sexta-feira, 13 de maio de 2016

O Cachorro Magro ataca novamente em “Adeus, Velha Era!”


Depois de “C’est La Vie“, que é o primeiro single do novo CD do alter ego do Shawlin, o obscuro Cachorro Magro, que dispara trap’s como poucos, lança a música “Adeus, Velha Era!“.
Assim como o primeiro lançamento, a produção musical segue nas mãos de Hupalo. De acordo com Mc Shawlin, a música é sobre a desilusão do brasileiro com a política, tudo narrado, é claro, pelo ponto de vista do Cachorro Magro.
Adeus, velha era! É um adeus ao jeito que a política é feita no nosso país… aquel ejeito que pede ministério em troca de voto em projetos benéficos pro povo, é o fim da ilusão da direita e esquerda que nos joga um contro o outro em um plano de poder obsoleto. É um adeus ao ‘povo alienado da política’ e também o início da compreensão sobre quem está nos representando, como nos representa e etc.” disse Shawlin em nota de lançamento.
A arte é de Anderson Arte e mixagem/masterização de U-Flow. O som é o segundo single do “O Inferno do Cachorro Magro Vol.2“, que segue sem data de lançamento.
FONTE:http://www.rapnacionaldownload.com.br/34167/o-cachorro-magro-ataca-novamente-em-uma-diss-pro-brasil/

Rap é compromisso: ouça 2 remixes inéditos da edição em vinil do clássico álbum do Sabotage


A edição em vinil do álbum “Rap é Compromisso” do Sabotage nem bem saiu e já acabou. Feito pelo selo Somatória do Barulho, o Vinil chegou em edição dupla, com todo o áudio remasterizado e ainda dois remixes inéditos, da música “Um Bom Lugar” por DJ Nuts, e “Cocaína” pelo finado Dj Primo.
De acordo com os produtores do vinil, os remixes foram feitos há mais de uma década e meia e estavam guardados em disquetes no acervo do DJ Nuts, esperando uma ocasião especial que acabou chegando. Ouça os remixes:
A edição em vinil do “Rap é Compromisso” estava sendo vendida a R$130,00 reais. A Somatória do Barulho pretende fazer uma segunda tiragem ainda esse ano.
FONTE:http://www.rapnacionaldownload.com.br/33779/remix-inedito-sabotage/

A coisa tá preta: Rincon Sapiência exalta a negritude e ressignifica expressão racista em novo clipe


No Dia da Abolição, (sexta-feira, 13 de maio), o rapper Rincon Sapiência lança o videoclipe do single inédito “A Coisa tá Preta”, faixa de seu tão aguardado primeiro álbum “Galanga Livre”, com lançamento previsto para o mês que vem.
Gravado na Cohab 1, na zona leste de São Paulo, e lançado em parceria com a VEVO, o clipe revela a essência da música ao exaltar a negritude e ao tratar uma expressão historicamente utilizada em tom pejorativo de maneira positiva. Em clima de festa, um time de dançarinos e figurantes cuidadosamente selecionado representa a diversidade da beleza negra no clipe, reforçando o ideal de que os negros também descendem de reis e rainhas africanos, uma constante nos trabalhos de Rincon Sapiência.
Na faixa “A Coisa tá Preta”, Rincon busca ressignificar esta expressão idiomática que, junto a outros ditos populares, acaba por diminuir a autoestima do povo negro, carente de referências positivas relacionadas à cor de sua pele.
Quando penso por que sou tão apaixonado pela música RAP e pela cultura Hip Hop, lembro do impacto que os clipes de RAP tiveram pra mim. Comportamento, moda, música, quebradas, danças, tudo isso que eu via nos vídeos me representava, me faziam sentir acolhido e identificado. Em tempos onde se discute o peso da representatividade na cena RAP brasileira, espero trazer essa mesma sensação pra quem assistr ao meu trabalho.” conta Rincon Sapiência, em nota de lançamento.
Produzido pela Boia Fria Produções em parceria com a Porqueeu Filmes, o clipe teve direção de Luis Rodrigues e do próprio Rincon Sapiência, e contou com direção de fotografia e câmera da agência Na Lata.
Os figurinos elegantes, com roupas, acessórios e maquiagem, compõem um conjunto que remete, ao mesmo tempo, à ancestralidade e ao afrofuturismo. Somados à musicalidade e à dança, os elementos visuais expressam uma diversidade de cores e texturas que evidenciam o espírito do hit que promete tomar as pistas com orgulho e atitude negra.
A imersão do rapper no universo da música africana se destaca em seu trabalho no álbum “Galanga Livre”. Produzido pelo próprio rapper, o disco conta com coprodução e mixagem do experiente William Magalhães, (Banda Black Rio) e masterização de Arthur Joly.
FONTE:http://www.rapnacionaldownload.com.br/34200/rincon-sapilencia-a-coisa-ta-preta-clipe/

