quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Por trás do discurso da "meritocracia", o nosso passado mal resolvido

O uso “meritocracia” como verdade suprema acaba servindo a quem ignora que as pessoas não tiveram acesso aos mesmos direitos para começarem suas caminhadas individuais e que partem de lugares diferentes. Uns mais à frente, outros bem atrás.

O discurso da “meritocracia” esconde o nosso passado mal resolvido

A palavra “meritocracia” funciona em um debate como um coringa num jogo de buraco: quando falta carta para bater, ela aparece para salvar uma sequência incompleta. Não fica lá a coisa mais bonita do mundo, mas resolve sua vida porque todo mundo aceita que aquela carta pode preencher um vazio.
“Discordo de cotas étnicas, sociais ou por cor de pele no vestibular porque defendo a meritocracia.”
“A preferência para pessoas com deficiência em seleções de contratação é, a meu ver, um erro porque não segue a meritocracia.”
“Se vivêssemos em uma sociedade em que a meritocracia valesse algo, não haveria porcentagem mínima obrigatória de mulheres candidatas em cada partido nas eleições.”
Ela acaba passando um senso de lógica, racionalidade e Justiça que ergue o interlocutor a um patamar mais elevado dos mortais. Em suma, algo do tipo “venha, querido, não se misture com essa gentalha”.
Eu não sou contra que competência e experiência individuais sejam parâmetros de avaliação. Uma coisa é o mérito em si. Outra, um sistema de poder criado em torno dele como justificativa para manutenção do status quo.
O problema é que o uso dessa palavra como verdade suprema acaba servindo a quem ignora que as pessoas não tiveram acesso aos mesmos direitos para começarem suas caminhadas individuais e que, portanto, partem de lugares diferentes. Uns mais à frente, outros bem atrás.
Achar que um estudante que comia bolachas de lama, brincava com ossinhos de zebu, andava 167 quilômetros por dia para chegar à escola e ainda trabalhava no matadouro do município para ajudar na renda da família parte com igualdade de condições com outro que frequenta uma escola com laboratórios que simulam gravidade zero e possui professores com pós-doutorado em Oxford e são remunerados à altura, que viaja para um lugar diferente todos os anos a fim de conhecer o mundo e não precisará trabalhar até o final da pós-graduação é um tanto quanto irracional.
Os dois podem chegar lá. Mas se o segundo caso cruza a linha de chegada mais vezes, o primeiro é um a cada milhão. Por isso, essas histórias são contadas e recontadas à exaustão: primeiro, nós gostamos de falar de milagres e, segundo, são histórias úteis para convencer os outros que se um consegue, todos podem.
O que não é verdade. Pois, dessa forma, jogamos a responsabilidade de erros históricos não compensados e de uma desigualdade crônica de condições nas próprias pessoas que terão que vencê-las.
Há muita gente contrária a conceder benefícios para tentar equalizar as condições de quem a sorte sorriu menos. Acreditam que a única forma de garantir Justiça é tratar desiguais como iguais e aguardar que as forças do universo façam o resto.
E esse discurso é tão bem contado que, não raro, são apoiados por pessoas que, apesar de largarem em desvantagem, venceram. “Tive uma infância muito pobre e venci mesmo assim. Se pude, todos podem.” Parabéns para você! Mas ao invés de pensar que todos têm que comer o pão que o diabo amassou como você, não seria melhor pensar que um mundo melhor seria aquele em que isso não fosse preciso? De vez em quando penso que, quando nos esforçamos, podemos ser bem mesquinhos.
Como não boto muita fé que o lema “Pátria Educadora” vá resultar em melhoria do sistema educacional público, o que ajudaria a igualar um pouco as condições, e como não é possível acabar com o direito a qualquer herança (o que, hipoteticamente levaria cada geração a começar do zero, mas destruiria a sociedade como a conhecemos), o jeito é continuar apoiando medidas compensatórias e que tratam diferentes de forma diferente.
E demonstrando muito amor e paciência com quem acha que, quem não vence, é vagabundo.
FONTE:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/01/por-tras-discurso-da-meritocracia-o-nosso-passado-mal-resolvido.html



DIA 05 E 08/05 NA CIDADE DE SÃO PAULO E DIA 09/05 NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO


A inimiga pública número 1 dos EUA

A trajetória de Angela Davis: considerada inimiga pública número 1 dos Estados Unidos (ou a mulher mais perigosa do mundo), ela se tornou uma das principais vozes do movimento anticarcerário.

Angela Davis, a mulher mais perigosa do mundo

Na última segunda-feira (26), a ativista e professora Angela Yvonne Davis completou 71 anos, um ótimo momento para relembrar a trajetória desta brilhante militante do coletivo Panteras Negras, que teve o seu nome, recentemente, alçado à fama mundial por conta do documentário Free Angela Davis, que trata do período em que esteve presa, o que provocou uma mobilização nacional pela sua libertação.

