quinta-feira, 24 de julho de 2014

KAROL CONKÁ




A maldição branca


Artigo do escritor uruguaio Eduardo Galeano debate a tragédia do Haiti numa perspectiva histórica: "Nada tem de novo o menosprezo pelo Haiti. Há dois séculos, o país sofre desprezo e castigo".
Eduardo Galeano *
No primeiro dia deste ano a liberdade completou dois séculos de vida no mundo. Ninguém se inteirou disso, ou quase ninguém. Poucos dias depois, o país do aniversário, Haiti, passou a ocupar algum espaço nos meios de comunicação; não pelo aniversário da liberdade universal, mas porque ali se desatou um banho de sangue que acabou derrubando o presidente Aristide.
O Haiti foi o primeiro país onde se aboliu a escravidão. Contudo, as enciclopédias mais conhecidas e quase todos os livros de escola atribuem à Inglaterra essa histórica honra. É verdade que certo dia o império que fora campeão mundial do tráfico negreiro mudou de idéia; mas a abolição britânica ocorreu em 1807, três anos depois da revolução haitiana, e resultou tão pouco convincente que em 1832 a Inglaterra teve de voltar a proibir a escravidão.
Nada tem de novo o menosprezo pelo Haiti. Há dois séculos, sofre desprezo e castigo. Thomas Jefferson, prócer da liberdade e dono de escravos, advertia que o Haiti dava o mau exemplo, e dizia que se deveria “confinar a peste nessa ilha”. Seu país o ouviu. Os Estados Unidos demoraram 60 anos para reconhecer diplomaticamente a mais livre das nações. Por outro lado, no Brasil chamava-se de haitianismo a desordem e a violência. Os donos dos braços negros se salvaram do haitianismo até 1888. Nesse ano o Brasil aboliu a escravidão. Foi o último país do mundo a fazê-lo.
O Haiti voltou a ser um país invisível, até a próxima carnificina. Enquanto esteve nas TVs e nas páginas dos jornais, no início deste ano, os meios de comunicação transmitiram confusão e violência e confirmaram que os haitianos nasceram para fazer bem o mal e para fazer mal o bem. Desde a revolução até hoje, o Haiti só foi capaz de oferecer tragédias. Era uma colônia próspera e feliz e agora é a nação mais pobre do hemisfério ocidental. As revoluções, concluíram alguns especialistas, levam ao abismo. E alguns disseram, e outros sugeriram, que a tendência haitiana ao fratricídio provém da selvagem herança da África. O mandato dos ancestrais. A maldição negra, que empurra para o crime e o caos.
Da maldição branca não se falou.
A Revolução Francesa havia eliminado a escravidão, mas Napoleão a ressuscitara:
- Qual foi o regime mais próspero para as colônias?
- O anterior.
- Pois, que seja restabelecido.

