1. A SEGREGAÇÃO SOCIAL/RACIAL E A
CULTURA COMO \MECANISMO DE ENFRENTAMENTO.
1.1 A SEGREGAÇÃO RACIAL NO BRASIL
O
bairro Santa Teresinha, popularmente conhecido como Volta da Areia, é um bairro
do município de Bom Jesus do Itabapoana, município este situado na região
noroeste-fluminense do estado do Rio de Janeiro. É um bairro periférico da
cidade, que fica a 2 KM de distância do centro da cidade, dotado de uma infraestrutura
como posto de saúde, um mini-mercado, duas mercearias, uma igreja católica,
duas igrejas evangélicas, uma escola municipal e uma creche municipal. Apesar
desse aparato estrutural, apresenta dificuldades com relação à manutenção dos
aparelhos públicos (o posto de saúde, creche e escola). Faltam recursos
principalmente na área da saúde.
Tal
bairro, num primeiro olhar, aparenta se constituir de uma comunidade mista onde
convivem negros, brancos e os ainda, ditos no popular, morenos e mulatos. Mas
adentrando a comunidade, percebe-se uma clara separação espacial e racial.
Na
parte mais baixa, no pé do morro, onde foram construídas na década de 1970 as
casas populares pela COHAB[1],
a maioria dos moradores são brancos e de pele mais clara. Na parte alta, onde
as construções irregulares e demais aglomerações foram erguidas fora da faixa
de zoneamento e na parte baixa, mais ao lado leste[2],
a maioria dos moradores são negros e de pele mais escura.
Os
moradores são marginalizados e discriminados por morarem no local, pelo tocante
das questões de criminalização que permeiam a comunidade. A maioria das
mulheres, mesmo com alguma formação, são domésticas, faxineiras, estão
inseridas no mercado informal de trabalho. O mesmo ocorre com os homens, que em
sua maioria é pedreiro e servente.
A
aceleração do fenômeno do branqueamento e clareamento nas periferias e favelas
não descaracteriza a condição do negro enquanto maioria nesses espaços
segregados. Dada à condição de marginalizados e segregados socialmente,
referência essa herdada pelos séculos de escravização a qual foram submetidos,
os negros ainda perpetuam nos patamares mais baixos da classe societária.
Portanto, uma falsa convivência harmônica não diminui e nem desvaloriza a
condição de segregação fenotípica, no entanto só retroalimenta uma pré-condição
já existente e não anula a luta pela igualdade, mas cabe o teor valorativo da
diferença. Sendo assim,
A
luta contra todas essas formas de discriminação e de segregação deve ser uma
pré-condição para a verdadeira unidade da luta dos explorados, uma unidade que
parte do reconhecimento da igualdade como síntese das diferenças, e não da
igualdade que pretende anular com o método de Procusto. (Almeida. 2007, p. 98)
2. BOM
JESUS DO ITABAPOANA UMA HISTÓRIA DE PRECONCEITOS E DESVALORIZAÇÃO DO NEGRO.
2.1 – BOM
JESUS DO ITABAPOANA E O RACISMO, UMA ZONA DE DESCONFORTO.
Nesse
momento somos levados a problematizar sobre a questão racial. Como diagnosticar
um racismo? Diante dessa pergunta desconfortável, certamente iríamos colher
comentários dos mais variados desde àqueles que afirmam que o brasileiro é
racista até àqueles do contra simpatizantes de Ali Kamel[3],
não, não somos racistas.
Uma
vez, tecendo uma abordagem desafiadora, somos levados a tentar solucionar uma
questão pertinente, que soma a nossa discussão: bom se não somos racistas, de
que forma olhamos o outro? Será que realmente olhamos o outro, o diferente como
igual? A busca por responder questões
tão delicadas faz com que fujamos da realidade e vivamos numa realidade em que,
violências como o racismo, não existam, são meramente fantasias nas cabeças de
quem não tem nada para fazer.
A
descoberta do racismo em Bom Jesus do Itabapoana eclodiu numa verdadeira zona
de desconforto. O ranço do rancor branco manifesta-se de uma forma que tal debate
sobre o racismo, atrasa o avanço tanto do progresso quanto humano da cidade.
“Esse debate não cabe em discussão em nossa terra”, ressalva alguns indivíduos
simpatizantes da democracia racial, já até nos disseram que tal questão negra,
não vem ao caso num município do interior.
A
verdade a bem saber, é que tal racismo já existia desde quando os primeiros
habitantes chegaram e constituíram famílias nessas terras bonjesuenses.
Trouxeram seus escravos e com isso, o racismo introjetado da superioridade
branca sobre o negro, a cultura da caridade, do favor, da sucumbência servil a
que o negro estava fadado eternamente ao homem branco.
Bom
Jesus do Itabapoana é um município brasileiro que fica na região
nororeste-fluminense do Estado do Rio de Janeiro. A população é de 35, 411[4]
habitantes, e tem uma área de 598,824 km², subdividida nos distritos de Bom
Jesus do Itabapoana (sede), Calheiros, Carabuçu, Pirapetinga de Bom Jesus,
Rosal, Serrinha, Usina Santa Isabel, Usina Santa Maria, Barra do Pirapetinga.
