quarta-feira, 17 de agosto de 2016

10 pessoas negras nas histórias bíblicas

Para percebermos a presença negra na Bíblia devemos considerar o seu contexto, não vamos ver escrito na bíblia: pessoas pretas, negras ou africanas. Mas vamos ler os termos etíopes, egípcios, hebreus, ou outros termos tribais. Etiópia é mencionada mais de 40 vezes na Bíblia; Egito é mencionado aproximadamente 700 vezes, e África é mencionada mais do que qualquer outro continente da terra na Bíblia. Também devemos considerar que o “Oriente Médio”, incluindo a Terra Santa foi conectado ao mapa da África até 1859, quando o Canal de Suez foi concluído. Tudo isso nos mostra que a Bíblia é um livro afro-asiático e tem muitos negros e negras como protagonistas. Nesta direção, vejamos 10 pessoas negras nas histórias bíblicas e como ilustração as imagens da última série do fotógrafo James C. Lewis.

 1 – A Rainha de Sabá 

A primeira vez que a Bíblia menciona uma Rainha refere-se a uma mulher negra. (Gn 10: 7).  A tradição etíope afirma que o nome da rainha era Makeda, mas as Escrituras se refere a ela como a Rainha de Sabá, ou a Rainha do Sul, e sua fama era tal que 2.000 anos depois, Jesus Cristo conhecia seus feitos. Jesus se referiu a ela dizendo que tinha vindo dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. – Mt 12.42.

2 – A Rainha Candace

Corajosas guerreiras, as candaces  são as rainhas mães da realeza africana na antiguidade. Em Atos 8, no Novo Testamento da Bíblia, a Rainha Candace é citada quando Filipe, o Evangelista, encontra um chefe dos tesouros de “Candace, rainha dos etíopes“, cujo nome não foi mencionado no texto. Importante esclarecer que na Antiguidade, o termo Etiópia era utilizado para denominar a região onde se situavam os povos negros do continente africano. O nome Candace foi dado a todas as rainhas da Etiópia durante o seu tempo, bem como o título de Faraó foi dado a todos os reis africanos do antigo Egito.

3 – Zípora a mulher negra

Zípora, uma africana, esposa de Moisés, e filha de Jetro (Êxodo 2: 21).  Segundo a Bíblia, Deus  permitiu que os israelitas casassem com mulheres cusitas/etíopes ( negras) Êxodo (34: 11 e 16). Há diversas passagens Bíblicas que demonstram que Deus mantinha uma relação única com os etíopes, assim como mantinha com os Israelitas: “Não me sois, vós, ó filhos de Israel, como os filhos dos etíopes?” (Amós 9:7), “Príncipes virão do Egito; a Etiópia cedo estenderá para Deus as suas mãos” (Salmo 68:31). Moisés, que escreveu os primeiros cinco livros da Bíblia, se casou com  Zipora, etíope, e foi criticado por Miriã e Arão (Números 12: 1).

4 – Tamar a negra da linhagem de Cristo

Tamar aparece pela primeira vez na Bíblia depois que Judá vai para Canaã. Então Tamar, a mulher Cananeia (Negra) fica grávida de Judá, e dá à luz aos gêmeos Zerá e Perez, formando a Tribo de Judá, antepassados do rei Davi e de José e Maria, os pais terreno deJesus. Gênesis 38.

5 – Maria a mãe  de Jesus

Os antepassados de Maria na genealogia de Jesus Cristo  são Tamar, Raabe, Rute, Bateseba (Mateus 1:1-16). As primeiras senhoras mencionadas eram de descendência de Cam. Assim, Maria pode ser  descendentes  dos povos semitas e de Cam. Deus enviou  Maria e José para o Egito com o propósito de esconder o menino Jesus do rei Herodes (Mateus 2:13). Eles não poderiam se esconder no norte da África se fosse uma família branca.

6 – Jesus nasceu em Africa

Além da sua linhagem negra, Jesus nasceu em África. Os Evangelhos dizem de maneira explícita que Jesus nasceu em “Belém de Judá, no tempo do rei Herodes” (Mt 2,1 cfr. 2, 5.6.8.16), (Lc 2, 4.15), (Jo 7, 40-43). Nos tempos antigos, incluindo o tempo de Jesus, Belém de Judá era considerado parte de  África. Até a construção do Canal de Suez, Israel fazia parte da África. Esta visão haveria de perdurar até 1859, quando o engenheiro francês Ferdinand de Lesseps pôs-se a construir o Canal de Suez. A partir daí, foi a África separada não somente geográfica, mas sobretudo histórica, cultural e antropologicamente do que hoje chamamos Oriente Médio. Aquela milenar extensão da África passa a figurar nos mapas como se fora Ásia.

