Numa
discussão em meio a questão de afrodescência, um indivíduo disse-me que não sou
afrodescendente e muito menos africano. Detalhe o indivíduo é negro. Como eu
sendo preto, posso conceber tal afirmação? Como eu sendo preto, traços totalmente
negros posso relativizar essa condição do não devir negro? Não me vejo classificando como moreno, mulato e muito menos branco. Ser brasileiro todos nós
somos. O IBGE em seu senso pede a classificação de cada pessoa enquanto raça e
cor. Existem no Brasil, os pomeranos, prussianos, italianos, alemães, finlandeses
etc. todos descendentes. E porque eu não posso ascender-me na diáspora enquanto
afrodescendente?
A
discussão surgiu em torno da polêmica do tal merdaputado pastor Marcos
Feliciano em que o mesmo chamou os afrodescendentes de “amaldiçoados” afirmando
que a Bíblia confirma isso. Só que na Bíblia não há nada confirmando e muito menos afirmando.
Então esse nobre paladino membro da câmara para se safar da dita burrada, apresentou
seus pais negros e se alto afirmando também como afrodescendente assim sendo não
poderia ser chamado de racista por ter traços negróides sendo assim é afro.
Bem
se um indivíduo desloca-se de sua terra natal, nação de origem e vá se
domiciliar, habitar numa outra nação e com o passar do tempo adota esse país
como sua nova morada, os nativos dessa terra a qual ele adotou, sempre o
trataram e o tratarão com termos referentes a sua terra natal, sempre será o estrangeiro.
Por mais que ele seja recebido com amor fraterno, ele sempre será o
estrangeiro. Dessa forma somos nós os pretos, os afrodescendentes descendentes dos pretos escravizados, é algo indiscutível e
imutável, o indivíduo preto pode ter uma mãe branca e um pai preto vice-versa, de um lado veio um descendente africano escravizado.
Quando
é algo justificável para inferiorizar o negro, enganá-lo culturalmente,
espiritualmente tentam o convencer que ele não é negro, nem afrodescendente
e muito menos descendente de negros escravizados. Mas no cotidiano de forma
sutil nos melhores cargos, nos melhores espaços somos avaliados como negros e
afrodescendentes. Para o negro sempre foi e é o pior, para os brancos e claros
subservientes sempre foi e é o do melhor. Concordante a Garcia (2007)
Diante
das novas relações estruturadas no período pós-abolição, como ficou a fronteira
racial estabelecida no “direito costumeiro”? Quanto aos brancos não havia
dúvida. Eram os descendentes de europeus e ocupavam os melhores postos na
sociedade escravocrata imperial. Existiam também os brancos miseráveis. Esses
se negavam a fazer “serviço de negro”, dos ex-escravizados.26 Os pardos, os
indígenas, os negros, os “mulatos”, os crioulos e outros que o fizesse.
(Garcia, 2007, p-29)
Como citado
acima, o negro é afrodescendente sempre no que for para atuar nas piores
posições. Mas no que se concerne na luta e conquista de direitos aos negros, na
afirmação de sua religiosidade e cultura, o negro não é negro, não descende dos
africanos escravizados, e não é afrodescendente. O negro é brasileiro. O branco
não, o branco tem seus direitos garantidos tanto espiritual quanto cultural de
descendência eurocêntrica. Rápido me veio a mente o processo de destruição
identitária do negro em solo brasileiro, da destruição do seu nome, arrancando
com força suas raízes da terra mãe, através da negação involuntária de sua
ancestralidade. Convivemos na atualidade com essa tortura da negação, da
imposição do processo de submissão há um grupo religioso de características europeias e á uma elite racista e desumana.
Dali
por diante teriam que conviver com o trauma do desenraizamento das terras dos ancestrais
e com a falta de amigos e parentes que deixaram do outro lado do Atlântico.
(Albuquerque; Filho, 2006, p. 66)
Chego de
certa forma a afirmar que esses indivíduos subservientes que negam suas origens,
acabam por contribuir, propagandear e promover involuntariamente um
epistemicídio. Colaboram assim sendo com uma prática invisível de segregação e
exclusão na qual não se dão conta que também estão inseridos, seja por uma
reação fanática religiosa, seja por uma ilusão constante por acreditar que faça
realmente e que realmente veio de determinado grupo inserido da elite na qual
convive socialmente, portanto sendo forçado a negar sua história,
ancestralidade suas raízes.
