Mariana Santos de Assis, uma militante do movimento negro que está sempre antenada nas informações e debates sobre muitos temas, já estivemos juntos no Pro-Cotas Unicamp e Pro-Cotas do Mandato Pedro Tourinho e em outras ocasiões e tenho que ressaltar a qualidade do debate que Mariana sempre nos traz de forma simples sem deixar de ser acadêmica.
Segue seu Texto abaixo:
Vivemos um momento importante no Brasil, pois nossa elite branca, finalmente está saindo do armário da democracia racial e botando o racismo na rua abertamente. Por um lado isso facilita nossa vida, pois torna visível e incontestável o racismo em certas falas e atitudes, mas por outro lado, torna mais complicado entender as raízes mais profundas da discriminação racial, as formas cruéis e sutis como os interesses e as estruturas política-econômica-ideológica reverberaram em nossa formação cultural e relações sociais.
Por exemplo, quando brancos se mobilizam contra a entrada de negros em números semelhantes a de brancos nas universidades, quando defendem o espaço universitário como sendo DELES; quando se incomodam com médicas que parecem empregadas domésticas (ao invés de se incomodarem com o fato de não termos médicas, no Brasil, que se pareçam com aquelas de Cuba); quando ainda aceitam e reivindicam elevadores de serviço, quartos de empregada e outras estruturas que demarcam e diferenciam os espaços da casa grande e da senzala; quando não paramos para pensar no medo que um homem negro em uma rua escura nos causa, e sei que causa mesmo; quando não pensamos que a marginalidade dessa parcela da população foi construída por uma história de privações e exclusão, quando dizem que “quem quer consegue”, mesmo sabendo que os negros estão, majoritariamente, pobres, presos ou mortos (vide os dados do IBGE), quando excluímos as produções culturais negras dos espaços valorizados de circulação de conhecimento.
Sempre que brancos assumem essas atitudes ou pensam dessa forma estão sendo racistas, estão, excluindo, reforçando os lugares de subalternidade do negro, nos colocando “no nosso lugar”, não é o fato de não sentirem atração sexual por mulheres negras ou não gostar de samba, funk ou qualquer produção cultural da periferia negra que os tornam racistas, assim como o fato de ter amantes negrxs ou frequentar espaços culturais negros não te torna um grande defensor do povo negro e baluarte da igualdade entre as raças. Isso porque nossa luta não é pela aceitação e admiração do branco, lutamos por um espaço digno na sociedade que ajudamos a construir, lutamos pelos mesmos direitos de escolha e liberdade que os brancos gozam, ainda que sejam pobres, dentre outras coisas por estarem bem mais próximos da “boa aparência” necessária para estar em espaços privilegiados.
Por fim, percebam que falei em brancos sendo racistas, excluindo e reforçando os lugares de subalternidade do negro, muitos gritarão revoltados que negros também são racistas, muitas vezes bem mais racistas que brancos. Lembro as palavras de Carlos Moore, “racismo é sistema de poder… O negro não tem poder de ser racista em nenhum lugar, mesmo se fosse possível”. O que negros fazem ao papaguear as bobagens racistas que faz parte de nossa sociedade é apenas reproduzir, fazer as vezes do negro servil que repete a postura do branco, numa busca desesperada por aceitação em uma sociedade que jamais o verá como igual e só o aceitará se ele, de dentro de seu belo carro importado, com sua linda mulher branca, souber abaixar a cabeça e aceitar seu lugar.
Não há nada mais perfeito para os interesses de nossa sociedade racista do que negros falando contra cotas, contra médicos negros cubanos, contra políticas de ações afirmativas ou gritando argumentos pautados no mito da democracia racial. Saibam apenas que o negro que ainda faz esse papel, nunca será revoltante e odioso como o branco privilegiado que faz o mesmo. O branco quer manter seus privilégios, seu papel de dominador e o nosso de dominados; o negro, por sua vez, quer apenas manter-se seguro, garantir o pão e o pano, ainda que o pau seja inevitável e as noites de batuque na senzala, à luz da lua e das doces lembranças de África sejam o mais próximo de liberdade que chegará. Entendo que muitos ainda não tenham consciência de que pensam e agem assim, mas no fim das contas, mesmo que não seja sua intenção é isso que está fazendo, exatamente isso.