7 – Simão o Negro

Os evangelhos são unânimes em afirmar que um certo Simão de Cirene ajudou Jesus a carregar a cruz, a caminho do Calvário (Mt 27.32; Mc 15.21; Lc 23. 26).  Cirene fica no norte da África. Em Atos 13:1 ele reaparece como, Simeão NígerSimão o negro, ele é um dos pastores da igreja, é o homem que impõe as mãos sobre Paulo para enviá-lo ao campo missionário. A Bíblia fala dos seus filhos e esposa como pessoas importantes na Igreja.

8 – Sofonias o profeta negro

O  capítulo 1 do livro de Sofonias   o identifica pela sua família: “Palavra do SENHOR, que veio a Sofonias, filho de Cusi, filho de Gedalias, filho de Amarias, filho de Ezequias, nos dias de Josias, filho de Amom, rei de Judá.” Sofonias foi filho de um homem chamado Cusi; esse nome – Cush, em hebraico – significa Etiópia, e Etiópia significa “a terra do povo de rostos queimados”, ou seja: pessoas negras; baseando-se nisso, Sofonias foi um homem negro.

9 – Moisés tinha as características físicas dos egípcios

A Bíblia em várias ocasiões descreve os antigos hebreus como parecendo os egípcios. Em  Gênesis capítulo 50 versículos 7-11, a escritura descreve  os hebreus como parecido com os egípcios. Um exemplo bíblico aconteceu no enterro de Jacó (Israel) que morreu na terra do Egito, os hebreus e egípcios foram à terra de Canaã para enterrá-lo. Os cananeus disseram: “Grande luto para os egípcios.”  Lembrando que no cortejo estava  os hebreus e egípcios que vão enterrar um hebreu, e os cananeus identificaram os dois como egípcios. Se os hebreus fosse um povo de pele branca os cananeus teriam reconhecido os dois, dizendo: “Este é um  grande luto dos egípcios e hebreus.”
Moisés era um hebreu – israelita da tribo de Levi (Êxodo 2: 1-3). Ele passou 40 anos no Egito (Atos 7:23), era o neto do Faraó (Êxodo 2: 6, 10).  Moisés tinha  as mesmas características físicas dos egípcios, ele foi criado na casa de Faraó, como o neto de Faraó, quando o faraó ordenou que todas as crianças, do sexo masculino, hebraicas fossem mortas ao nascer. Se os israelitas eram um povo de pele branca, como poderia Moisés hebraico sobreviver secretamente na casa de Faraó, entre egípcios de pele negra durante 40 anos, e não ser notado. As  filhas do sacerdote de Midiã também descreveram Moisés ao pai como um “egípcio”.

10 – Adão o primeiro homem

No hebraico, Adão é definido com o solo  marrom-avermelhado, pele escura como uma sombra.  O Jardim do Éden foi descrito em Gênesis como tendo sido perto de um sistema de quatro rio na região das terras de Cush, Havilá, Assur, que hoje seria perto das fronteiras do Leste do Sudão, Etiópia e Eritréia. O berço da humanidade foi confirmado quando os mais antigos restos humanos foram encontrados na Etiópia em 1974. Ciência e  Bíblia confirmam:  o berço da humanidade foi na África Oriental.

FONTE:http://afrokut.com.br/10-pessoas-negras-nas-historias-biblicas/

O segredo dos escravos reprodutores

Reprodução de “Chafariz d’el Rey no séc. XVI” (pintura flamenga, 1570-80, de autor desconhecido, óleo sobre madeira, 93 x 163 cm, Coleção Berardo), onde são visíveis vários africanos a desempenhar diferentes tarefas. Na imagem mais pequena, reprodução da primeira página do documento que está na Biblioteca Nacional da Ajuda, cópia do século XVIII do original de Venturino, que relata o episódio dos escravos reprodutores de Vila Viçosa. Ao lado, imagem atual do espaço onde existiu a “ilha” no paço ducal da Casa de Bragança, então habitado por escravos. Ainda hoje os trabalhadores referem-se à zona pelo mesmo nome.

