quinta-feira, 16 de junho de 2016

O que fazer pela equidade racial no Brasil hoje? Artigo II

Ao longo do tempo, em quase 500 anos de Brasil, a população negra desenvolveu uma espécie de antídoto contra as tragédias do cotidiano. Foi assim ao longo dos 3 séculos e meio de escravismo e tem sido dessa forma nos 128 anos do pós-Abolição, que se completaram no 13 de Maio último.

Por Helio Santos, do Brasil de Carne e Osso

Bijuterias Finas

Nos últimos tempos, sentimo-nos meio estagnados como movimento social, apesar do intenso e massivo protagonismo de pequenos e mínimos empreendedores e empreendedoras. São protagonistas não apenas econômicos, mas, sobretudo, agentes sociorraciais. São coletivos que trabalham com a cultura hip hopsão modistas talentosas que exibem uma performance black fashion encantadora, são esteticistas revolucionárias, são ainda os inúmeros coletivos de estudantes negros, cada vez mais independentes da influência deletéria dos partidos, são meninas e meninos blogueiros que se viram em sua precariedade mas que desenvolvem criativa tecnologia virtual, são intelectuais jovens, sobretudo mulheres, que se destacam dentro e fora do habitat acadêmico, são artesãs da culinária que comercializam suas delícias, são ainda grupos de produção literária – alguns já bem estruturados, mas inúmeros funcionando como podem -, mas todos transpirando abundantemente o que há de melhor da nossa energia – essa lista não tem fim…

Esse protagonismo negro impressionante opera isoladamente, na maioria das vezes, nesse brasilsão continental e profundo. Essa resiliência grupal negra é ouro puro, mas sabe-se da preferência brasileira por bijuterias. Bijuterias finas.

Um protagonismo Esfuziante

É necessário perguntar: o que fazer com essa resiliência grupal esfuziante desperdiçada e solta nesse desigual país? A resposta dessa pergunta contempla e absorve a questão-título.

Requer-se uma corrente capaz de absorver essa resiliência construída ao longo de quase meio milênio. Contraditoriamente a essa movimentação intensa e luminosa de amplos setores da população negra, sente-se uma estagnação do Movimento Negro. Como transformar esse protagonismo real em um movimento com um sentido social é um desafio que vale a pena. Um movimento sócio-político com repercussões efetivas na cidadania negra-brasileira. Trata-se do enigma que temos de decifrar nesses tempos: a movimentação protagonista da população negra alimentando a um Movimento Social Negro proativo e não partidarizado, afiliado às legítimas e seculares demandas do Brasil profundo, que não é apenas negro, mas que tem uma inflexão aguda de gênero e também indígena. Refiro-me agora ao desenvolvimento de antídotos novos e mais eficazes contra o calidoscópio mutante do racismo no Brasil do século 21. Nos séculos 16 e 17 se construíam quilombos. E agora? Temos de refundar um movimento sócio-político a partir daquele protagonismo.

Essa movimentação precisa estar apta a operar com frentes, coletivos, associações e até mesmo com partidos sem, contudo, quebrar a identidade destes entes. Desenvolver um novo protagonismo que retroalimente na direção da Equidade Racial, cuja ausência vem a ser o vetor que torna o gigante Brasil um dos países mais desiguais do mundo.

Trata-se de uma usina capaz de gerar energia para uma política restauradora, onde o Ministério da Fazenda cuide de arrecadar os 500 bilhões de reais sonegados por ano (dados de 2014) e não de propor arrochos sociais. Meio trilhão de reais cobre com sobra todos os déficits anunciados com pompa pela mídia. Não se sabe de um partido sequer capaz de propor e efetivar essa “façanha”.

A quem caberá, então, “façanha” semelhante?

Continuamos no Texto 3; o último dessa série.


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