ASSISTENTE SOCIAL COM BACHAREL DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE-UFF/RJ & RAPPER.
“....... me persegue até o fim
Nesse
momento minha coroa ta orando por mim.
É assim
demorou já é,
Roubaram
minha alma, mas não levaram a minha fé.
Não consigo
nem olhar no espelho
Sou combatente
coração vermelho.
Minha
mina de fé ta em casa com o meu menor
Agora
posso dá do bom e melhor.
Várias
vezes me senti menos homem
Desempregado
e meu moleque com fome.
É muito
fácil vir aqui me criticar
Sociedade
me criou agora manda me matar.
Me condenar
e morrer na prisão
Virá
noticia de televisão.
Seria
diferente se eu fosse mauricinho
Criado
a sustagem e leite ninho.
Colégio
particular depois faculdade não, não é essa minha realidade.
Sou caboquinho
comum, com sangue no olho
Com ódio
na veia soldado do morro.
Feio
e esperto com uma cara de mal
A sociedade
me criou mais um marginal.
Eu tenho
uma nove e uma HK
Com ódio
na veia pronto para atirar.” (Soldado do Morro, MV Bill)
É muito inoportuno e chega a
ser uma situação jocosa os relatos dramáticos da situação da violência em Bom
Jesus do Itabapoana-RJ. Não estou aqui para defender aqueles que praticam, mas
sim de tentar fazer uma análise e desconstruir um paradigma que está sendo
imposto por indivíduos ditos do “bem” que do bem não têm nada. Não sou fã e não
defendo criminoso, porque se for para debater analiticamente a classe criminosa
eu teria que dessecar esse termo em diversas partes, pois em nossa sociedade
existem diversos tipos de criminosos. Mas irei basear-me, portanto, nos
criminosos ditos comuns: pobres, pretos, periféricos, favelados.
O meu professor e mestre
Hélio Coelho que leciona na Universidade Federal Fluminense-UFF/RJ, instituição
onde cursei e me formei em Serviço Social, ao participar da minha banca
expressou-se no dia: ”quando vamos a Bom
Jesus do Itabapoana-RJ, nas partes centrais, podemos observar bem uma cidade de
colonização branca européia, não se vê praticamente negros. Você, Marcelo, com
o seu TCC nos trouxe uma outra realidade.”
Então vamos a nossa análise.
Primeiramente antes de tudo, toda a escalada de violência (furtos, roubos,
física, entorpecentes) é culpa irrestrita da sociedade, a construção da
violência faz parte do embrionário societário. Portanto a violência é algo
gerado e criado pela própria sociedade. Como afirmo isso? Pelo histórico de
construção do Brasil: escravidão, genocídios, exploração, racismo,
discriminação, marginalização, segregação, corrupção etc. Aí me vem um cidadão
bonjesuense culto e diz: “mas não tenho
culpa dessa tal construção, o que passou, passou temos que pensar no agora.”
E eu respondi: “Ok, mas porque você fica
por aí dizendo que sente falta dos anos áureos de Bom Jesus do Itabapoana,
então vamos esquecer os anos áureos e pensar no futuro. Os inocentes pagam
pelos pecadores.”
A relação de senhorio e a
perda desse prestígio representam um dos fatores para o crescente
desenvolvimento da violência em nossa região. Qualquer surgimento de uma
sociedade no decorrer de seus anos sofre mutações culturais e societárias, isso
é algo imutável. Portanto tentar frear bruscamente através de ideologias
conservadoras e arcaicas essas transformações é algo de uma mentalidade insana.
Durante os tempos ditos áureos de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, a gestação do
progresso e do desenvolvimento humano foi forçada a sofrer um aborto social,
sendo assim impedida de dá a luz ao que podia ser uma prevenção dos males que
assim se seguiram, no entanto restrito apenas as regiões margeadas,
periféricas. Numa clássica posição paternalista e assistencialista os
conservadores e a sociedade em prol pensaram que estariam a salvos desses males
se os mantivessem longe de seus arredores.
Não permitir o nascimento do
progresso humano e o seu desenvolvimento social sadio com um intervencionismo
que garanta uma dignidade social justa, é um dos maiores erros e crimes que uma
sociedade conservadora/neoliberal pode cometer. Acreditar que seres humanos
nascem para servir e outros para serem servidos assim posso dizer, é de uma
bestialidade tamanha. O resultado, portanto é o que vemos hoje. O progresso e
desenvolvimento humano precoce de Bom Jesus do Itabapoana/RJ. Sem o
acompanhamento e cuidados adequados, sem a intervenção social que deveria ter
tido o progresso e desenvolvimento humano vai crescendo de acordo com a forma e
adequação da atual sociedade. Se não existiu oportunidades e incentivos o
exemplo é “eu aprendo com quem está mais
próximo”. Abriram os portões para o desenvolvimento das grandes metrópoles,
sem uma estrutura humana adequada, o diagnóstico social apontado para Bom
Jesus do Itabapoana/RJ é o de grave crise social e humana.