Bom Jesus do Itabapoana é rodeado ao norte pelo Rio Itabapoana que delimita a
fronteira com o Estado do Espírito santo; a sudeste estão os municípios de
Campos dos Goytacazes e Italva; ao sul e sudeste o município de Itaperuna e ao
oeste-noroeste o município de Varre-Sai. A economia está voltada para a agropecuária e setores comerciais e de
serviços. Conta com um pequeno parque industrial. (Fonte: FIRJAN)
Bom Jesus do Itabapoana, como qualquer cidade do
interior na Brasil, convive com a idéia que seus habitantes vivem em perfeita
harmonia racial, portanto não existe segregação espacial e muito menos racial.
No entanto o que sempre esteve escondido acaba sendo descoberto. O racismo
enrustido do interior acaba por se revelar como sendo o mais cruel dos racismos
velado, leva em consideração o passado ruralista da região onde qualquer piada
com tons de insultos direcionados a cor da pele, não é caracterizado como
ofensa.
"Primeiro o ferro marca a violência nas costas. Depois o ferro alisa a
vergonha nos cabelos. Na verdade o que se precisa é jogar o ferro fora, É
quebrar todos os elos dessa corrente de desesperos.[5]”
É de fato perceptível essa colocação acerca da destruição da cultura do outro,
percebe-se na condução de seu cotidiano onde é aprisionado, acorrentado ao modo
de vida que se mantêm ainda em vigência, o branco. Podemos enquadrar essa ação
de destruição da cultura do outro, numa passagem de Carneiro (2005) onde a
relação do epistemicidio[6]
se encaixa perfeitamente. Nesse ambiente animalizado essa ação destruidora da
cultura do outro nada mais é “uma forma de seqüestro da razão em duplo sentido:
pela negação da racionalidade do outro ou pela assimilação cultural que em
outros casos lhe é imposta” (Carneiro. 2005, p. 97)
2.2 – A
DESCOBERTA DO “ELEMENTO” NEGRO NO BAIRRO SANTA TERESINHA.
O município de Bom Jesus do Itabapoana foi
elevado a condição de freguesia com o nome de Senhor Bom Jesus do Itabapoana em
14 de novembro de 1862. No brasão do município instituído, junto com a
bandeira, na data de 14 agosto de 1965 encontra-se a data de 1842 e 1938. De
acordo com TEIXEIRA[7] (2005) as datas representam “1842 – início da
povoação, com a primeira denominação de Campos Alegre. – 1938 – restauração do
município” (2005, p. 57)
A história do negro na sociedade bonjesuense,
remota ao século XIX precisamente, a partir de 1863
Os novos donos das terras introduziram o elemento
negro. O escravo, com o seu trabalho persistente e barato, representou papel
primordial na evolução da agricultura. “Em cartórios de Campos-RJ, encontram-se
escrituras várias, a partir de 1863, de compra, venda ou troca de escravos,
como simples mercadorias, embora se referindo a pessoas que trabalharam sempre
e exclusivamente, pelo engrandecimento local.” (Teixeira. 2005, p. 14)
Em Teixeira (2005), a história do negro como a
sua importância para o progresso e desenvolvimento de Bom Jesus é praticamente
nulo. Não há registros históricos escritos que descreva a colaboração,
participação do negro, muito menos alguma genealogia familiar dos negros
escravizados que trabalharam como escravos em Bom Jesus do Itabapoana que possa
ser compartilhada.
Os autores destacam somente a genealogia de
descendentes de brancos europeus e mais tarde de árabes. Destacamos aqui a
venda de um escravo de nome Domingos[8].
Colocamos os seguintes questionamentos: E o escravo Domingos, qual a sua
história? Sua genealogia? Sobre o escravo Domingos apenas encontramos uma cópia
de um documento[9]
de sua venda nos livros que narram à história branca de Bom Jesus do
Itabapoana.
Também em seu livro a autora relata a primeira
negra escravizada que foi alforriada, “em 15 de abril de 1866, há o registro da
primeira carta de liberdade, dada a Faustina Theodoro” (2005, p. 14). Novamente
colocamos os seguintes questionamentos: E Faustina Theodoro a primeira negra
alforriada de Bom Jesus do Itabapoana, qual a sua história, sua genealogia?
Praticamente não existe.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ALVES, Marcelo Siles. SANTA TERESINHA: DESCOBERTA DE UM
CONFLITO RACIAL, DE IDENTIDADE E CULTURAL. Trabalho de Conclusão
de Curso do Curso de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense-UFF/Campos
dos Goytacazes-RJ. 2º semestre de 2012. Ano 2013, pág, Capítulo 1; 20-21:
Capítulo 2; 38-42.
[1] Companhia de Habitação Popular do Rio
de Janeiro.
[2] Essa parte mais a leste do bairro na
parte baixa, faz-se ao encontro de um córrego que corta o bairro, onde são
despejados os detritos de esgoto. Também onde ainda se encontram algumas casas
populares em seu formato original. Percebe-se, no entanto que, com o passar do
tempo, as moradias foram se deteriorando.
[3]
Diretor Executivo da emissora Rede Globo que em uma palestra, admitiu que o
brasileiro não é racista.
[4]
De acordo com o último censo do IBGE de 2010.
[5]
Luis Silva Cuti poema O Ferro.
[6]
SANTOS, Boaventura de Souza Santos classifica de epistemicídio “a morte de
conhecimentos alternativos”.
[7]
TEIXEIRA, Ana Maria. História de
Bom Jesus do Itabapoana. UFF/Eduff. 3ª edição ampliada. 2005.
[8]
A cópia do documento se encontra no livro Bom Jesus do Itabapoana de Francisco
Camargo Teixeira 3ª edição ampliada. Páginas 78-79.
[9]
Vinde anexo Xerox do documento da venda do escravo domingos