E, para substituir a escravidão no Haiti, enviou mais de 50 navios cheios de soldados. Os negros rebelados venceram a França e conquistaram a independência nacional e a libertação dos escravos.
Em 1804, herdaram uma terra arrasada pelas devastadoras plantações de cana-de-açúcar e um país queimado pela guerra feroz. E herdaram “a dívida francesa”. A França cobrou caro a humilhação imposta a Napoleão Bonaparte. Recém-nascido, o Haiti teve de se comprometer a pagar uma indenização gigantesca, pelo prejuízo causado ao se libertar. Essa expiação do pecado da liberdade lhe custou 150 milhões de francos-ouro. O novo país nasceu estrangulado por essa corda presa no pescoço: uma fortuna que atualmente equivaleria a US$ 21,7 bilhões ou a 44 orçamentos totais do Haiti atualmente. Muito mais de um século demorou para pagar a dívida, que os juros multiplicavam. Em 1938, por fim, houve e redenção final.
Nessa época, o Haiti já pertencia aos brancos dos Estados Unidos.
Em troca dessa dinheirama, a França reconheceu oficialmente a nova nação. Nenhum outro país a reconheceu. O Haiti nasceu condenado à solidão. Tampouco Simon Bolívar a reconheceu, embora lhe devesse tudo. Barcos, armas e soldados lhe foram dados pelo Haiti em 1816, quando Bolívar chegou à ilha, derrotado, e pediu apoio e ajuda. O Haiti lhe deu tudo, com a única condição de que libertasse os escravos, uma idéia que até então não lhe havia ocorrido. Depois, o herói venceu sua guerra de independência e expressou sua gratidão enviando a Port-au-Prince uma espada de presente. Sobre reconhecimento, nem uma palavra.
Na realidade, as colônias espanholas que passaram a ser países independentes continuavam tendo escravos, embora algumas também tivessem leis que os proibia. Bolívar decretou a sua em 1821, mas, na realidade, não se deu por inteirada. Trinta anos depois, em 1851, a Colômbia aboliu a escravidão, e a Venezuela em 1854.
Em 1915, os fuzileiros navais desembarcaram no Haiti. Ficaram 19 anos. A primeira coisa que fizeram foi ocupar a alfândega e o escritório de arrecadação de impostos. O exército de ocupação reteve o salário do presidente haitiano até que este assinasse a liquidação do Banco da Nação, que se converteu em sucursal do City Bank de Nova York. O presidente e todos os demais negros tinham a entrada proibida nos hotéis, restaurantes e clubes exclusivos do poder estrangeiro. Os ocupantes não se atreveram a restabelecer a escravidão, mas impuseram o trabalho forçado para as obras públicas.
E mataram muito. Não foi fácil apagar os fogos da resistência. O chefe guerrilheiro Charlemagne Péralte, pregado em cruz contra uma porta, foi exibido, para escárnio, em praça pública.
A missão civilizadora terminou em 1934. Os ocupantes se retiraram deixando no país uma Guarda Nacional, fabricada por eles, para exterminar qualquer possível assomo de democracia. O mesmo fizeram na Nicarágua e na República Dominicana. Algum tempo depois, Duvalier foi o equivalente haitiano de Somoza e Trujillo.
E, assim, de ditadura em ditadura, de promessa em traição, foram somando-se as desventuras e os anos. Aristide, o cura rebelde, chegou à presidência em 1991. Durou poucos meses. O governo dos Estados Unidos ajudou a derrubá-lo, o levou, o submeteu a tratamento e, uma vez reciclado, o devolveu, nos braços dos fuzileiros navais, à Presidência. E novamente ajudou a derrubá-lo, neste ano de 2004, e outra vez houve matança. E de novo os fuzileiros, que sempre regressam, como a gripe.
Entretanto, os especialistas internacionais são muito mais devastadores do que as tropas invasoras. País submisso às ordens do Banco Mundial e do Fundo Monetário, o Haiti havia obedecido suas instruções sem pestanejar. Eles o pagaram negando-lhe o pão e o sal.
Teve seus créditos congelados, apesar de ter desmantelado o Estado e liquidado todas as tarifas alfandegárias e subsídios que protegiam a produção nacional. Os camponeses plantadores de arroz, que eram a maioria, se converteram em mendigos ou emigrantes em balsas. Muitos foram e continuam indo parar nas profundezas do Mar do Caribe, mas esses náufragos não são cubanos e raras vezes aparecem nos jornais.
Agora, o Haiti importa todo seu arroz dos Estados Unidos, onde os especialistas internacionais, que é um pessoal bastante distraído, se esquecem de proibir as tarifas alfandegárias e os subsídios que protegem a produção nacional.
Na fronteira onde termina a República Dominicana e começa o Haiti, há um cartaz que adverte: o mau passo.
Do outro lado está o inferno negro. Sangue e fome, miséria, pestes…
Nesse inferno tão temido, todos são escultores. Os haitianos têm o costume de recolher latas e ferro velho e, com antiga maestria, recortando e martelando, suas mãos criam maravilhas que são oferecidas nos mercados populares.
O Haiti é um país jogado no lixo, por eterno castigo à sua dignidade. Ali jaz, como se fosse sucata. Espera as mãos de sua gente.
* Eduardo Galeano é escritor e jornalista uruguaio, autor de "As Veias Abertas da América Latina" e "Memórias do Fogo". Artigo publicado no jornal Brasil de Fato.