Humana porque, aqueles que
cantam pelos sete ventos a canção “ó Bom
Jesus, terra de hospitalidade” pertencem às classes abastadas, não fazem
parte diretamente daqueles que são atingidos pela crise social. Esses
indivíduos abastados, há anos já enviavam seus filhos para estudarem fora
obtendo diplomas das melhores faculdades e cursos. Os que não nasceram
abastados ou sendo as margens, tinham que aceitar o que os senhorios lhes davam,
ou seja, o assistencialismo e o paternalismo, a caridade em troca do senhorio,
o não senhor e o sim senhor.
Social porque é clara e
evidente territorialmente as famílias e os cidadãos que sofrem com essa
violência. Já sofriam desde o nascimento da cidade de Bom Jesus do
Itabapoana/RJ com a discriminação e manutenção da segregação institucional
velada, com o impedimento do nascimento do progresso e o desenvolvimento
humano, e hoje sofrem com as violências que aterrorizam as famílias
cotidianamente, drogas, prostituição, ausência de valores (não me refiro a
valores religiosos e conservadores mais valores que sempre foram criminalizados
por serem valores periféricos) e a humilhação de assistirem seus filhos sendo
carimbados como “criminosos”. Criminosos esses, criados pela própria sociedade
que os criminaliza e os condena.
A história sempre deixou registrada
documentalmente e oralmente o percurso e condições em que a violência urbana percorreu
e se criou e de como esse sistema tentou ser mantido em um único espaço através
de políticas mantenedoras e promovedoras da própria violência urbana em seu
espaço rústico-urbano. Dá-se a entender, que esse processo de manutenção
proposital perpassa a política de higienização e dizimação social desde a
formação do Brasil, processo em que consiste manter os indivíduos indesejáveis
e aquém da sociedade dita do “bem” em seus territórios aplicando a
auto-segregação. Violência gratuita e manipulada para os deleites dos cidadãos
do “bem”.
A violência foi produzida de
uma forma peculiar, administrada por um tempo por indivíduos da elite na qual
pensavam que poderiam adestrá-la e assim sendo mantê-la sob seu controle. Mas o
que se viu e vê foi uma escalada desenfreada da mesma que ao perceber sua
dimensão era tarde demais. Agora como conseguir parar algo que nós mesmos
criamos e adestramos? Pergunta a sociedade refém de sua própria violência.
Pergunta a sociedade dita do “bem” de Bom Jesus do Itabapoana/RJ refém de sua
própria violência. Racismo, desigualdade social e injustiça social também são
as responsáveis pela violência que vivemos hoje, se o senhor do “bem” não sabe.
Lamentar por águas passadas
e ser saudosista, tudo bem direito de cada um. Mas querer culpar indivíduos
pelos seus atos individuais apenas, quero deixar claro que não estou o isentando
de sua culpa, sem levar em conta a construção histórica das relações de classe
e formação desse ambiente violento, é um tanto que injusto.
E segundo Educação vem de
berço? Posso afirmar que isso seja relativo. A criança passa por quatro fases
de sua educação: a família, a escola, a igreja e a rua. Aí te pergunto como
exigir dos pais que eduquem seus filhos de acordo com a moral
cristã-eurocêntrica se os mesmos foram educados sobre opressão da mesma? Foram
criados segundo os costumes de outros e não dos seus? Foram criados conforme as
regras e leis “manda quem pode obedece
quem tem juízo”?
Sendo assim, criação com
formação opressora cria indivíduos distantes da realidade e suas
transformações. Pais pobres com formações conservadoras-opressoras quando
educam seus filhos, educam na forma que foram educados em determinada época,
portanto não acompanham as transformações que ocorrem no mundo. Portanto
educação vir de berço é relativo. Pode ser que funcione como pode ser que não,
dependerá da formação de cada caráter. Dependerá de saber a distinção de certo
e errado, em casos em que o certo é errado e o errado é o certo. Certo e
errado, o bom e o mal são infinitas incógnitas.
Olhemos e analisemos o
passado para podermos realmente julgar, condenar e culpar os verdadeiros
culpados pela sociedade violenta a qual vivemos, não nos direcionemos somente a um indivíduo e suas associações.
“Todos
os homens nascem bons, as sociedades que os corrompem.” (Rosseau).