Desumanização. Documento pouco conhecido do século XVI relata criação de escravos, em Vila Viçosa, como se fossem cavalos para reprodução

A passagem foi escrita em italiano, no século XVI, e é assim que surge no espólio da Biblioteca da Ajuda. Traduzida, revela um português estranho aos leitores contemporâneos e uma realidade difícil de acreditar. “Tem criação de escravos mouros, alguns dos quais reservados unicamente para fecundação de grande número de mulheres, como garanhões, tomando-se registo deles como das raças de cavalos em Itália. Deixam essas mulheres ser montadas por quem quiserem, pois a cria pertence sempre ao dono da escrava e diz-se que são bastantes as grávidas. Não é permitido ao mouro garanhão cobrir as grávidas, sob a pena de 50 açoites, apenas cobre as que o não estão, porque depois as respetivas crias são vendidas por 30 ou 40 escudos cada uma. Destes rebanhos de fêmeas há muitos em Portugal e nas Índias, somente para a venda de crias.”
O relato da existência de escravos reprodutores no Paço Ducal de Vila Viçosa, a mais importante casa nobre portuguesa, foi feito por João Baptista Venturino da Fabriano, secretário do cardeal Alexandrino Miguel Bonello, enviado papal à corte portuguesa em 1571 para propor Margarida de Valois como noiva de D. Sebastião. A união do rei de Portugal com a filha de Henrique II e Catarina de Médici — que acabaria por casar-se no ano seguinte com Henrique IV e tornar-se a rainha Margot de França, célebre pela morte de milhares de protestantes —, não se concretizou. E quanto aos escravos, nada mais se soube.
No século XVI viveriam 350 pessoas no paço ducal e a criação de escravos teria lugar num terreno ao lado da casa principal, uma zona ainda hoje conhecida pelos trabalhadores locais como a “ilha”. Atualmente só resta o chão, coberto de pedras, nas imediações do picadeiro e do local onde terá estado o torreão onde, em 1512, foi degolada D. Leonor, de 23 anos, pelo seu marido, o quarto duque de Bragança, D. Jaime, acusada de ter um pajem de 16 anos por amante.
O paço era então liderado pelo sexto duque de Bragança, D. João I, que três anos mais tarde acompanhou D. Sebastião na primeira incursão em África, levando com ele 600 cavaleiros e dois mil infantes. Não participou, contudo, na desastrosa expedição de 1578 devido a violentas febres, tendo enviado o primogénito D. Teodósio II, que com dez anos foi ferido em Alcácer-Quibir e viria a ser pai de D. João IV, aclamado rei de Portugal em 1640.
O “segredo”, com mais de 400 anos, continua a ser desconhecido por muitos dos investigadores da escravatura em Portugal. Os historiadores que o conhecem defendem que o episódio tem de ser estudado para que se compreenda se foi um caso único ou se representa a ponta de um novelo espesso.
O primeiro a ficar incomodado com o relato foi Alexandre Herculano, no século XIX. Nos “Opúsculos”, volume VI, refere o texto de Venturino, com pudor: “Falando dos escravos, a linguagem do autor é bastante solta, e por isso não transcreveremos esta passagem. Basta saber que estes desgraçados eram considerados e tratados como as raças de cavalos em Itália, e pelo mesmo método, que o que se buscava era ter muitas crias para as vender a trinta e quarenta escudos”.
Foram as lacunas de Herculano que levaram Jorge Fonseca, estudioso da escravatura, a procurar o documento original. Encontrou-o na Biblioteca da Ajuda, traduziu a passagem e publicou-a em 2010 no livro “Escravos e Senhores na Lisboa Quinhentista”. Um ano depois, Isabel Castro Henriques, a maior especialista portuguesa da área, cita-a em “Os Africanos em Portugal, História e Memória, séculos XV-XXI”. E é ela quem mais se insurge com a inexistência de estudos: “Impõem-se investigações rigorosas. Este é um documento de extrema violência, em que os escravos são tratados como cavalos. A investigação é difícil mas tem de ser feita”, afirmou recentemente numa conferência sobre a escravatura, na Biblioteca Nacional, em Lisboa.