Capitalismo selvagem à brasileira

Empresas que se instalaram em Moçambique através de projetos exportados pelo Brasil avançam sobre as terras dos camponeses enquanto o país, em crise, se afasta dos programas de cooperação
A província de Niassa compartilha com o Malavi as águas azuis do terceiro maior lago da África e um espaço imaginário com o Brasil, entre os paralelos 13o e 17o Sul. Nessa latitude, a savana se torna cerrado do outro lado do Atlântico, onde a terra vermelha, o calor tropical e a vegetação baixa sombreada por árvores aproximam ainda mais Brasil e Moçambique, irmanados na língua e no passado de escravidão que marcou sua gente.
Vista de perto, porém, a savana, pontilhada de casinhas de adobe e teto de palha, não guarda mais nenhuma semelhança com o cerrado desfigurado pela soja, a principal commodity brasileira, responsável por 12,7% das exportações. Lichinga, a capital do Niassa, tem a mesma latitude de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, estado onde a soja se estende por mais de 8 milhões de hectares. Aqui, as machambas (roças) são pequenas e produzem milho, feijões e amendoim, algumas culturas de rendimento como gergelim, girassol e chá.
Da janela do carro, vemos as crianças pastoreando os cabritinhos na entrada das aldeias e as mulheres, enroladas em capulanas coloridas, com potes de água na cabeça. Os homens se aproximam, oferecendo bacias de cenouras, milho assado, feixes de lenha, sacos de carvão. Mais de 76% dos habitantes da província vivem do trabalho nas machambas, vendendo o excedente – e os produtos mais valiosos, como os animais e hortaliças – nas estradas e nos mercadinhos locais.
Trata-se de uma população rural proporcionalmente elevada até em relação ao país, em que 68% dos 27 milhões de habitantes vivem da terra. São as machambas, cultivadas de sol a sol com a enxada de cabo curto, que garantem a alimentação de mais de 90% das famílias moçambicanas, baseada na chima (um angu de milho-branco) acompanhada do caril, feito de amendoim, feijões e hortaliças.
Com 142 mil habitantes, Lichinga é o centro urbano da área mais fértil do corredor de Nacala, um cinturão agrícola de 14 milhões de hectares que vai do lago Niassa, no noroeste do país, ao porto de Nacala, no oceano Índico, onde 4,5 milhões de camponeses vivem nas províncias de Niassa, norte da Zambézia, Nampula e um pequeno trecho de Cabo Delgado.
A coincidência de latitude entre o corredor de Nacala e a zona produtora de soja brasileira é a pedra fundamental do Programa de Cooperação Tripartida para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical (ProSavana). Assinado em 2009 pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Japan International Cooperation Agency (Jica) e Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar de Moçambique (Masa), o ProSavana nasceu para desenvolver a agricultura do país, implantando a monocultura de soja e de outras commodities.
O projeto tem DNA brasileiro. O Plano Diretor foi elaborado pela GV Agro, um think tank do agronegócio da Fundação Getulio Vargas, presidido por Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do governo Lula e cotado para o mesmo cargo em um eventual governo Temer. A GV Agro criou também um fundo de investidores privados, o Fundo Nacala, para um investimento conjunto de empresários brasileiros de produção de grãos. A Embrapa é a coordenadora técnica do projeto, inspirado no Programa de Cooperação Nipo-Brasileira (Prodecer), que desmatou o cerrado do Centro-Oeste brasileiro e expulsou comunidades para implantar a monocultura da soja a partir dos anos 1980. Financiado pela Jica, o programa doou equipamentos, ofereceu consultores e enviou pesquisadores brasileiros da Embrapa ao Japão para aprimorar a produção de soja no cerrado.
Mulheres em Lichinga, Niassa (Foto: Alexandre Campbell)
É essa tecnologia, baseada na cultura de sementes comerciais, com o uso de adubos e defensivos químicos, que está sendo exportada para a savana africana. Como diz Vicente Adriano, um dos diretores da União Nacional de Camponeses (Unac), “o ProSavana vai exportar para Moçambique os poucos problemas que ainda não temos, como a falta de terras para os camponeses e o uso de agrotóxicos nas machambas”.
“Os camponeses querem água encanada nas casas, microssistemas de irrigação e extensão rural para melhorar a produtividade das machambas”, diz Adriano, rebatendo as acusações de que os inimigos do programa estão contra o progresso. “Mas como levar a sério um governo que investe apenas 5% do orçamento na agricultura enquanto 81% da população ativa trabalha na terra?”, pergunta.
O governo moçambicano alega dispor de uma grande extensão de terras “não aproveitadas” para oferecer ao agronegócio estrangeiro. Só em Niassa, a província com a menor densidade demográfica do país (11 habitantes por km2), o Masa calcula que há 2 milhões de hectares “não aproveitados” para destinar ao programa.
Na avaliação dos camponeses, porém, essa conta desconsidera o sistema de pousio, tradicional na agricultura familiar. Para fazer o rodízio das machambas, com intervalos para o solo “descansar” (o pousio), o território tem de ser bem maior do que as áreas efetivamente plantadas. Segundo eles, o governo ignora também o modo de vida nas aldeias, onde o espaço comunitário inclui os caminhos que levam às fontes de água, o território das mangueiras e embondeiros (baobás), a vegetação nativa que fornece as ervas medicinais, a lenha para cozinhar e a palha que cobre as casas.
Pela legislação de Moçambique, todas as terras pertencem ao Estado – as pessoas têm direito à posse dos territórios que habitam, desde que estejam neles há pelo menos dez anos. Os camponeses, porém, desconfiam que o governo pretende desapropriar suas terras utilizando a ressalva legal que o permite destinar áreas a projetos de desenvolvimento de “interesse público”. E argumentam: a legislação de terras vem sendo alterada por pressão de projetos como o ProSavana e a Nova Aliança para Segurança Alimentar e Nutricional, uma iniciativa do G8 – os países mais ricos do mundo – para a África que obteve a adesão de Moçambique em 2013.
Eles não veem com bons olhos também a previsão do governo de que os camponeses participarão dos empreendimentos agrícolas através do sistema de contratos, utilizado no país desde a colonização portuguesa. Teoricamente, seria uma venda antecipada da safra, já que a produção é previamente comprada pelos fazendeiros e empresários que fornecem os insumos e os descontam na hora em que recebem a produção. Na prática, porém, é o camponês que arca com o prejuízo, porque tem de pagar os insumos mesmo que a safra quebre; se tudo correr bem, é o empresário que fica com a maior parte do lucro, já que revende a preço de mercado o que obteve barato do camponês.
O mercado de capulanas na Vila de Mutuali, em Malema, de onde partiu a resistência camponesa ao ProSavana (Foto: Alexandre Campbell)
Em Niassa, a desnutrição crônica infantil alcança 44% dos menores de 5 anos, taxa que ultrapassa 55% em Nampula e na Zambézia (dados do Inquérito Demográfico da Saúde/2011).
A Unac, que congrega 100 mil camponeses, lidera a mobilização contra o ProSavana desde que ele se tornou público, o que ocorreu só dois anos depois do acordo triangular ter sido assinado. Todos os debates foram feitos a portas fechadas sem a participação dos camponeses. Em julho de 2012, o vice-presidente Michel Temer viajou a Maputo para o lançamento do Fundo Nacala, com a presença do então presidente de Moçambique, Armando Guebuza (2005-2014), atraindo a atenção da mídia para o programa.
Os camponeses passaram a exigir transparência do governo e a cobrar as audiências públicas sobre o projeto, previstas por lei. Em 2013, quando elas finalmente começaram a ocorrer, vazou uma versão do Plano Diretor do ProSavana, feita pelos brasileiros da GV Agro. A notícia de que 14 milhões de hectares seriam utilizados pelo programa provocou um rebuliço – depois o governo apresentaria uma nova versão resumida, a Nota Conceitual, sem informar a área que será destinada aos empresários do ProSavana, o que se repetiu no lançamento da versão “zero” em março de 2015 (veja aqui as respostas do governo moçambicano às informações pedidas pela Pública).

