"Vênus Negra" mostra as razões pseudocientíficas que defendiam o racismo no século 19
Por: EDU FERNANDES
"A primeira cena de "Vênus Negra", filme em cartaz no Festival Varilux de Cinema Francês, é repleta de importância. Trata-se de uma aula de anatomia que acontece na Paris do começo do século 19. Na ocasião, são comparados atributos físicos de uma mulher negra com a de macacos, uma prática corriqueira na época para defender o racismo.
Além de já apresentar o tema polêmico do filme baseado em uma história real, a cena mostra o trágico desfecho de sua protagonista, cujo cadáver serviu como objeto de estudo para cientistas franceses. Saartjie (pronuncia-se "Sar-qui") era uma bosquímana utilizada por um sul-africano como atração circense. Ela apresentava-se como se fosse uma selvagem e assustava a plateia com rompantes violentos.
Outro ponto importante na cena inicial é estabelecer um código próprio do filme, em que "espetáculos" são mostrados integralmente para que depois apenas se façam referências a parte deles. Além da aula absurda (para o conhecimento que temos hoje), constituem cenas de espetáculo as humilhantes apresentações da Saartjie.
Por mostrar diversas versões desses shows, o filme acaba por também explorar a miséria e o exótico de sua protagonista. Um bom exemplo de conduta diferente pode ser contemplado em "Homem Elefante" (1982), outro filme em que uma atração circense é o personagem principal. A diferença é que o diretor David Lynch prefere focar-se mais no humano e menos na aberração.
Outro efeito colateral de se mostrar demais as apresentações de Saartjie é a grande duração de "Venus Negra", com 159 minutos. Dessa maneira, a extrema passividade da personagem principal chega a incomodar.
Percebe-se que ela não está nada contente com sua situação, mas não há reação por parte dela. Saartjie recorre à bebedeira como válvula de escape e colabora para a atmosfera de decadência humana na qual o filme se passa.
SINOPSE
Paris, 1817, na Escola Real de Medicina. "Eu nunca vi a cabeça de um ser humano tão parecida com a de um macaco.". Parado ao lado do modelo feito a partir do corpo de Saartjie Baartman, o médico Georges Cuvier é categórico em sua afirmação. Sete anos antes, Saartjie sai de sua terra natal na África do Sul com seu mestre, Caezar, que expõe seu corpo para a audiência dos shows de horrores em Londres. Livre e escravizada ao mesmo tempo, a "Vênus de Hottentot" se torna um ícone dos miseráveis, destinada a ser sacrificada na busca de um fio de esperança na prosperidade.