SINAIS DE ALERTA

Antes de Venturino, Nicolau Clenardo escrevera cartas em que, embora não tão explícita, é referida uma estrutura de produção com fins comerciais: “Os mais ricos têm escravos de ambos os sexos e há indivíduos que fazem bons lucros com a venda dos filhos das escravas nascidos em casa. Chega-me a parecer que os criam como pombas para levar ao mercado. Longe de se ofenderem com as ribaldias das escravas, estimam até que tal suceda.” Testemunha do Portugal do século XVI, Clenardo chegou ao país em 1533 para ser mestre do infante D. Henrique, irmão do rei D. João III e sem meias-palavras, relatou: “Mal pus os pés em Évora, julguei-me transportado a uma cidade do inferno: por toda a parte topava negros.”
Na publicação “A herança africana em Portugal”, Isabel Castro Henriques explica que “desde o início de quinhentos, os autores sobretudo estrangeiros davam conta de uma atividade de produção, marcada por um carácter insólito e cruel: a criação de escravos, como se de animais se tratassem, destinada a abastecer o mercado nacional, mas também para exportação”. E transcreve uma passagem da Collecção da Legislação Portuguesa (1763-1790), que denunciava a existência de pessoas “em todo o Reino do Algarve, e em algumas províncias de Portugal (que tinham) escravas reprodutoras, algumas mais brancas do que os próprios donos, outras mestiças e ainda outras verdadeiramente negras, (designadas) ‘pretas’ ou ‘negras’, pela repreensível propagação delas perpetuarem os cativeiros”.
Questionada sobre as razões da falta de estudos sobre os escravos, Mafalda Soares da Cunha, professora da Universidade de Évora e considerada a mais importante estudiosa da Casa de Bragança, não tem dúvidas: “A investigação histórica mais recente, incentivada pelas novas agendas historiográficas internacionais, começa a tratar de forma mais sistemática e menos dependente ideologicamente da questão da presença dos escravos na história de Portugal. Os resultados são manifestamente insuficientes, mas o tema deixou de ser maldito e silenciado como o foi no passado mais recente. Creio mesmo que desperta interesse entre as gerações mais jovens de historiadores que, de certa forma também entendem o estudo da escravatura como uma forma de participação nas lutas pelos direitos humanos. Mas ainda estamos num estádio muito embrionário.”
Fantasmas históricos, os escravos não são personagens principais. “O estudo de populações com pouco acesso à escrita e aos recursos de poder é sempre difícil. Não sendo atores reconhecidos pelo sistema político, pouco falam por si, a menos que colidam com o sistema instituído. As referências de época são muitas vezes indiretas e distorcidas e os conhecimentos desses grupos, e em particular dos escravos, exige sempre um esforço grande de desconstrução das visões dominantes da época e dos contextos em que se produziram as referências”, explica a especialista.
Há pouca informação, por exemplo, sobre os escravos agrícolas porque a sua existência não tinha outro interesse para a época senão como parte dos equipamentos de uma qualquer exploração agrícola. Mas como sublinha Mafalda Soares da Cunha, “eles existiam e agiam”. Num artigo na revista “Callipole”, Jorge Fonseca relata que o duque D. Teodósio I, em 1564, teria 48 escravos, dos quais 20 serviam na estrebaria, quatro na cozinha e na copa e quatro eram varredeiros, entre outras funções. A contabilização parece ser o mais longe que se consegue ir.
Quanto ao episódio dos reprodutores, relatado por Venturino, Mafalda Soares da Cunha desconhecia-o antes do contacto do Expresso e alerta ser necessário perceber o contexto do relato para compreender a intencionalidade da narrativa e a sua veracidade, mas conclui: “Não excluo evidentemente a possibilidade. A documentação que conheço da Casa de Bragança é totalmente omissa quanto a isso, mas a probabilidade de acontecer parece-me evidente.”

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Quando chegaram a Portugal os primeiros escravos africanos?
Os primeiros escravos negros entraram em Portugal ainda no século XV, através de Marrocos, havendo registo de apreensões desde 1441, embora o uso de mão de obra escrava fosse largamente difundido desde o século XIV. Em 1444 teve lugar o primeiro carregamento de 235 escravos, trazidos do Golfo de Arguim, atual Mauritânia. O próprio Infante D. Henrique terá estado presente no primeiro leilão de escravos em Lagos, o passo inaugural para um importante negócio de exportação sobretudo para Sevilha, Cádis e Valência.

Quantos escravos existiam em Portugal no século XVI?
Lisboa abrigava quase dez mil escravos, o que equivaleria a cerca de 10% da população da capital na altura. A maior parte dos escravos encontrava-se no Algarve, região seguida pelo Baixo Alentejo, Vale do Tejo e pelo distrito de Évora. No século XVII, o número diminuiu substancialmente devido ao desvio para o cultivo de açúcar no Brasil.