Um apelo aos brasileiros

Um mês depois do vazamento da versão dos brasileiros, em maio de 2013, a publicação de uma carta aberta dirigida a Guebuza, à presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e ao primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, ganhou repercussão internacional. Subscrita por organizações de camponeses e de direitos humanos de Moçambique, Brasil e Japão, a carta pedia a “suspensão imediata” do ProSavana e o diálogo “democrático e inclusivo” com as comunidades e alertava para “as sérias e iminentes ameaças de usurpação de terras dos camponeses e remoção forçada das comunidades”.
No final de 2013, os representantes da Unac vieram conhecer a zona produtora de soja do Mato Grosso. Voltaram a São Paulo estarrecidos com a destruição do cerrado – até hoje o estado é líder em desmatamento na Amazônia Legal – e foram para um encontro com movimentos e organizações de trabalhadores rurais brasileiras no Instituto Lula, onde falaram sobre as razões dos camponeses para resistir à implantação do projeto idealizado pelos brasileiros.
A desconfiança foi vencida pela dificuldade de serem ouvidos no próprio país, governado pela ex-socialista Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) desde a independência. Apesar da decepção com os brasileiros, eles ainda creditavam ao país as políticas públicas levadas a Moçambique no governo Lula, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Mais Alimentos, ambos destinados a fomentar a agricultura familiar.
O que eles não imaginavam, porém, é que a esperança de sensibilizar os formuladores da política Sul-Sul para o equívoco de seu projeto esbarraria a seguir no desinteresse absoluto dos brasileiros.
A queda no preço das commodities, que daria início à crise econômica do fim do primeiro governo Dilma, arrefeceu o ânimo do país em relação à África. Entre 2012, quando Temer foi a Maputo, e o fim de 2014, o orçamento executado dos programas de cooperação na África, que já vinha baixando desde a saída de Lula, caiu de US$ 36 milhões para US$ 28 milhões. O Fundo Nacala foi desativado sem ter captado nenhum recurso, segundo Cleber Guarani, responsável pelo projeto. O acordo com a Embrapa acaba no próximo mês, embora ainda possa ser renovado por mais 18 meses, segundo a assessoria de imprensa da ABC, ligada ao Ministério de Relações Exteriores.
Tudo indica, porém, que os moçambicanos perderam os interlocutores oficiais sem se livrar do ProSavana – nem das empresas brasileiras. A Agromoz, por exemplo se estabeleceu em 2012 no distrito de Gurué, na divisa entre Niassa, Nampula e Zambézia, com o objetivo de plantar 3 mil hectares de soja. Em 2013, a empresa desalojou mil camponeses, segundo a Unac (a empresa diz que 137 famílias foram atingidas) e desestruturou a comunidade que acolheu parte dos expulsos, como constatou a Pública ao visitar o local no ano passado (os detalhes dessa história estão na reportagem “Cruzando o território Macua”).
A Agromoz é uma sociedade do grupo brasileiro Pinesso, com a portuguesa Américo Amorim, que também cultiva soja no Brasil, e pela moçambicana Intelec – uma das empresas de fachada do ex-presidente Guebuza. De acordo com o banco de dados de Interesses Empresariais do CIP – Centro de Integridade Pública – de Moçambique, o ex-presidente, que se tornou milionário no desmonte do Estado socialista que ajudou a fundar, controla através de “laranjas” mais de 30 empresas no país. 