“o
genocídio que pontuou tantas vezes a expansão européia foi também um epistemicídio:
eliminaram-se povos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho e
eliminaram-se formas de conhecimento estranho porque eram sustentadas por
práticas sociais e povos estranhos. Mas o epistemicídio foi muito mais vasto
que o genocídio porque ocorreu sempre que se pretendeu subalternizar,
subordinar, marginalizar, ou ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam
ameaçar a expansão capitalista ou, durante boa parte do nosso século, a expansão
comunista .... contra os trabalhadores, os índios, os negros, as mulheres e as
minorias em geral (étnicas, religiosas, sexuais).” (Santos apud Carneiro, 2005,
p. 96).
E por final
e mais intrigante, que tal indivíduo seja tão convicto de sua afirmação sobre o
povo preto e sua brasilidade, concordando obviamente de quanto a África é
amaldiçoada, que o mesmo se quer sabe a origem do nome África. Até a
classificação dos pretos africanos de negro é discutida, porém sabe-se afinal
de ser uma denominação imposta pelos brancos europeus aos povos de pele escura
quando do primeiro encontro de suas invasões a terras estrangeiras. Aportaram
em solo africano e relacionaram os povos de pele mais escura a necromancia, consiste na adivinhação mediante consulta aos
mortos e seus espíritos ou cadáveres, e começaram dessa forma a
chamá-los de negros, necro. Para deleito de meu nobre amigo negro que não se afirma negro e para o leitor (a) que ler esse texto, fecho com chave de ouro com
algumas supostas informações sobre a origem do nome África. Independente da
origem eu não estou em África, mas África está em mim.
Até a
próxima,
Abraços.
Rapper
Marcelo Silles.
Nota do
coordenador do volume: A palavra ÁFRICA possui até o presente momento uma
origem difícil de elucidar. Foi imposta a partir dos romanos sob a forma
AFRICA, que sucedeu ao termo de origem grega ou egípcia Lybia, país dos Lebu ou
Lubin do Gênesis. Após ter designado o litoral norte‑ africano,
a palavra
África passou a aplicar‑ se ao conjunto do continente, desde o fim do século I
antes da Era Cristã.
Mas qual é
a origem primeira do nome? Começando pelas mais plausíveis, pode‑se dar as
seguintes versões:
• A palavra
África teria vindo do nome de um povo (berbere) situado ao sul de Cartago: os Afrig.
De onde Afriga ou Africa para
designar a região dos Afrig.
• Uma outra
etimologia da palavra África é retirada de dois termos fenícios, um dos quais
significa espiga, símbolo da fertilidade dessa região, e o outro, Pharikia,
região das frutas.
• A palavra
África seria derivada do latim aprica (ensolarado) ou do grego aprik・(isento
de frio).
• Outra
origem poderia ser a raiz fenícia faraga, que exprime a ideia de separação, de
diáspora. Enfatizemos que essa mesma raiz é encontrada em certas línguas
africanas (bambara).
• Em
sânscrito e hindi, a raiz apara ou africa designa o
que, no plano geográfico, está situado “depois”, ou seja, o Ocidente. A África
é um continente ocidental.
• Uma
tradição histórica retomada por Leão, o Africano, diz que um chefe iemenita
chamado Africus teria invadido a África do Norte no
segundo milênio antes da Era Cristã e fundado uma cidade chamada Afrikyah.
Mas é mais provável que o termo árabe Afriqiyah seja a transliteração árabe da
palavra África.
• Chegou‑se
mesmo a dizer que Afer era neto de Abraão e companheiro de Hércules!
(Pag. 30 Joseph Ki-Zerbo)
Referências Bibliográficas:
KI-ZERBO,
Joseph. Metodologia e pré-história da África. Ministério da Educação do BRASIL.
UNESCO Representação no BRASIL, Universidade Federal de São Carlos
ALBUQUERQUE,
Wlamira R. de. FILHO, Walter Fraga. Uma história do negro no Brasil. Centro de
Estudos Afro-Orientais. Fundação Cultural Palmares. 2006
GARCIA,
Renisia Cristina. Um estudo sobre a história do negro na educação brasileira,
identidade fragmentada. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio
Teixeira (INEP). 2007.
CARNEIRO,
Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser.
Tese apresentada de São Paulo como parte dos requisitos para a obtenção do
titulo de Doutora em Educação junto à área Filosofia da Educação, sob a
orientação da Professora Drª Roseli Fischmann. São Paulo. 2005.
SANTOS,
S. Boaventura. Pela Mão de Alice.
São Paulo: Cortez Editora, 1995.