Qual a influência da procura de escravos no continente americano no seu preço?
A partir de 1540, o aumento da procura de escravos para as plantações de açúcar nas Antilhas, primeiro, e depois no Brasil, fez com que o preço dos escravos aumentasse exponencialmente, tendo sido registada uma valorização de mais de 500% em três décadas, segundo o historiador António de Almeida Mendes.

Quais os escravos mais cobiçados pelo tráfico negreiro?
Os escravos “minas”, originários da Costa da Mina, no Golfo da Guiné (Gana, Togo, Benim e Nigéria), eram os mais procurados nos mercados consumidores, devido à maior resistência física. Os “angolas” eram considerados mais frágeis e com uma maior tendência a cometer suicídio. Em 1644, um decreto do D. João VI autorizaria os comerciantes a comprarem diretamente a mão de obra àquela região, como explica o historiador João Pedro Marques no livro “Portugal e a Escravatura dos Africanos”.

Quantos escravos morriam nas viagens nos navios negreiros? 
Cerca de um quarto dos escravos morria durante o transporte transatlântico. Outros, cujo número é difícil de precisar, morriam nas viagens do interior até aos portos de embarque. Alguns, ainda, não resistiam à espera pelo embarque nos navios. Chegados ao destino, a vida nas colónias também os matava, o que permitiria totalizar a morte acumulada em todo o processo num patamar superior a 70%.

Qual o maior destino mundial de escravos?
O Brasil, entre meados do século XVI e até cerca de 1850, quando 42% do tráfico negreiro, o equivalente a cinco milhões de pessoas, terá partido de África em direção ao território brasileiro. Estima-se que atualmente cerca de um terço da população brasileira descenda de angolanos. Os maiores traficantes mundiais de escravos foram os portugueses radicados no Brasil.

Portugal foi o primeiro país a acabar com a escravatura?
Não. Em 1761, o marquês de Pombal, através de um alvará régio, acabou com o tráfico de escravos para a metrópole. A 10 de dezembro de 1836, uma lei proibiu o tráfico de escravos nos domínios portugueses ao sul do Equador. A escravatura continuou no Brasil até 1888, quando o país já era independente. Portugal só a aboliu totalmente em 1875. Em 1794, o Haiti foi o primeiro país a abolir a escravatura na sequência de uma revolta de escravos, seguindo-se a Dinamarca em 1804.

FONTE:http://expresso.sapo.pt/sociedade/2015-12-08-O-segredo-dos-escravos-reprodutores

DE TRAFICADOS A TRAFICANTES, A POPULAÇÃO NEGRA É A MAIOR VÍTIMA DA GUERRA ÀS DROGAS – Entrevista com Deise Benedito