Um afago em Guebuza

Enquanto na janela do nosso carro os camponeses acenavam com suas bacias de verduras, o Corredor Logístico de Nacala (CLN) estava prestes a ser inaugurado. Os 912 quilômetros de trilhos incumbidos de escoar o carvão da Vale e as commodities agrícolas do ProSavana para o porto de Nacala – onde a Odebrecht construiu um aeroporto de US$ 120 milhões financiado pelo BNDES – foram um alento para o programa, retardado pela resistência dos camponeses. Sete anos depois da assinatura do acordo, o ProSavana contava apenas com cinco projetos piloto em funcionamento, além de dois campos de experimento da Embrapa, um em Niassa e outro em Nampula. Nessa etapa inicial, o programa tem orçamento de US$ 35 milhões; destes, US$ 8,2 milhões são brasileiros.
Porto de Nacala (Foto: Alexandre Campbell)
Com investimento cem vezes maior, o projeto da Vale Moçambique vem sendo ainda mais traumático para os camponeses. O contrato assinado em 2007 com o governo moçambicano, presidido por Guebuza, concedeu benefícios e incentivos fiscais e não exigiu nada que pudesse ser revertido para os 54,7% da população que vivem abaixo da linha da pobreza. Em janeiro de 2012, protestos nos reassentamentos da Vale, em Moatize, na província de Tete, expuseram internacionalmente violações das regras do Banco Mundial na remoção de 1.365 famílias camponesas da área ocupada pelas minas de carvão a céu aberto (veja a reportagem “A multinacional que veio do Brasil”).
Durante as obras do CLN, mais 1.800 famílias foram expulsas e cerca de 10 mil foram atingidas em Moçambique e no Malavi, indenizadas “de acordo com o que estabelecem as leis vigentes” nos dois países, segundo a assessoria de imprensa da Vale.
Desde a chegada ao país, a multinacional brasileira se interessava pela possibilidade sugerida por Guebuza de criar o próprio corredor de exportação, embora não tivesse a menor intenção de transportar camponeses ou os seus produtos. A ferrovia de Sena, que parte de Moatize para o porto de Beira, é compartilhada com outras mineradoras estrangeiras, o que limitava a planejada expansão de extração, hoje com capacidade de produzir 22 milhões de toneladas de carvão por ano.
Mas a execução do CLN, orçado em US$ 4,4 milhões, exigia uma série de negociações. Era preciso obter a concessão da ferrovia em operação no Malavi – para ir de Tete a Niassa, o CLN atravessa o país vizinho – e da Linha Norte, que atravessa 583 quilômetros no sentido oeste-leste a área do ProSavana.
Guebuza mais uma vez se aliou à mineradora brasileira em defesa de seus próprios interesses. Desde 2000, a estatal Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) havia cedido 51% da concessão da Linha Norte e do porto de Nacala à Sociedade de Desenvolvimento do Corredor de Nacala (SDCN). Os controladores da SDCN, com 67% da sociedade, eram a NCI, de Fernando Couto, irmão do escritor Mia Couto, e duas empresas americanas (Railroad Development Corporation e Edlow Resources). Os outros 33% da SDCN eram de “investidores nacionais”, ou seja, “altos dirigentes do Estado e do partido Frelimo”, deputados, governadores provinciais e, claro, “laranjas” e membros da família de Guebuza,segundo um estudo do CIP de dezembro passado sobre a concessão da Linha Norte. Em 2009, as americanas venderam sua participação para a Insitec, outra empresa de Guebuza, por um valor nunca revelado. O que se sabe é que no ano seguinte a Vale pagou a bagatela de US$ 21 milhões à Insitec para adquirir 51% de participação na SDCN, que controlava também a Central East Africa Railway (CEAR), no Malavi. Depois comprou os 16% de Fernando Couto e passou a deter 67% da sociedade – os outros 33% continuaram com os “investidores nacionais”. Em 2013, a Vale ficou com 85% da sociedade, que passou a concessão do porto de Nacala à empresa Porto Norte, fundada pelos “investidores nacionais” e dirigida por Fernando Couto. A concessão do porto não interessava à companhia brasileira, que investiu em um terminal exclusivo em Nacala-a-Velha, na mesma baía.
O investimento se revelou pesado para a mineradora, que enfrentava os baixos preços dascommodities. Em dezembro de 2014, o maior conglomerado japonês – que faz parte do grupo acionário que controla a mineradora brasileira – adquiriu metade da participação da Vale no CLN e 15% das minas em Tete. Além do aporte de US$ 1 bilhão, a Mitsui se comprometeu a compensar o investimento nas obras. Até hoje, porém, as sócias discutem as condições desse acordo.
Ao anunciar a transação em uma coletiva de imprensa, em 2014, o presidente da Vale, Murilo Ferreira, sublinhou a necessidade de agradar ao governo de Moçambique – e aos “investidores nacionais” – abrindo o caminho para o transporte das mercadorias do ProSavana. “Em 2011, o presidente Guebuza expressou o interesse dele de que a ferrovia trouxesse benefícios superiores ao do carvão, que seria originalmente o único produto a ser transportado. Nós entendemos bem a demanda do governo de Moçambique e tornamos uma ferrovia aberta para que ela pudesse transportar carga geral, mas sem dúvida alguma a Vale tem o seu core business. Nosso principal interesse é estar em Moçambique. Nós recebemos o sócio Mitsui para participar tanto da mina, com 15%, quanto do corredor Nacala, com 35% do capital total, assim como nós teremos 35%. A gente acredita que isso será um veículo importantíssimo para o desenvolvimento de outros negócios dentro de Moçambique, trazendo oportunidades e emprego para aquele povo que tanto precisa. Vemos grandes oportunidades na agricultura, nos transportes de produtos, inclusive, combustíveis, no corredor Nacala. Então, essa transação com uma casa muito importante, como a Mitsui, traz esse contexto especial.”
Corredor Logístico de Nacala nas proximidades de Cuamba (Foto: Alexandre Campbell)
Um alento para o governo moçambicano, ainda disposto a atrair o capital estrangeiro, e para os japoneses, interessados na importação dos grãos. Empresas que chegaram ao país em 2013 passam a expandir seus projetos. A Mozaco, acusada de grilar 2 mil hectares da aldeia de Natuto, em Malema, pretende cultivar 20 mil hectares de soja e algodão; a sul-africana Alfa Agricultura, que atuava na área de serviços no porto de Nacala, obteve US$ 77 mil da agência americana Usaid para instalar um projeto agrícola inicial de 1.000 a 3.000 hectares em Nampula.
Surgiram atravessadores de terra, que obtêm as concessões de uso do governo moçambicano (o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra – Duat) e as repassam para investidores que pagam uma taxa anual para explorar a terra, como registra o relatório da ONG Grain em parceria com a Unac lançado no ano passado. Os camponeses estão sendo obrigados pelo governo a tirar os Duat de suas terras, restringindo a posse à área efetivamente ocupada pelas machambas e fragmentando o espaço coletivo das aldeias. Como previam.
Durante três semanas, a Pública percorreu mais de 500 quilômetros de estradas no território do ProSavana, visitando aldeias, projetos agrícolas e pequenas cidades. Nesse itinerário, encontrou comunidades expulsas pelo programa, famílias vivendo à beira dos trilhos da Vale, sem proteção ou indenização, e uma sentida desilusão com os simpáticos ex-amigos brasileiros.
Pública entrevistou também várias lideranças comunitárias dispostas a resistir ao projeto. Como dizem os macuas, “etthaya hu muhitumihe” – ou, em português, “não se pode vender a terra”. Em Moçambique ela ainda é de quem a cultiva.
FONTE:http://apublica.org/2016/05/capitalismo-selvagem-a-brasileira/

