O
atual contexto a qual vivemos, vivenciamos um aspecto aparentemente conciliador
e harmônico, como previu e acentuou Gilberto Freire em “Casa grande e senzala”,
a tal “democracia racial” mitológica perdurou baseada numa construção histórica
e cultural de subserviência, docilidade, obediência, caridade e troca de
favores. Diante desses elementos que compõe os mecanismos sutis de segregação,
temos uma relação de raças concorrendo à conformidade e a aceitação,
configurando uma atenuante pacificidade diante de uma sociedade conflituosa a
qual vive a base do medo, medo do outro. O relacionamento racial, pregado
diante a argumentação de Gilberto Freire sobre uma nação mestiça, se torna
impactante nos territórios periféricos, muitas das vezes admitidos
racionalmente por concordância a uma sociedade excludente e exigente com perfis
padronais impostos e pré-definidos. O
fator racismo e desigualdade, então são camuflados.
Mas esse projeto de manipulação, não
apaga as cicatrizes a qual os negros sempre trouxeram: marginalizados,
excluídos, segregados. Esse processo de branqueamento aplicado no final do
século XIX e início do século XX, através de políticas de cunho segregacionistas
apesar de terem sido veladas, e ainda continuam sendo veladas, através da
demonização de suas culturas, religiosidades, identidades causou um efeito
fulminante indo de encontro a ideologia de desunir para conquistar e dominar. FILHO
em (A trajetória do negro na literatura
brasileira. P. 1; 2004; editora Scielo) reforça esse argumento onde o mesmo
cita, “envolvem... procedimentos que...
indiciam ideologias, atitudes e estereótipos da estética branca dominante”. Não
cabe aqui justificar e nem vitimizar, num país onde a miscigenação é o fator
fundamental para a manutenção de uma minoria no poder. Cabe sim relacionar uma
condição social onde uma maioria de pele escura está submetida a todo
desprovimento de sorte, faz-se assim fomentar uma discussão num âmbito mais
amplo que foge os padrões meritocráticos a qual o sistema neoliberal justifica
e condiciona a ações que impelem há um tratamento diferencial ao grupo
classificado teoricamente mais abastardo.
Após a abolição da escravatura, todo
tipo de sorte é lançado ao povo negro, gerando assim, uma massa de esfarrapados
sem noção para onde ir, o que fazer. Muitos negros acabam ficando nas senzalas,
pois os mesmos só sabiam exercer ofícios na lavoura, no plantio e serviços do
lar. Os que se arriscam a irem para as cidades encontram um ambiente hostil, de
repressão, racismo, exclusão a qual os empurram para os cortiços, as encostas e
morros surgindo assim as primeiras favelas. Afirmo aqui, que a desigualdade
social no Brasil tem cor, foi se construindo historicamente, onde negros foram
obrigados a aceitar qualquer limitação de possibilidade, numa sociedade hostil
e carente de todo afeto humano. Afirmo também, que uma discussão onde muitos
autores como CHADAREVIAN (Critica
marxista. Ed. Revan. P.74.2007) em seu artigo defende que deva se separar
raça de nação, ser vago tal argumento visto que, os negros oriundos da África,
vindos para essa terra a força, diretamente fincaram raízes nessa terra, para
tal efeito são nacionalistas como qualquer outro. Portanto, no Brasil separar
raça de nação, nos leva ao discurso reacionário que reforça a miscigenação
enfraquecendo assim o atual momento, onde se debate a questão cor e raça como
um fator determinante da exclusão e desigualdade social.
ALMEIDA (Critica marxista. Ed. Revan. P.98.2007), em seu artigo define essa
desigualdade e diferença em duas maneiras: “primeiro
porque os negros têm educação sistematicamente inferior, o que os coloca em
posição desvantajosa no mercado de trabalho, e segundo, porque mesmo quando se
comparam trabalhadores negros e brancos que compartilham o mesmo nível
educacional, os negros recebem menor remuneração (discriminação salarial pura)”. Na atual conjuntura contemporânea é fácil
identificar essa realidade, apesar de não admitida, mas é sim compelida e
notadamente aplicada com eficácia. Outrora diante de argumentos combativos,
faz-se necessário expandir holisticamente o embate acadêmico para além dos
muros do doutorado e da ciência ortodoxa.
SANTOS apud SILVA “cada homem vale pelo lugar onde está: o seu
valor como produtor, consumidor, depende de sua localização no território”. Tanto
em Bom Jesus do Norte-ES como em Bom Jesus do Itabapoana-ES, temos uma relação
racial baseada na harmoniosidade e conformidade. Conformidade por parte dos
negros em não aceitar a estética histórica de sua condição enquanto negro na
construção da sociedade brasileira. Observa-se uma exploração velada em conluio
há uma segregação social, econômica e territorial legitimada por uma cultura
enraizada de caridade, troca de favores e subserviência que é claramente
visível nas duas sociedades bom-jesuenses. A desigualdade social a qual a
maioria dos negros é submetida é gritante nos dois municípios. Em Bom Jesus do
Norte-ES, pode se perceber essa realidade nos bairro Silvana e arredores. Em
Bom Jesus do Itabapoana-RJ é perceptível nos bairros Santa Teresinha, Barro
Branco, Santa Rosa, Morro do Querosene, Asa Branca, Nova Bom Jesus, Usina Santa
Isabel e Pimentel Marques, onde a maioria dos seus habitantes em condições de
desigualdade são negros. Uma abordagem maleável vem a tona quando se considera
a questão da regionalidade, onde os dois municípios por questões geográficas e
culturais não se enquadram numa discussão que se envolva um padrão mais amplo a
nível nacional. Por mais que adentremos e abordemos as questões de
particularidades, não nos foge teorizar a questão racial como ponto de
referência nacional, pois os negros da região também estão fadados e são
submetidos ao mesmo processo de exclusão social aplicável de uma forma
polarizada. Por serem municípios pequenos, onde a pecuária, o laticínio são as
principais fontes de economia, a desigualdade social é vista muita das vezes
como um tabu, pela construção histórico-cultural comentada acima nesse texto.
Por fim, a desigualdade social em
nossa região não é algo empírico e nem fantasioso, é real e tem cor. Tratar os
desiguais como iguais perpetua a desigualdade isso é fato e em concordância com
ARCARY (Critica marxista. Ed. Revan.
P.106.2007), numa sociedade subjetiva igualdade sem democracia total, sem
cidadania e sem total garantia de direitos, é utopia.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA:
ARCARY,
Valério. Por quê as cotas são uma
proposta mais igualitarista que a equidade meritocrática?. Crítica marxista.
Ed. Revan.p. 106;2007.
ALMEIDA,
Mauro William Barbosa de. Lutas sociais,
desigualdade social e discriminação racial. Crítica marxista. Ed. Revan. p. 98;
2007.
CHADAREVIAN,
Pedro Caldas. Os precursores da
interpretação marxista do problema racial. Crítica marxista. Ed. Revan. p. 74;
2007.
FILHO,
Domício Proença. A trajetória do negro na
literatura brasileira. P. 1; 2004; editora Scielo
SILVA,
Tarcia Regina da. A construção da
identidade negra em territórios de maioria afrodescendente. Revista África e
Africanidade – ano 3, n.11. p.7; 2010. WWW.africaeafricanidades.com
POR
Marcelo
Silles (Rapper Silles)
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