terça-feira, 23 de junho de 2015

XXII Metodologia e pre‑ história da África XXII METODOLOGIA E PRÉ-HISTÓRIA DA ÁFRICA (UM DOS CONCEITOS)

Prefácio
porM. Amadou Mahtar MBow,
Diretor Geral da UNESCO (1974-1987)


É visto que, pelas vias que lhes são próprias, o historiador só pode apreender renunciando a
certos preconceitos e renovando seu método.
Da mesma forma, o continente africano quase nunca era considerado
como uma entidade histórica. Em contrário, enfatizava-se tudo o que pudesse
reforçar a ideia de uma cisão que teria existido, desde sempre, entre uma “África
branca” e uma “África negra” que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-se
frequentemente o Saara como um espaço impenetrável que tornaria impossíveis
misturas entre etnias e povos, bem como trocas de bens, crenças, hábitos e ideias
entre as sociedades constituídas de um lado e de outro do deserto. Traçavam-se
fronteiras intransponíveis entre as civilizações do antigo Egito e da Núbia e
aquelas dos povos subsaarianos.
Certamente, a história da África norte-saariana esteve antes ligada àquela da
bacia mediterrânea, muito mais que a história da África subsaariana mas, nos
dias atuais, é amplamente reconhecido que as civilizações do continente africano,
pela sua variedade linguística e cultural, formam em graus variados as vertentes
históricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laços seculares.
Um outro fenômeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passado
africano foi o aparecimento, com o tráfico negreiro e a colonização, de estereótipos
raciais criadores de desprezo e incompreensão, tão profundamente consolidados
que corromperam inclusive os próprios conceitos da historiografia. Desde que
foram empregadas as noções de “brancos” e “negros”, para nomear genericamente
os colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os africanos foram
levados a lutar contra uma dupla servidão, econômica e psicológica. Marcado
pela pigmentação de sua pele, transformado em uma mercadoria entre outras,
e destinado ao trabalho forçado, o africano veio a simbolizar, na consciência de
seus dominadores, uma essência racial imaginária e ilusoriamente inferior: a de
negro. Este processo de falsa identificação depreciou a história dos povos africanos
no espírito de muitos, rebaixando-a a uma etno-história, em cuja apreciação das
realidades históricas e culturais não podia ser senão falseada.
A situação evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em
particular, desde que os países da África, tendo alcançado sua independência,
começaram a participar ativamente da vida da comunidade internacional e
dos intercâmbios a ela inerentes. Historiadores, em número crescente, têm
se esforçado em abordar o estudo da África com mais rigor, objetividade e
abertura de espírito, empregando – obviamente com as devidas precauções –
fontes africanas originais. No exercício de seu direito à iniciativa histórica, os
próprios africanos sentiram profundamente a necessidade de restabelecer, em
bases sólidas, a historicidade de suas sociedades.


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