Capistrano: 13 de maio: a abolição incompleta


No dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assinava a famosa Leia Áurea. Lei que extinguia a escravidão no nosso país. O Brasil foi o último país das Américas a acabar com a escravidão, foi também o país que recebeu o maior contingente de escravos vindos do continente africano, por isso o afrodescendente é uma presença marcante na sociedade e na cultura brasileira.

A abolição incompleta

A Lei Áurea foi de certa forma a usurpação por parte da elite brasileira de um ato que se concretizava através da luta do povo negro. As medidas de suavizar a escravidão com leis paliativas (Lei do Ventre Livre, Sexagenário e outras) tiveram no ato da princesa Isabel o seu ápice. É a velha história de sempre, evitar rupturas que possam prejudicar a classe dominante. Mesmo assim, após a assinatura da Leia Áurea o Império caiu, a República foi proclamada no dia 15 de novembro de 1889, os escravocratas inconformados com tal ato tiraram seu apoio ao governo imperial e com isso precipitou-se o advento da República que chegou recheada de escravistas.
A luta dos negros pela sua liberdade, aqui no Brasil, foi longa e árdua, teve início com a chegada dos primeiros escravos e, se intensifica com o passar do tempo. O negro nunca se conformou com a sua condição de escravo. Os quilombos transformam-se na trincheira de resistência e o de Palmares, no grande símbolo da luta dos negros contra a escravidão. Inclusive, a data do assassinato de Zumbi, o grande herói de Palmares, 20 de novembro de 1695, transformou-se no Dia Nacional da Consciência Negra, resultado de um projeto de lei do deputado baiano Haroldo Lima (PCdoB), aprovado em 1995. Essa lei deu um sentido político a uma luta que ainda não terminou, pois os afrodescendentes ainda buscam seus direitos, oportunidades iguais no processo de ascensão social, que historicamente lhes foi negado, com a mentira da democracia racial.
Palmares desmente a pecha de dolente auferida aos negros pelos os escravocratas. O quilombo de Palmares é a prova cabal da luta dos negros na defesa da sua liberdade, hoje um símbolo de resistência, de perseverança e de coragem de um povo na luta contra a mais vil exploração do trabalhador, que é o trabalho escravo.
A historiografia dominante tentou por muitos anos justificar as mazelas do nosso país com a história da mistura de raças “inferiores”: o português, não muito inteligente; o índio, preguiçoso e o negro, dolente, mole. Uma mentira que de certa forma dominou as salas de aula e os livros de história do país por muitos anos.
Mas, o que interessa nesse registro é debater o tipo de abolição resultante desse ato assinado pela princesa Isabel e que na realidade não proporcionou a verdadeira libertação desejada pelos negros e pelos defensores da abolição da escravidão no Brasil.
A princesa Isabel, ao assinar a Lei Áurea, esqueceu-se de assinar a carteira de trabalho dos alforriados e não fez uma reforma agrária dando ao ex-escravo um pedaço de terra para que ele pudesse trabalhar e sustentar a família. Com a nova ordem, o negro continuou excluído, desempregado, analfabeto e marginalizado das riquezas do país.
Essa é a dívida histórica que a sociedade brasileira tem com os negros e pardos e que hoje começa a ser resgatada com políticas afirmativas, embora motivo de muita polêmica. Os de sempre são contra as políticas de cotas, mesmo assim, o governo Lula tem avançado muito com políticas positivas de inclusão social que vem corrigindo esse crime hediondo cometido contra os afrodescendentes.
É necessário uma maior mobilização da sociedade brasileira para que a implantação e a concretização dessas políticas sejam efetivadas. Até por que as forças reacionárias têm um poder midiatico muito forte e isso tem influído negativamente na opinião pública, prejudicando a luta das entidades que as defende.
O jurista Fábio Konder Comparato, este ano, em uma audiência pública realizada no Superior Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade ou não das políticas de cotas para as universidades públicas, encerrou sua participação, brilhantemente, dizendo: “eu encerro senhores ministros, essa minha modesta participação nessa audiência pública, com uma manifestação de profunda tristeza. Mais de um século depois da abolição da escravatura neste país, nós estamos ainda a discutir uma política que certamente não é suficiente para dar aos negros e pardos que vivem no território brasileiro, uma posição de relativa igualdade com os demais brasileiros. Mas, nada se disse e nada se diz, até hoje, do fato de que quase quatro séculos de escravidão não suscitam a menor, a mais leve discussão sobre a necessidade ética e jurídica de se dar aos descendentes de escravos uma mínima compensação pelo estado de bestialidade a que eles foram reduzidos pelos grupos dirigentes durante tanto tempo”.
Portanto, para mim, o dia 13 de maio é um momento singular, para refletimos sobre um ato importante, que foi a assinatura da Lei Áurea, mas não suficiente para corrigir a excrescência de um sistema que excluiu da vida econômica, social e política do país, milhares e milhares de trabalhadores e trabalhadoras, afrodescendentes, que construíram as nossas riquezas e que não tiveram o direito de usufruir dessas riquezas. Lembro uma frase atribuída ao poeta Mário Quintana que diz: “democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um”.
Antonio Capistrano foi reitor da UERN e é filiado ao PCdoB
FONTE:http://www.geledes.org.br/capistrano-13-de-maio-abolicao-incompleta/?fb_ref=6tOT0YsMZR-Facebook

