Por: Bruno Rico
É preciso falar de alguns pontos que não são muito comentados dentro da militância social e, principalmente, dentro do movimento negro; é preciso colocar o dedo em algumas feridas.
Precisamos repensar a militância negra como um todo, e não estou falando de copiar exemplos bem sucedidos dos norte-americanos ou de outros irmãos pretos, estou falando de adaptar a nossa causa dentro dos nossos problemas, criar algo que permeie a nossa realidade.
Eu nunca saí do Brasil, mas sei que a realidade deste país-continente é única, suas peculiaridades territoriais, históricas e sociais constituem uma nação que precisa ter seus próprios métodos particulares de ativismo, e é isso que está faltando para nós!
Pense como seria ótimo se aqui no Brasil nós tivéssemos tido um Malcolm X, um Nelson Mandela, um Reverendo Martin Luther King, um pensador como Marcus Garvey, uma guerreira como a Rosa Lee Parks, um lutador-ativista como Muhammad Ali ou uma cantora-ativista como Nina Simone; não seria incrível? Pois é, seria, mas não tivemos. Infelizmente essa é a nossa realidade e precisamos encarar essa lacuna do nosso país, que por sinal diz muito a respeito do seu racismo institucionalizado, que fez com que os pretos não tivessem ídolos próprios, e ainda por cima fez com que estes mesmos pretos fossem tão alienados ao longo de todos esses anos.
Sabe aquele lance de congelar corpos humanos? Pois então, isso se chama criogenia, e analisando friamente a nossa história, parece que a maioria dos pretos deste país sofreu criogenia durante todo esse tempo, foi assim com minha mãe, minha avó, minha bisa e assim por diante. Mas a hora de ser descongelado chegou, porém precisamos de algumas adaptações urgentes para que a militância passe a ter realmente o efeito esperado.
Eu vou morrer dizendo que o movimento negro brasileiro precisa adentrar nas favelas, morros e periferias deste país, é lá que está o nosso público alvo! É lá que mora o genocídio que assola o nosso povo todos os dias. Mas muitos ainda preferem os debates acadêmicos, com citações de personalidades que o preto pobre sequer sabe quem é, pois na escola dele não deram isso, daí o entendimento fica totalmente desconexo. Mas sabia que tem muito preto militante que não gosta ou tem medo de militar e entrar em favela?
Pois é, cada dia eu ando conhecendo mais destes seres. Eu acho isso um absurdo, pois quando assimilamos o medo do branco elitista, é sinal de que a luta precisa ser revista urgentemente.
Eu sou morador de um morro aqui no Rio de Janeiro, esse mês mesmo morreu uma criança preta baleada com um tiro no peito, e cadê os movimentos? Não vi ninguém. Já cansei de dizer: se você tiver um movimento e quiser colar aqui na área, é só dar um alô, a massa da favela precisa urgentemente disso.
A partir disso eu já vi gente se desculpando e dizendo que o favelado não precisa de ajuda, que ele pensa por si só e que é mais fácil aprender com eles do que lhes ensinar algo. De fato o favelado é um ser extremamente sábio e altamente adaptável às mazelas da vida que lhe foi imposta, mas assim como qualquer grupo social, ele também precisa de referências, precisa de exemplos, de conhecimento, de base política, de direcionamento; do contrário ele vai seguir ateando fogo em ônibus quando algum dos seus morrer, e ainda vai achar que isso realmente vai mudar algo no seu cotidiano, e a sociedade raivosa vai continuar gritando que na favela só tem marginal.
A situação é extremamente grave, os pretos precisam se unir (de verdade), deixar de caluniar o outro que ganha mais destaque político que ele, deixar de sabotar o ato do irmão preto por puro egocentrismo. Aliás, essa é a palavra chave: Ego. Precisamos nos despir de nossos egos e entender que a nossa causa sempre vai ser coletiva e nunca individual, e o principal: entender que a nossa militância está cheia de falhas e isso precisa ser falado e mudado. Juntar vários pretos pra eleger um preto ou uma preta em um concurso de beleza é mole e é extremamente válido, mas também precisamos ir para o campo, praticar o olho no olho e juntar os pretos para invadir os guetos e mostrar para aquela criança preta – que ainda segue sem brinquedo e sem esperança – que ela pode ser um adulto próspero e aguerrido, pois ela vai ter em quem se espelhar. Mas essa criança precisa nos ver, nos sentir; seus pais também precisam entender que não estão sozinhos, a massa precisa entender que vai chegar um dia em que um preto vai cair e todos irão se levantar por ele; isso não é utopia, mas para chegarmos lá vai ser preciso muita autocrítica antes de tudo isso. Eu estou disposto, você está?
Esse texto pode ter parte 2, 3, 4 e por aí vai, pois o assunto é deveras extenso e complexo, todavia é extremamente necessário.
Nós por nós, sempre!
FONTE:https://afro21.wordpress.com/2016/04/14/precisamos-repensar-a-militancia-preta/