Deise Benedito é advogada, especialista em relações étnico raciais e gênero e atualmente é Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Ministério da Justiça.
Deise tem uma longa trajetória no Movimento Negro, notadamente no feminismo negro onde fundou o Geledés – Instituto da Mulher Negra e presidiu a Fala Preta – Organização de Mulheres negras, além de atuar no campo dos Direitos Humanos, onde se especializou em Política Criminal e Penitenciária.
Deise é referência nacional nestes temas, com participações em seminários, congressos e conferências, tanto nacionais como internacionais e conversou com a Iniciativa Negra sobre a tortura no sistema penitenciário brasileiro e como a sua prática é usada como um perverso mecanismo de controle da população carcerária como elemento complementar da “Guerra às Drogas”.
 O que é Tortura para você Como você a define?
A prática da tortura sempre foi frequentemente utilizada na sociedade  brasileira, introduzida no período da colonização através de tratamentos cruéis e sevícias praticadas contra os povos indígenas, seguidos de sessões de espancamentos sendo amplamente utilizada contra a população africana no Brasil na condição de escravos, como forma de obtenção de informações sobre fugas de escravos, bem com formas de obter também a subordinação, a disciplina dos corpos dos escravizados, servindo como exemplo a outros corpos africanos que se insubordinassem ao julgo do escravismo e dos maus tratos.
A tortura, na minha opinião, é uma  forma mais cruel de tratamentos aplicado ao ser humano, cujo o objetivo é a humilhação em caráter individual em um espaço isolado  ou mesmo público, a despersonalização da sua integridade física moral, afetando o seu estado emocional  reduzindo a pessoa à condição de um bestializado.
Como a tortura é tipificada dentro da norma jurídica?
O Estado Brasileiro ergueu-se sob a égide da o uso desmedido da força de forma violenta contra a população indígena e africana durante o período colonial e a escravidão no Brasil.  A prática do uso da força por agentes do estado sempre foi uma constante, ganhando as paginas dos jornais durante o período da ditadura militar, onde a tortura e os maus tratos ganharam ainda mais dimensões dentro da lógica de repressão.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, no texto do art. 5°, inc. XLIII, prescreveu que são inafiançáveis e insusceptíveis de graça e anistia os crimes de tráfico de drogas, terrorismo e os considerados hediondos. Trata-se de uma norma programática. Era necessária a elaboração de lei especial para definir crime hediondo, o que foi feito na lei 8.072/90,  onde a pratica da Tortura foi considerada crime hediondo, porém, ainda não havia uma figura penal definindo a tortura.
Assim sendo, a partir de uma extensa e árdua mobilização da sociedade civil, através da participação nas conferencias estaduais e nacionais de Direitos Humanos,  o ano de 1996 é marcado pelas denuncias da  pratica de Tortura por agentes do Estado. Tal articulação permitiu que passasse a vigorar em 1997 edição da lei nº 9.455/1997, Lei Contra a Tortura com o objetivo de intimidar a pratica da Tortura no Brasil.
Isso só ocorreu em 1997 (diga-se de passagem, nove anos após a promulgação da Constituição), na lei 9.455. Porém a Lei Contra a Tortura não impede que a mesma seja praticada, haja visto as denuncias de torturas no ambiente institucional tais como nos locais de privação de liberdade, tais como presídios, manicômios, asilos etc. Numa visão individualizada dos vários crimes contra a pessoa, pode-se afirmar que a pratica da tortura é a que mais traz desconforto e repugnância à sociedade.
O que e quem é o publico-alvo dos Espaços de Privação de Liberdade?  
O público-alvo em espaços de privação de liberdade, são as pesspas que estão sob custódia do Estado, são adolescentes em cumprimento de medidas sócio-educativas, homens em mulheres em estabelecimentos prisionais, manicômios, instituições psiquiátricas, asilos e abrigos, toda a liberdade que está sob uma decisão judicial ou administrativa. Há sempre que se notar que a grande maioria deste público-alvo é constituída por negros e indígenas.
Existe uma Cultura Institucionalizada da Tortura no Brasil?
Sim, cabe a destacar  que  durante o período da colonização e o período do escravismo,  inúmeros instrumentos foram amplamente utilizados para  a obtenção da subordinação e disciplinamento dos africanos e africanas aqui escravizados, cabendo destacar que tais,  mecanismo de tortura, tinham como objetivo também a intimidação dos insurretos escravos bem como também tinha como objetivo a subordinação à então “Ordenações Filipinas’, ordenamento jurídico este que prevaleceu no Brasil, durante todo o período da Escravidão.
Cabe também destacar que entre a utilização de instrumentos de tortura, para além da utilização do ferro em brasa,  com as iniciais do proprietário do escravo. Também, foram amplamente utilizados, a chibata, tronco, bem como a amputação de membros de escravos bem como o esquartejamento, um castigo medieval  amplamente utilizado no período medieval, que consistia em amarrar os membros da vitima junto a um cavalo e disparar em direções contraria provocando o desmembramento dos membros.