“Em meio a toques de recolher, a cidade parou, mas não o medo”

Maio de 2006. Eu estava no primeiro ano do ensino médio. Estudava tão longe de Perus (zona norte de São Paulo), que, para chegar às 7h na Lapa, tinha que acordar às 5h e tomar o ônibus às 6h. Minha mãe, que cresceu com medo das ruas escuras da madrugada, nunca me deixou ir sozinha de casa até o ponto. Todo dia ela fazia tudo igual, enquanto o pai continuava dormindo.
Mãe é loba selvagem na proteção de seus filhotes. Mãe não mede nem os próprios medos pra segurar, pelas mãos, o medo de suas crias. Por muito tempo, eu achei isso um exagero materno, uma proteção sem tamanho. Mas naqueles dias de maio, o medo de minha mãe não andava sozinho, ele estava em cada oração de “proteja meu filho de todo mal, amém“, em cada pedido de “fique em casa“, “não sai hoje, não, filho” das outras, tantas, mães que também tinham medo.

Em meio aos toques de recolher e manchetes bombásticas, a cidade parou, mas não o medo, esse pairou na gente. Trancamos os portões. Ninguém saia. Recolha-se quem puder. Nesses dias, não tinha escola pra mim, porque os ônibus deixaram de circular. Só circulavam as notícias de que o bicho iria pegar.
Para quem mora na periferia, estrondo alto só tem dois significados. Ou é fogo de artifício ou é bala no asfalto. Os fogos são a anunciação de que a mercadoria chegou, enquanto os tiros, de que mais um se foi. Na redoma de minha casa, nos protegemos bem, nenhuma bala perdida.
Enquanto isso, nos outros cantos, das outras periferias, um cem número de meninos sucumbia nos asfaltos. Mortos a queima roupa nos portões de casa; na ida ao mercadinho; na prosa com o amigo na calçada. Para o Estado, só mais uns que morriam sem glória. Para as mães, a certeza que o medo cravado na nossa mente, não é e nunca foi coisa da nossa cabeça. Ele tá no tom da pele do menino que corre atrás da pipa desde pequenininho. Ser pobre e preto é a desculpa que o PM dá pra estraçalhar com nossos meninos.
E foi isso, exatamente, que eles fizeram com os meninos das mães de maio daquele ano, do ano passado, deste aqui e do ano que chegará. Para quem não vive a realidade da quebrada no dia a dia, o medo de nossas mães é medinho, é coisa pouca. Para quem não entende que a equação pobre e preto deságua em “suspeito”, nunca vai entender o nosso medo. Nunca vai entender quão corajoso é cada menino, cada menina, que escancara sua negritude, seja no cabelo, nos dreads ou black power, no estilo ou na música.
E para provar que Maio e o medo das mães ainda não acabou, é que a gente ainda precisa continuar lutando. Mas até na luta o choro se faz presente. Foi em março, eu estava em frente a uma grande bandeira de fundo branco trazendo as letras garrafais  “CONTRA O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE PRETA”, quando aquele homem se aproximou. Fernando estava inconformado. Na madrugada de sábado para domingo, enquanto ainda vivíamos o êxtase que traz a vinda de um novo espaço cultural para a quebrada, chegava a notícia, também de quebrada:“Hoje, ali em cima, mataram mais um de nós”, ele falou, com os olhos doloridos (sim, olhos doloridos!), marejados.
Estávamos em festa em Perus, mais um espaço abandonado agora seria ocupado com arte, com Hip Hop. Mas, ali, escutei um dos depoimentos mais doídos que esse coração em festa poderia ouvir. E a certeza de que o muito que fazemos ainda é pouco, muito pouco.
Mataram a tira roupa, sem dó, mais um menino periférico. Não, não tive mais informações desse menino, mas ele podia ser qualquer um de nós, dos nossos. Ele podia ser um dos filhos da ocupação do ano passado ou de agora. Ele poderia, inclusive, ocupar novos lugares dele próprio, mas invadiram sua vida antes.
Os que não vivem a periferia vão chamar de melodrama, mas isso dói demais na gente. Estamos ali com nossas armas – rima corrida, poesia da vida – disputando nossos meninos/meninas com balas de canhão. E quando a comunidade traz a notícia, é sempre assim: “mataram MAIS UM“. Ou seja, é uma conta que vem somando, a cada dia, muitos inocentes e o choro de muitas mães.
Nesse mês, eu peço que, assim como as Mães de Maio, canalizemos as nossas dores em luta, em muitas lutas. Nenhum a menos, nossa vitória não será por acidente!
FONTE:http://nosmulheresdaperiferia.com.br/especiais/em-meio-a-toques-de-recolher-a-cidade-parou-mas-nao-o-medo/

