terça-feira, 26 de novembro de 2013

Globeleza Fantástica


Quando da divulgação de nossa Carta Aberta ao Racismo Velado na página Mundo Negro, no Facebook, dentre os diversos compartilhamentos e visualizações, um comentário em especial me chamou à atenção. Era de um internauta (negro) indignado com nossa posição acerca do referido quadro do Fantástico e a reação irritadiça de que nossa visão seria “equivocada”. O argumento foi que a TV só está refletindo a realidade, que se quisermos mudanças, que as cobremos “aqui fora”, na vida real, na educação, etc e não no mundo de fantasia da TV aberta.
Bem, pra mim, em particular, equivocada é essa visão de “a TV é só ficção, não tem culpa pela realidade”, pois, uma mídia que movimenta milhões em influências e interesses não é, nem nunca será, isenta de uma ideologia, mesmo que seja a dos investidores da elite. E a ideologia da Rede Globo é elitista, finge que quer agradar a todos, mas seu pulo do gato é justamente ter programado o povo a aceitar seu conteúdo sem questionar se aquilo é bom ou não, simplesmente ‘fazendo bem feito’ não deixando margem para a observância sobre a procedência desse conteúdo.
Pode até ser implicância, mas não há negras escolhidas com traços negros, saca? O cabelo, o nariz, tudo muito folclórico e muito diluído.
Aí, vem a grande virada na argumentação. Falei lá sobre a questão, que não é querer ver a Globo criando uma realidade que não existe aqui fora, mas que preste ao menos algum serviço útil nessa área. Argumentei que as novelas – alegadas peças de ficção – já ajudaram a desmistificar o tráfico de pessoas, vício em entorpecentes, crianças desaparecidas e mais uma gama de questões delicadas na sociedade. Só o raio do racismo é que não tem essa divulgação. Então, é sim, um desserviço à sociedade manter o negro ignorado e negado na telinha. Estamos bem até aqui? Prossigamos…
A Globo vem, através do Fantástico (ele de novo, estamos de olho!), buscar sua novamulata negra Globeleza. Um concurso onde as candidatas – todas negras – disputarão o posto de musa do carnaval platinado. Aí, algum amigo mais branquinho, ou um irmão menos atento poderá dizer: “viu? Ficaram reclamando aê, olha só um quadro só com pessoas negras participando”. Sim, mas vou te perguntar uma coisa: “Você é o Walcyr Carrasco?” “Já reparou que é só para 20 dias de carnaval e nada mais até a outra temporada?”.
Pois bem, a Globo, descaradamente, mostra onde o negro precisa ficar enfiado (UIA!) o ano inteiro, né? Fica lá se refestelando em paetês em frente às câmeras do bundalelê dentro da senzala Esquenta e depois vai ficar saracoteando sob a vinheta famosa do carnaval. Afora isso? Um ou outro papelzinho na TV e quase nada de negros sendo mostrados em posições bem sucedidas, na vida real, para que o público perceba que um negro vencendo na vida não é algo estranho.
Um quadro muito parecido com o da busca pela Globeleza é o Menina Fantástica, concurso para a descoberta e contratação de uma nova modelo. Nesse, quase não há negras e nenhuma chegou lá, com exceção de Tayna Carvalho (com seus belos traços indígenas – mesmo assim, muito criticada com aberrações como “ganhou por cota, pra Globo fazer média”, demonstrando que se não for branca e de traços finos não poderia ganhar por beleza). Perceberam a diferença do teor dos quadros? Se é estereótipo de carnaval, aí sim, negras venham com sede, mas se for modelo internacional, bem, não falo mais nada…
Finalistas do Menina Fantástica. Tayná, a vencedora de 2010 é a quarta da esquerda para a direita. Notou o padrão de beleza e a minoria num concurso brasileiro?
Aliás, falo, pois, mesmo que a posição do negro no carnaval seja aprisionada pela mente tacanha da grande mídia num estereótipo de inversão de valores (quando aparece em muitos outros lugares, mas sempre lembrando que são ‘comunidade’), as moças – muito belas – escolhidas para o cargo sempre são de cabelos alisados, narizes afilados e lábios finos… Ou seja, são como a Tempestade, dos X-Men (e tantos outros personagens de HQs), são “brancos de cor”. Nada contra os irmãos e irmãs com traços finos (nem pensem nisso), mas estou falando que não há outro tipo de biótipo negro ‘aprovado’ para a telinha, entende? É só ver como a própria Menina Fantástica 2010, Tayna Carvalho passou de paraense para japonesa em dois tempos.

Ainda acha que é exagero MEU – e não do descaramento da TV aberta/racismo velado?
Veja as fotos abaixo e associe ao momento e conclua por si só, se não tem relação com a visão folclórica da elite sobre o pobre e o negro:
Menina Fantástica, de onde sai uma nova modelo porfissional contratada:

Nova Globeleza, quando o uma modelo/bailarina representa as vinhetas oficiais do carnaval da Globo:

Musa do Brasileirão, quando uma modelo representa um time de futebol em ensaios sensuais:

Musa do Caldeirão, uma modelo será eleita a melhor passista no carnaval do Huck:

Então, meu cumpadi, coincidência? O negro e a negra será sempre esse ‘bom selvagem’ que surge no carnaval tirando onda de bacana pra voltar ao resto do ano escondido da mídia? Há quem diga pra nos contentarmos, pois seria pior não ter representação nenhuma, mas a luta não é por presença, é por reconhecimento de igualdade e dignidade. Lembrando Candeia em Dia de Graça, a Globo manda o recado:
“(…) mas depois da ilusão, coitado, negro volta ao humilde barracão“. 
Eu já prefiro a parte:
“(…) faça da sua Maria, uma rainha todos os dias e cante samba na universidade
e verás que teu filho será príncipe de verdade
Daí, então, jamais tu voltarás ao barracão“.
Tá bom pra você?

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