Genoíno foi preso. Foi preso com seu passado, com seu presente, com sua doença, com injustiças, com justiças e toda uma complexidade que a visão binária dos torcedores partidários e cuja moral repousa numa suposta posição olímpica não vão entender.
Genoíno foi preso, é fato. Discute-se a validade do julgamento, a injustiça do julgamento, a injustiça da justiça, os maneirismos autoritários de Joaquim Barbosa, discute-se a crueldade das elites, discute-se o coitadismo dos defensores de Genoíno e Dirceu, discute-se, discute-se… o que pouco se discute é a questão carcerária, que já era grave antes de pessoas chamadas de heróis por parte de seus companheiros de partido serem presas.
Enquanto lamenta-se a suposta injustiça cometida na prisão de Genoíno, tanto em seu julgamento quanto na comprovada ação abusiva do Presidente do Supremo em manter em regime fechado por dois dias condenados a regime semiaberto, por exemplo, se finge não termos um problema maior ainda e cujo contexto de suposta injustiça talvez ajudasse a resolver: a questão carcerária.
Pois bem, enquanto somos o terceiro país do mundo em número de presos, se discute a justiça, as condições e o processo de prisão de DOIS membros do PT, chamado Partido dos Trabalhadores, e nada se diz da quantidade de presos, da composição étnica dos presos, das condições universais das masmorras brasileiras, nada. Se diz da condição de Genoíno e Dirceu, da injustiça que se abateu sobre Genoíno e Dirceu.
É uma espécie de reflexo direto das prioridades do Partido dos Trabalhadores e de sua guinada evidente e inexorável à direita ter uma indignação seletiva com relação à justiça e às condições de cárcere, ao processo de prisão mesmo. Fossem outros os presos, Daniel Dantas por exemplo, fodam-se as condições de cárcere ou a forma com que se deu a prisão. Fossem outros, Amarildo, por exemplo, fodam-se as condições da cadeia, da prisão, as torturas feitas, se foram justas ou não as prisões.
Fosse outros os presos, Black Blocs por exemplo, era um dever de estado mantê-los presos, mantê-los a ferros, se possível amordaçados, se possível torturados.
Não acho que Dirceu e Genoíno tenham sofrido injustiça em seu julgamento (Talvez Dirceu tenha, dado que nenhum tipo de prova documental existe sobre ele, Genoíno não), respeito quem ache que foi injusto e que a tese do “Domínio de Fato” é um absurdo, também acho. Discutir o processo já acho um absurdo, o devido processo legal houve, mas vá lá, respeito. Acho inclusive sagrado o direito ao delírio.
E não adiantam defensores de ambos encherem o saco com suas impressões a respeito, com suas defesas baseada na bela história prévia de ambos, no papel de ambos na “transformação do país”, essa lógica já é distorcida, viciada por si mesma. O passado de ninguém é elemento de absolvição por nada, tampouco se um crime, corrupção ou homicídio, foi parte de um processo de transformação do país.
Porém, a questão aqui é menos a justiça ou injustiça da prisão de Dirceu e Genoíno, que se não fossem condenados pelos tribunais deveriam ser condenados pelo tribunal da história pela destruição do capital político de esquerda do PT, e mais a indignação seletiva, a indignação que ignora a luta de classes tanto na análise do processo do Mensalão e do papel da justiça, esperando justiça real na justiça burguesa, quanto na não expansão do raciocínio sobre as condições do cárcere para além do umbigo da burocracia, indo aos umbigos da classe trabalhadora que o PT ainda diz representar, indo ao umbigo dos tais 40 milhões que dizem ter tirado da miséria, mas não tiraram da condição social onde sua pobreza os mantém em condições indignas, desumanas, caso sejam presos.
A exclusão da luta de classes do eixo de qualquer análise sobre o papel da justiça e a prisão de Genoíno e Dirceu só não é mais eloquente ai se comparada com a exclusão do papel da luta de classes no estabelecimento das condições deprimentes dos cárceres brasileiros e sua condição, sim senhor, de classe.
A indignação não é sobre o caráter atávico de injustiça da justiça burguesa, a indignação não é sobre o caráter de classe da situação das masmorras e do cárcere brasileiros, onde 65% da chamada massa carcerária é composta de negros e onde 95% dos presos são pobres, a indignação é dirigida à prisão de figuras públicas do PT.
A indignação é seletiva, míope, negligente com o autoproclamado mandato de transformação do país com o qual se adornam os militantes, apoiadores, simpatizantes e sócios do Ex-Partido dos Trabalhadores adoram gritar pelos quatro cantos do mundo.
A indignação é seletiva porque reduz a injustiça brasileira à punidora do PT enquanto livra os assassinos de Dorothy Stang.
A indignação é seletiva porque se cala diante da tortura e morte de Amarildo.
A indignação é seletiva porque cala sobre a morte de Cícero Guedes, líder sem-terra morto em Campos no rio de Janeiro.
A indignação é seletiva porque se cala diante do fato de um negro ter 1,73 anos a menos que a expectativa de vida de um branco e por ter 70% de vítimas negras entre as quase 50 mil vítimas de homicídio em 2010.
A indignação é seletiva porque finge não ver que boa parte das mortes de jovens negros no país são a partir da ação da polícia, esta mesma polícia que governos estaduais do PT usam e abusam sem mudar seu componente racista e autoritário.
Por fim a indignação é seletiva porque se chocou mais com o uso como cenário da data da proclamação da república pelo ministro Joaquim Barbosa, do que com a própria omissão de na semana da consciência negra não aproveitar as condições desumanas do cárcere de Genoíno para discutir as condições subumanas do cárcere como um todo.
Genoíno e o PT foram rápidos em lembrar de suas memórias do cárcere para exemplificar as terríveis condições em que se encontram presos os líderes petistas, pena que não lembraram disso no decorrer de seus governos para discutir as condições carcerárias de todos os presos, o tratamento da justiça a todos os presos, o tratamento que a política dá aos cidadãos, em especial os pobres e pretos.
As condições do cárcere, de todo cárcere, são terríveis, pena que PT e seus amigos só lembram de si mesmos e de suas burocracias e deixam aos demais partidos e movimentos de esquerda o trabalho de lutar por mudanças na condição carcerária e na própria lógica punitivista do país, justiça e esquerda.
As condições do cárcere se mantém, não são tão seletivas quando a indignação.