A Dor da Cor

Um dos aspectos mais surpreendentes de nossa sociedade é como a ausência de identidade racial ou confusão racial reinante é aceita como dado de nossa natureza. Quando muito, à guisa de explicação, atribui-se à larga miscigenação aqui ocorrida a incapacidade que demonstramos para nos autoclassificar racialmente. É como se a indefinição estivesse na essência de nosso ser. Seres transgênicos que escapariam de qualquer identidade conhecida, aos quais nenhum atributo racial e étnico utilizado alhures poderia abarcar por tamanha originalidade. É assim para o senso comum, é assim para a maioria dos intelectuais. Diferentemente de outros lugares, a nossa identidade se definiria pela impossibilidade de defini-la.
Por Sueli Carneiro
No entanto, a identidade étnica e racial é um fenômeno historicamente construído ou destruído. Nos EUA, onde, ao contrário do que se pensa a escravidão, também produziu uma significativa população miscigenada, definiu-se que 1/8 de sangue negro fazia do indivíduo um negro, a despeito da clareza de sua cor de pele. Aqui também definimos que 1/8 de sangue branco deveria ser um passaporte para a brancura.
Vem desde os tempos da escravidão a manipulação da identidade do negro de pele clara como paradigma de um estágio mais avançado de ideal estético humano que todo negro de pele escura deveria perseguir diferentes mecanismos de embranquecimento. Aqui, aprendemos a não saber o que somos e sobretudo o que devemos querer ser. Temos sido ensinados a usar a miscigenação ou a mestiçagem como uma carta de alforria do estigma da negritude: um tom de pele mais claro, cabelos mais lisos ou um par de olhos verdes herdados de um ancestral europeu são suficientes para fazer alguém descendente de negros, se sentir pardo ou branco, ou ser ‘‘promovido” socialmente a essas categorias. E o acordo tácito é todos fazermos de conta que acreditamos.
Dad Squarisi, com sua precisão cortante, disse em artigo de 13 de maio último que ‘‘a língua denuncia o falante”. No termo pardo ‘‘cabem os mulatos, os caboclos e todos os que não se consideram brancos, negros, amarelos ou indígenas”. Todos os que não se desejam negros, amarelos ou indígenas encontram uma zona cinzenta onde se abrigar, se esconder e se esquecer de uma origem renegada.
Para além do desejo de embranquecimento, outros fatores atuam como indutores da ambivalência na classificação racial.
Pertenço a uma família de sete filhos de mãe e pai negros, e alguns de nós foram classificados como pardos, sendo meu pai o responsável por todos os registros de nascimento, suficientemente preto para não haver dúvidas sobre a cor de seus filhos. Meu pai, que só sabia assinar o nome, nunca soube a cor que atribuíram a seus filhos. Dependia da vontade do escrivão porque, via de regra, isso nem lhe era perguntado.
É comum as negras bonitas serem ‘‘promovidas” a mulatas ou morenas por um galanteador. Essa ‘‘promoção, usada como uma forma de elogio, exige em contrapartida um sorriso envaidecido.

Entre as novidades do novo Censo, está o crescimento, em relação ao recenseamento de 1991, dos que se declaram pretos, indígenas e brancos, decrescendo a proporção dos autodeclarados pardos, que começam a desembarcar dessa zona cinzenta e optam decididamente pela identidade branca, negra ou indígena.
A identidade étnica e racial é fenômeno historicamente construído ou destruído. Como afirma Dad Squarisi, ‘‘o jeito pardo de responder revela o jeito pardo de ser”. Cresceu em 24% nesse Censo o número de pessoas que se autodeclararam pretas e que se supõe antes se autodeclaravam pardas. Essa novidade trazida pelo Censo pode talvez indicar que estejamos mudando, saindo das brumas e abdicando do subterfúgio da indefinição racial para enfrentar, no dizer de Hélio Santos, ‘‘a dor da cor” ou da raça. E, quem sabe, enfim curá-las.