A mais perigosa
Angela Yvonne Davis é natural do estado do Alabama, considerado um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e, de acordo com a sua autobiografia, desde criança sofreu na pele humilhações racistas. Leitora voraz desde criança, aos 14 ganhou uma bolsa para estudar em Greenwich Village, em Nova Iorque, fato que transformaria a sua vida, pois é neste momento que ela entra em contato com as teses comunistas e inicia a sua militância no movimento estudantil.
Ainda nos idos de 1960, Davis tornou-se militante ativa do Partido Comunista e do Panteras Negras, que à época lutava para conquistar o apoio da sociedade para libertar três militantes negros que estavam presos: George Jackson, Fleeta Drumgo e John Clutchette, conhecidos como os “irmãos soledad”, já que estavam detidos na Prisão de Soledad, em Monterey.

Em agosto de 1970, o FBI (Federal Bureau of Investigation) incluiu o nome de Angela Davis na lista dos dez fugitivos mais procurados pelo FBI. Na mesma época, o presidente de então, Richard Nixon, chegou a declarar que “Angela Davis era uma ativista muito perigosa”. Assim, tornou-se a ativista negra classificada pelas forças estatais como a “mais perigosa” e “mais procurada”, pois estava em fuga.
No dia 7 de agosto, Jonathan Jackson, irmão de George, juntamente com outros dois companheiros, interromperam um julgamento onde o réu era o ativista James McClain, que respondia pela acusação de ter esfaqueado um policial. Jackson e os colegas conseguiram render McClain, porém, durante a fuga, houve troca de tiros e Jackson e um outro membro foram mortos. O juiz Harold Haley também acabou morto e as investigações levaram para o “fato” de que a arma utilizada por Jonathan Jackson estava registrada no nome de Angela Davis.

A prisão de Angela Davis foi decretrada e a fotografia de “procurada” estampada nas vias públicas e nos principais jornais. Após dois meses, Davis se entregou. O seu julgamento levou 18 meses, tempo em que esteve presa e que resultou no livro “Angela Davis – Autobiografia de uma revolucionária”. A campanha pela libertação de Angela Davis, que ganhou a chamada de “Free Angela Davis” teve forte repercussão na sociedade norte-americana e contou com o apoio de figuras como John Lennon e Yoko Ono e da banda The Rolling Stones, ambos compuseram músicas em homenagem a Davis.

A ativista foi inocentada de todas as acusações.

Da luta racial para a luta da abolição
Em 1980 e 1984, Angela Davis foi candidata a vice-presidente da República pelo Partido Comunista dos EUA na chapa de Gus Hall. Desde a sua saída da prisão, Davis passou a entender o sistema carcerário como uma continuação das políticas racistas contra negros e imigrantes dos Estados Unidos. Desde então, seu ativismo político e acadêmico tem centrado fogo nesta questão.
Atualmente, a sua principal luta diz respeito à eficácia das políticas de cárcere. “O aprisionamento é a única maneira de tratar os crimes e as disfunções sociais? As despesas prolongadas com os aprisionamentos valem os benefícios momentâneos de supostamente deter o crime?”, questiona. Essa linha de pensamento é chamado por Davis de “democracia da abolição”.
“A democracia da abolição é, portanto, a democracia que está por vir, a democracia que será possível se dermos continuidade aos grandes movimentos de abolição da história norte-americana, aqueles em oposição à escravidão, ao linchamento e à segregação. Enquanto a indústria do complexo carcerário persistir, a democracia norte-americana continuará a ser falsa. Uma democracia falsa desse tipo reduz o povo e suas comunidades à subsistência biológica mais crua, pois ela os exclui da lei e da sociedade organizada”, explica Angela Davis.
A ativista do abolicionismo do século XXI é muito objetiva ao dizer que é necessário desmantelar as ferramentas de opressão e não passá-las às mãos daqueles que a criticam. “O desafio do século XXI não é reivindicar oportunidades iguais para participar da maquinaria da opressão, e sim identificar e desmantelar aquelas estruturas nas quais o racismo continua a ser firmado. Este é o único modo pelo qual a promessa de liberdade pode ser estendida às grandes massas”, avalia Davis.
Angela Davis também é uma crítica ferrenha a situação das mulheres em cárcere e o assunto ganhou destaque desde a estreia da série Orange is the New Black, que trata do cotidiano de mulheres encarceradas. Em entrevista ao jornal Los Angeles Times, Davis foi questionada se assistia a série e qual era a sua opinião. “Eu não só assisti a série, mas li o livro de memórias [de Piper Kerman , que deu origem a série]. Ela tem uma análise muito mais profunda do que se vê na série, mas como uma pessoa que olhou para o papel das prisões femininas na cultura visual, principalmente filmes, acho que a série não é ruim. Há tantos aspectos que muitas vezes não aparecem em representações de pessoas nessas circunstâncias opressivas. Doze Anos de Escravidão, por exemplo, uma coisa que eu perdi naquele filme era uma sensação de alegria, alguma sensação de prazer, algum senso de humanidade”, critica Davis.
FONTE:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/01/angela-davis-inimiga-publica-numero-1-dos-eua.html