A fundadora da ONG Criola estará na capital para participar da conferência Legados dos ialodês: samba e resistência feminina
Por:Adriana Izel
Fundadora da ONG Criola, Jurema Werneck é do tempo em que as universidades públicas ainda não adotavam o sistema de cotas para negros. Ela fez toda a trajetória acadêmica em escola pública e, ao contrário das estatísticas, graduou-se em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e virou doutora em Comunicação.
Sexta (25/7), às 14h30, a estudiosa — nascida e criada na favela Morro dos Cabritos, em Copacabana (RJ) — estará na capital para participar da conferência Legados dos ialodês: samba e resistência feminina. “Vou propor que as pessoas pensem sobre esse tema. Porque nós sabemos que as mulheres negras no Brasil são bastante vitimadas pela violência que o racismo, a exclusão e a desvalorização significam. Pelo samba, elas fizeram uma importante ação política de afirmação da tradição da comunidade”, adianta.
Cinco perguntas / Jurema Werneck
Você ocupa espaços que são, tradicionalmente, de homens e de brancos. Como é ser mulher negra nesses ambientes?
A medicina não é uma carreira exclusiva masculina, mas é de privilégios masculinos. Aquelas especialidades e posições de maior prestígio ainda continuam pelo controle dos homens brancos. A discussão sobre cota para as mulheres e a questão de igualdade de gênero é muito antiga no Brasil e, ainda assim, não produziu mudanças. As cotas raciais estão chegando e, se não houver uma política mais profunda, para além da entrada no vestibular, as ações afirmativas vão terminar não dando o resultado necessário.
Por que o brasileiro tem tanta dificuldade de aceitar políticas afirmativas, como as cotas?
Porque o brasileiro é racista. Tem uma parte do Brasil que luta contra o racismo e foi a parte que propôs as cotas. Mas tem a outra parte que se beneficia com as desigualdades. Uma coisa importante a entender sobre o racismo é que ele produz muitos privilégios na sociedade. Inclusive, o de estar em uma universidade pública com todas as vantagens na trajetória acadêmica. Quando eu fiz medicina, em toda as turmas, só havia três negros. Agora pode ser que já tenham mais. Mas ainda há uma forte resistência contra os cotistas.
Você é favor de cotas para outros âmbitos como concursos e cinema?
Sou a favor de todo e qualquer mecanismo que promova a igualdade de oportunidade, de inserção e de acesso aos benefícios. E não só das cotas. Sou a favor de que se faça um investimento profundo, inclusive, de recursos financeiros das ações que o Brasil precisa desenvolver para acabar com o racismo e para acabar com as desigualdades.
Nos últimos meses, vários casos de racismo ganharam destaque nos veículos de comunicação. A que se deve isso?
Primeiro foi uma vitória do discurso do movimento negro ao longo do século 21. O movimento negro passou o século 20 todo tentando ensinar a sociedade brasileira que o racismo existe. Essa vitória provocou maior visibilidade. Mais pessoas reconhecem, veem o racismo e reagem a ele. Por outro lado, ainda que haja o bloqueio na mídia comercial, agora esses setores são capazes de emitir esse discurso e de ganhar realmente uma ampliação dessa voz. Ampliou-se a voz dos sujeitos, mas a polícia e a Justiça não estão atuando como deveriam e como a lei manda. A gente ainda tem um longo caminho pela frente.
Em Salvador, Os Ferreiras de Santo podem ser despejados dos Arcos da Montanha por conta de projeto executivo de restauração dos imóveis localizados lá. Esse episódio é um resultado de uma ação racista somada à intolerância com as religiões de matriz afro?
Não tenho dúvida. São três fenômenos ocorrendo para essa tragédia: o racismo, a intolerância religiosa e a violência contra os poderes de ocupação africana. Isso tem crescido bastante e se utiliza do racismo e do fundamentalismo para agredir essas religiões. Mas tem um outro fenômeno também que é importante denunciar: a especulação imobiliária patrocinada pelos governos locais. O governo e a prefeitura de Salvador têm sido criminosos, coniventes e têm facilitado muito essa especulação, que sempre busca o lado mais fraco para atacar. Nós vimos isso no Rio de Janeiro, na época de definição dos destinos do projeto Porto Maravilha. É uma área de profunda tradição afro-brasileira, que tem inclusive o Cais do Valão, que foi de grande luta do movimento negro. Ou seja, a especulação imobiliária tira vantagem do racismo para atacar as tradições negras.
FONTE:http://www.geledes.org.br/o-racismo-produz-privilegios-diz-jurema-werneck-em-entrevista-ao-correio/
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