FONTE:http://www.geledes.org.br/a-dor-da-cor/#ixzz48Xup3vYH


128 anos após Lei Áurea, país ainda tem marcas escravocratas


Da minha avó me lembro pouco, mas me recordo das histórias que minha mãe contava. Não sobre a sua mãe, mas sobre a mãe de sua mãe, ou seja, a minha bisavó. Ela, que nascera escrava, havia presenteado a neta com um velho caldeirão de ferro, lembrança da época de cativeiro. 
Essa relíquia, que continua presente em minha casa, é uma lembrança silenciosa do quanto as marcas da escravidão ainda são recentes e perpetuadas nas poucas gerações que separam o negro da atualidade daquele que foi escravo no último país a abolir o cativeiro nas Américas.
Neste 13 de maio –128 anos após a assinatura da Lei Áurea–, ao olhar para o velho caldeirão, percebo que ainda existem vários caldeirões ligando o país escravocrata de ontem ao Brasil do século 21.
O caldeirão da educação, por exemplo, nos faz lembrar de que nunca houve um programa de inclusão aos descendentes de escravos. Isso mesmo após os avanços da última década, quando, mais do que em toda nossa história, um maior número de negros ingressou nas universidades. Ocorreram políticas afirmativas em escolas superiores de ponta, como a USP, mas afrodescendentes ainda são menos de 4% dos alunos que lá estudam.
No caldeirão da saúde, pesquisas recentes demonstram que as mulheres negras continuam em situação semelhante à de antes da abolição. De acordo com dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres e do Ministério da Saúde, mulheres negras são vítimas de 60% da mortalidade materna no Brasil, sendo que somente 27% delas tiveram acompanhamento durante o parto –contra 46,2% das mulheres brancas.
Tal tratamento desigual tem consequências. No período entre 2000 e 2012, enquanto as mortes por hemorragia entre mulheres brancas caíram de 141 casos (por 100 mil) para 93, entre as mulheres negras aumentaram de 190 para 202 casos. Além disso, os dados mostram uma queda expressiva na mortalidade por aborto de mulheres brancas –de 39 para 15, a cada 100 mil partos– e um aumento de 34 para 51 óbitos de mulheres negras.
Já no caldeirão da segurança pública, infelizmente, conseguimos retroagir a uma situação ainda mais nefasta do que a da época da assinatura da Lei Áurea. Segundo o  Mapa da Violência 2014, os homicídios de negros cresceram, enquanto os de brancos diminuíram. Em 2002, foram assassinados 29.656 negros –soma de pretos e pardos, segundo a nomenclatura do IBGE– e 19.846 brancos. Em 2012, os números passaram, respectivamente, para 41.127 e 14.928. Ou seja, aumentou em 38,7% o assassinato de negros e diminuiu em 24,8% o de brancos.
Outro dado preocupante dessa pesquisa é o crescimento dos crimes de morte contra jovens afrodescendentes. A taxa de 2012 era de 80,7 homicídios a cada 100 mil negros (30,1 para brancos) na faixa dos 15 aos 29 anos de idade. Para variar, nesse intervalo de 2002 a 2012, os assassinatos de jovens brancos diminuíram 28,6%, ao passo que os de jovens negros aumentaram 6,5%.
No caldeirão da participação política, a desigualdade se manifesta avassaladoramente. Embora negros sejam mais da metade da população brasileira, na última eleição os parlamentares que se autodeclaram negros são apenas 5 dentre os 27 eleitos para o Senado Federal. Na Câmara dos Deputados, os afrodescendentes representam 20% dos 513 membros.
Esse quadro de exclusão se estende para os demais poderes da República. Dos 32 ministérios da presidente afastada, Dilma Rousseff, apenas um, o da Cidadania, já foi ocupado por uma ministra negra, Nilma Lino Gomes, e entre os novos ministros indicados pelo presidente interino, Michel Temer, não há negros ou mulheres. Com a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa, também não temos negros no STF (Supremo Tribunal Federal), fenômeno que se estende para a maior parte das cortes das diferentes instâncias do Judiciário brasileiro.
Essa ausência negra se reproduz na quase totalidade dos órgãos de governo da maioria das unidades da federação. Não há nenhum negro no primeiro escalão do governo Geraldo Alckmin, de São Paulo, o Estado mais rico e desenvolvido do país.
Graças à lei de cotas instituída há três anos, São Paulo conta com uma proporção significativa de negros em cargos estratégicos na cidade. São procuradores, auditores, contadores e professores, entre outros, que fazem do município o que mais inclui negros pelo sistema de cotas na América Latina.
Ainda é cedo para avaliarmos as incipientes políticas afirmativas e seus resultados, mas é fato que elas constituem um importante instrumento para reduzir, mesmo que de forma ainda insuficiente, o fosso que separa os negros dos brancos em nosso país.  Enquanto isso, olho para o velho caldeirão de ferro que às vezes me incomoda, mas que também serve de alerta, pois é o elo que nos liga a um passado triste e que insiste em perpetuar-se em nossa sociedade.
FONTE:http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/05/13/128-anos-apos-lei-aurea-ainda-ha-marcas-de-pais-escravocrata.htm