista, não se importando o quanto custe o seu suor, a sua auto-estima, pois as forças já se cessaram, seguir com a vida é o lema, porque insistir? se o destino está traçado, os autores esqueceram de validar essa afirmação e de valorizar o esforço do sujeito alienado ao apenas classificá-lo de sujeito portador do senso comum, coloquemos nesse sentido.

No quarto capitulo os autores, voltam a retomada da exploração da força de trabalho no âmbito econômico, capitalista com o aval da mais-valia, um termo usado para definir o excedente de esforço de trabalho do operário e a sua não compensação por esse extra excedente de mão de obra, que se torna então para o trabalhador não compensatória, já que ele está vendendo a sua força de trabalho a um preço muito baixo desvalorizando a sua mercadoria na condição humana, submetendo muita das vezes as condições de servil a serviço condicionalmente do sistema. As mercadorias feitas pelo trabalhador acabam saindo para o capitalista, na condição de ressarcir o vinculo empregatício do trabalhador, muitas das vezes satisfatório, pois ele tem um excedente fabricado e paga menos da metade pela sua produção em escala. Nada tem de segredo então nesse entendimento, na produção da mais-valia, visto que ela é bastante praticada e de comum acordo pelos sujeitos que por ela sofrem tal ardor do oficio. O salário é apenas um valor simbólico estipulado, pago bem abaixo do que realmente deveria ser:” é na fixação do preço da força de trabalho que mais imediatamente vem à tona o antagonismo entre os interesses do capitalista e os dos trabalhadores”(pag.103 – 4º par.). “... o excedente lhe é extraído sem o recurso à violência extra-econômica; o contrato de trabalho implica que o produto do trabalho do trabalhador pertença ao capitalista”(pág.107 – par: 2º)”.

Enfim, esse processo de exploração, apropriação alheia da força de trabalho de outrem pelo capitalista, pela forma mais voraz e subumana condicional do sistema neoliberal, ainda está longe de se findar. Contudo, os autores José Paulo Netto e Marcelo Braz nos deixam claros sobre os rumos da economia política em seu viés globalizado, inserido junto às crises que acompanha o capitalismo desde o seu nascimento até os dias de hoje. A obra é válida, e o conteúdo bastante proveitoso para estudos e porventura criticas, pois a nova demanda para um surgimento de um novo modelo social, em que a economia política torne uma linguagem mais popular, está longe de vir.

MARCELO SILES ALVES
Rapper,  Assistente Social.