FONTE:http://unecombateaoracismo.blogspot.com.br/2010/01/maldicao-branca.html

Os sutis estabelecimentos racistas, excludentes e discriminadores de Bom Jesus. Texto de Marcelo Silles

De tempos para acabar observo o surgimento de alguns estabelecimentos típicos de classe-média a elite em Bom Jesus. São estabelecimentos que claramente decorados, estruturados exigem uma clientela de acordo com seus serviços e ambientes. A clientela desses estabelecimentos exibe um boçal status que trazem e um enojado despeito classista, não disfarçam o horror em dividir certos ambientes com negros e pobres.

Nesse sentido, emerge em Bom Jesus espaços reservados a indivíduos com o perfil encaixável da bendita família bom-jesuense. Espaços rançosos e rancorosos com o único intuito de manifestar o desejo simpático ao apartheid bom-jesuense. São espaços impróprios para pessoas de bem pretas, trabalhadores pobres honestos e periféricos.

Passando em frente desses estabelecimentos e reparando o ambiente decorativo e apanhado percebe-se a indireta e singela expressão de seus freqüentadores e donos, lê-se em suas faces e olhares os seguintes dizeres que não estão explícitos nas placas com os nomes dos respectivos estabelecimentos: “AQUI NÃO É LUGAR PARA PRETO E POBRE.” Se algum preto ou pobre atreve-se a adentrar dentro de um desses estabelecimentos, logo recebe de antemão olhares de nojo e reprovação tanto de proprietários quanto de clientes.

Por um lado, o bom disso tudo é a afirmação da classe bastarda e rançosa desses indivíduos racializados bom-jesuenses que sim são racistas e que sim sentem nojo de dividirem o mesmo espaço com pobres. O que nós pretos pobres e brancos pobres devemos fazer? Não entrar nesses estabelecimentos que nos rejeitam e excluem, portanto o nosso dinheiro também não vale nada para esse tipo de gente. Devemos fortalecer somente os nossos, fechar com os nossos.

Sim, existem jabuticabas e los macaquitos que discordam desse ponto de vista, mas visto que já escolheram o lado que querem fazer parte, claro sentem-se infelizes por terem nascidos negros.

O racismo, a discriminação e o preconceito em Bom Jesus agem de forma sutil, sagaz e silenciosa como várias vezes já havia afirmado. Sim eles existem e se prestarmos bastante atenção em ações do cotidiano através de falas, gestos, posturas podemos enxergá-los a olho nu. 


Marcelo Silles
Assistente Social. Bacharel da Universidade Federal Fluminense, UFF/Campos dos Goytacazes/RJ


Atrasado para quem?


A marca de roupas Ellus lançou camiseta com os dizeres Abaixo este Brasil atrasado, vestida por celebridades à guisa de participação na cena política. A empresa justificou-se: “Dificuldade para tudo! As coisas não fluem! Tudo é tão difícil! Tudo isso gerando esse custo. Brasil= ineficiência, improdutividade”, diz trecho do texto que a marca fez circular pela internet para justificar a iniciativa.

“Por que eles estão frustrados? Seriam eles tão altruístas quanto os ativistas que protestam com um objetivo, seja qual for esse objetivo? Ou os brasileiros ricos expressam suas críticas por puro tédio?”, indagou de Londres, onde vive, o jornalista Maurício Savarese, em longo texto publicado inicialmente em inglês em seu blog A Brazilian Operating in this Area (um brasileiro trabalhando neste espaço).

“A maioria dos freqüentadores da Ellus são pessoas que não usam o sistema público de saúde. Eles não estudam em escolas públicas. E eles raramente põem os pés em transporte público nas principais cidades do Brasil (embora tenham prazer em fazê-lo no exterior)”, observou, ainda, o jornalista, expressando a indignação de muitos outros brasileiros, que replicaram seu texto nas redes sociais.


A Ellus só não listou entre os problemas causadores de tão repudiado atraso que a empresa vem sendo questionada na Justiça por suspeita de uso de Mao de obra escrava, como bem lembrou o também jornalista Marcelo Rubens Paiva em coluna no Estadão (26/5). A denúncia foi feita em 2012 e o processo corre na 2ª Região do Ministério do Trabalho.

FONTE: Revista RADIS, nº 142, Julho de 2014.