DE JERUSALÉM
O estudante palestino Ibrahim Ghunaim, 21, esbarrou na reportagem da Folha enquanto cruzava pela primeira vez a fronteira com Israel. Ansioso, falava sobre suas apresentações de rap e sobre a vida estreita na faixa de Gaza. Após o concerto, conversou ao telefone sobre os desafios de fazer música em tempos de Hamas --segundo ele, o grupo extremista que domina a área não vê seus shows com bons olhos.
Sou rapper desde 2006. Era tão jovem quando comecei! Mas as pessoas dizem que sou o número um de Gaza.
Escrevo sobre o que vejo e sobre o que quero ver. Falo de mim, do meu povo, da situação, da causa palestina.
Tenho muitos problemas por causa da música. Fui preso várias vezes por fazer shows sem permissão do Hamas. Mas por que preciso de permissão? Não é um país livre?
O Hamas não aceita nenhum show em Gaza. Temos de procurar oportunidades fora daqui. O governo não nos deixa fazer música.
Em 2011, eu vendia mil ingressos para um show. Venderia mais hoje, mas não me apresento sozinho há dois anos porque o Hamas não permite. O último concerto só fiz por ter apoio de uma grande empresa em Gaza.
Acabei de voltar de Jerusalém. Fui convidado pelo consulado francês para uma apresentação. Meu show foi ótimo. Foi minha primeira visita a Jerusalém. Os convidados disseram que esse foi o melhor concerto da noite.
Só consigo fazer shows quando tenho apoio de entidades estrangeiras. O Hamas não diz "não" aos europeus. Só aos moradores de Gaza.
Não fui pago. Eles me levaram da fronteira até Jerusalém e me trouxeram de volta. Fiquei na casa de amigos, em Jerusalém e na Cisjordânia.
Estudo relações públicas e marketing na Universidade Palestina. Meu pai paga o curso. Não tenho emprego. Se achasse um trabalho, ainda assim não conseguiria me alimentar com o salário. Quando ouviu minhas músicas, minha família me deu liberdade para fazer o que quiser.
Estou trabalhando no meu primeiro projeto. Vão ser dez vídeos, vou traduzir para sete línguas. É difícil ter recursos; pago tudo do meu bolso. Ninguém apoia essa música, qualquer música, em Gaza.
Escolhi fazer rap porque posso dizer o que quiser. Talvez em outros gêneros de música eu não pudesse cantar sobre esses assuntos. O Hamas diz que o rap não é parte da nossa cultura, que é uma coisa que pegamos do Ocidente. Querem que a gente cante só orações em árabe.
Tento fazer eles ouvirem nossas canções, mas eles não nos dão uma chance. Eu posso ser uma pessoa importante em Gaza. Posso fazer muito dinheiro, se deixarem.
O nome da minha canção "Min Aja" significa "quem está vindo". Estou falando sobre mim mesmo e sobre os rappers que me criticam.
Os árabes não têm uma causa em comum: só a língua nos une. Cada um tem a própria causa. A minha é a palestina. Estamos morrendo aqui, mas continuamos de pé para conquistar nosso país.