Outro instrumento utilizado era a mascara de Flandres, criada no século 15, utilizada  como reprimenda contra escravos e escravas, este instrumento tornou-se popularizado uma vez que  foi utilizado pela Escrava Anastácia. Outros instrumentos de tortura, foram a utilização de ferros presos aos pescoços, pes  e o  famoso pau de arara. Tais praticas, tinham o objeto de provocarem intenso sofrimento físico em suas vítimas.
O uso de instrumentos voltados para castigar os escravos ou mesmo as pessoas que se insurgiam, foram ao longo do tempo amplamente substituídos por outros instrumentos, principalmente por agentes do Estado, na repressão à criminalidade, através da intimidação e uso da força de forma extrema  com advento da Luz, choques elétricos, sacos plásticos e contra as mulheres o estupro!
A habitualidade no uso de instrumentos de tortura ao longo de anos por agentes do estado, incorporou-se na metodologia a ser aplicada para obtenção de delações no período da Ditadura Militar, estendendo-se até a atualidade onde  destaca se  a influencia dos EUA na formação de Agentes do Estado Brasileiro na utilização de métodos invoadores de Tortura . Neste sentido a pratica da tortura é uma cultura institucionalizada, mesmo hoje sendo utilizada através de outros métodos como eletrochoques, sacos plásticos, negligencia por parte de agentes do Estado, em locais de privação de liberdade. A tortura institucionalizada no Brasil, traz no seu bojo, a certeza da impunidade por parte dos seus algozes. Neste sentido também cabe ressaltar, o uso do corpo como um instrumento de dor.
O que você considera Maus Tratos e Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes?
Bem, segundo a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, maus tratos e tratamentos cruéis desumanos e degradantes são assim descritos:
Art. 1º. O termo tortura designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.
Já o tratamento degradante,  se dá quando há humilhação diante de outras pessoas, que faz com que a pessoa seja, obrigatoriamente, levada a agir contra a sua própria vontade em condições de subordinação. O tratamento desumano, provoca grande sofrimento físico e mental, ou físico,  impondo muitas vezes esforços à vítima que vão além de seus limites, neste caso é possível citar como exemplo as condições que os africanos durante a escravidão eram submetidos a jornadas extremas de trabalho, ou mesmo às condições que  pessoas em privação de liberdade têm hoje, sobrevivendo em condições sub-humanas tais como em celas superlotadas, ou totalmente em locais sem areação, higiene necessária, alimentação compatível, condições dignas de habitabilidade ou convivência digna.
Como se convive com a Pratica da Tortura em Presídios, Cadeias Publicas, Superlotação…?
Por incrível que possa parecer o convívio com a prática da tortura é naturalizado, entre agentes e presos e presas, está incutida dentro da esfera da estrutura do processo de confinamento,  muitas vezes perpetuadas por agentes do estado, outras vezes por sócio-educadores do sistema sócio-educativo quando não praticada entre os próprios internos.
Estamos vivendo o suplicio do Hiperencarceramento Brasil,  conta com uma população de 579.781 pessoas custodiadas no Sistema Penitenciário, sendo 37.380 mulheres e 542.401 homens, segundo os dados do Infopen, 56% dos presos no Brasil,  são jovens, entre 18 e 29 anos, estes sabemos que representam 56% da população prisional segundo ainda os dados do Depen, dois em cada 3 presos no Brasil são negros isto é 67% do total da população prisional, e 53% possuem apenas o ensino fundamental incompleto.
Em caso particular  a situação das mulheres negras é alarmante,  foi constatado que entre  anos de 2000 até 2014  o numero de mulheres na prisão apresentou um crescimento de 567,4 segundo os dados do Infopen Mulheres, do ano de 2015.
Eu destaco que 30% das mulheres presas não possuem condenação. Na sua maioria negras, jovens, com educação básica (ensino fundamental e médio) incompleto são mães na sua maioria são  responsáveis pelo sustento familiar.
Quais as suas observações sobre a prática de tratamento cruel e degradante para população negra, mulheres e jovens  em locais de privação de liberdade como a prisão  e no sistema sócio educativo?
Ao pé da letra, as condições em que jovens  africanos foram aprisionados e transportados nos navios negreiros, podemos categorizar como tratamentos cruéis desumanos e degradantes. Ao trazermos tais condições para a nossa realidade, diante do grau de desumanização aplicado aos africanos e africanas na condição de escravos para serem amplamente comercializados, também, é possível revisitar rapidamente a historia da escravização no Brasil, e em alguns casos, observar que não era a regra.
Alguns senhores de escravos tinham um extremo cuidado com suas “peças” ou sua escravaria evitando, castigos cruéis que pudessem danificar suas “peças” uma vez que um grande investimento foi efetuado para sua aquisição  e evitar o prejuízo.  Por outro lado, o que determinava o sucesso na obtenção da disciplina e subordinação da escravaria  era exatamente o uso da  força, aliado a humilhações publicas e castigos violentos e a pratica de tortura extrema, e condições degradantes de sobrevivência. Nestes casos era usado o Ordenamento Jurídico intitulado Ordenações Filipinas que, em seu Livro V, determinava o número de chibatadas que o escravo insurgente receberia.
Trazendo para a realidade da população negra, sempre afirmo que mesmo com a “Abolição da  Escravatura”  a população negra, mesmo passado mais de 120 anos, tem ainda sobre suas cabeças a “Mão do Capataz” travestido de República, Estado  Democrático de Direito, onde não são salvaguardados  direitos ou mesmo garantias para esta população  que vive na esfera da Periferia Constitucional,  tendo como agravante o fato de ser ainda vista como “ inferior”, despossuída de direitos e garantias previstas na Constituição.
Eu quero destacar aqui, no que se refere a pratica de tratamento cruel desumano e degradante, principalmente os jovens negros do sexo masculino, sempre foram preferencialmente vitimas das abordagens truculentas do aparato policial, seja ele civil ou militar no que se refere à Segurança Pública, as humilhações públicas nas abordagens, durante a condução nos casos “prisão preventiva” as prisões sempre arbitrárias apontam para a condução até a autoridade responsável,  é seguida por um ritual de espancamentos e xingamentos quando não, são expostos nos programas de telejornalismo sensacionalista para aumento de lucros das emissoras atráves do aumento de patrocinadores, ampliando os custos e reforçando estereótipos de potenciais delinquentes.
Como você vê a população negra em privação de liberdade na condição de dependente química?
Bem, no meu ponto de vista, eu posso destacar que o alcoolismo sempre foi um dos principais problemas da população negra, com traumas terríveis em inúmeros lares,  por ser uma “droga” barata  e de fácil aquisição, depois as chamadas psicoativas, onde posso elencar a maconha, amplamente também utilizada por escravos de angola, conhecida como Djamba. E, ao entrarmos no uso das anfetaminas, nesta destaco a cocaína, uma droga  viciante, e o crack, um dos problemas maiores dos grandes centros urbanos.  O uso das drogas, tem sido considerado uma das causas da violência. Porém se observamos a situação da população dependente química, em privação de liberdade, na maioria das vezes necessita de tratamento adequado, participação da família, profissionais qualificados, e não internação e ser visto como um “caso de Polícia”.
A relação estabelecida com a população negra  é sempre o da garantia da segurança pública não sendo tratado  como um problema de (saúde pública) .Devo salientar a questão da “Guerra às Drogas”. Em  1971, o então Presidente dos EUA, Richard Nixon, fez um discurso considerado histórico onde declarou: “As drogas são nosso inimigo público numero um”  A partir deste discurso, o modelo intitulado de “Guerra às Drogas” foi amplamente difundido em todo mundo, vendedores de plantas, ou mesmo compostos químicos começaram a ser tratados como “terroristas” e uma ameaça à segurança e à saúde públicas, sendo enquadrados os consumidores e portadores.  A tal guerra continua, e deixa um cenário desolador principalmente para a população negra, tanto na condição de usuária ou mesmo na condição de “traficante”.
De  Mercadoria no Trafico Transatlantico de Escravos à condição de “traficantes”, e de dependentes químicos, é possível  observar, que a população negra e jovem,  foi a mais atingida,  no que se refere à violência perpetrada pela “guerra as drogas”, que vai da ação dos agentes públicos há guerras entre as faccões para o domínio do comercio de drogas nos territórios das grandes cidades. Enfatizo sempre que o Genocídio da Juventude Negra se iniciou no momento do aprisionamento destes  jovens na Africa, ganhando novas formatações, num processo que vai desde o abandono no pós abolição,  e se estende aos dias de hoje,  no que se refere às politicas publicas eficazes para sua inclusão social visando o fim das desigualdades provocadas pelo racismo e a discriminação,  realizada culminando no encarceramento em massa.
O Genocídio da Juventude Negra, não se dá apenas pelas guerras entre descendentes de traficados, atualmente na condição de traficantes, destaco ( Pequenos Traficantes) ou melhor os (terceirizados no tráfico)  mas  deve-se levar em conta o impacto das morte na vida de inúmeras famílias negras, quando não mortos pelos agentes do Estado mortos  pelo uso abusivo de drogas.  Destaco a sina das mães, irmãs, filhos e as jovens viúvas,   que  repetiram a triste trajetória de suas tetravós em criar os filhos sozinhas,  continuando a ser o arrimo de família e estarem expostas a violência, vivendo em situação de vulnerabilidade extrema,  na mira das  facções, dos desafetos de seus ex companheiros mortos na “Guerra às drogas”.
FONTE:http://iniciativanegra.org/de-traficados-a-traficantes-a-populacao-negra-e-a-maior-vitima-da-guerra-as-drogas-entrevista-com-deise-benedito/