quinta-feira, 9 de maio de 2013

SANTA TERESINHA: DESCOBERTA DE UM CONFLITO RACIAL, DE IDENTIDADE E CULTURAL

1. A SEGREGAÇÃO SOCIAL/RACIAL E A CULTURA COMO \MECANISMO DE ENFRENTAMENTO.
1.1 A SEGREGAÇÃO RACIAL NO BRASIL
O bairro Santa Teresinha, popularmente conhecido como Volta da Areia, é um bairro do município de Bom Jesus do Itabapoana, município este situado na região noroeste-fluminense do estado do Rio de Janeiro. É um bairro periférico da cidade, que fica a 2 KM de distância do centro da cidade, dotado de uma infraestrutura como posto de saúde, um mini-mercado, duas mercearias, uma igreja católica, duas igrejas evangélicas, uma escola municipal e uma creche municipal. Apesar desse aparato estrutural, apresenta dificuldades com relação à manutenção dos aparelhos públicos (o posto de saúde, creche e escola). Faltam recursos principalmente na área da saúde.
Tal bairro, num primeiro olhar, aparenta se constituir de uma comunidade mista onde convivem negros, brancos e os ainda, ditos no popular, morenos e mulatos. Mas adentrando a comunidade, percebe-se uma clara separação espacial e racial.
Na parte mais baixa, no pé do morro, onde foram construídas na década de 1970 as casas populares pela COHAB[1], a maioria dos moradores são brancos e de pele mais clara. Na parte alta, onde as construções irregulares e demais aglomerações foram erguidas fora da faixa de zoneamento e na parte baixa, mais ao lado leste[2], a maioria dos moradores são negros e de pele mais escura.
Os moradores são marginalizados e discriminados por morarem no local, pelo tocante das questões de criminalização que permeiam a comunidade. A maioria das mulheres, mesmo com alguma formação, são domésticas, faxineiras, estão inseridas no mercado informal de trabalho. O mesmo ocorre com os homens, que em sua maioria é pedreiro e servente.
A aceleração do fenômeno do branqueamento e clareamento nas periferias e favelas não descaracteriza a condição do negro enquanto maioria nesses espaços segregados. Dada à condição de marginalizados e segregados socialmente, referência essa herdada pelos séculos de escravização a qual foram submetidos, os negros ainda perpetuam nos patamares mais baixos da classe societária. Portanto, uma falsa convivência harmônica não diminui e nem desvaloriza a condição de segregação fenotípica, no entanto só retroalimenta uma pré-condição já existente e não anula a luta pela igualdade, mas cabe o teor valorativo da diferença. Sendo assim,
A luta contra todas essas formas de discriminação e de segregação deve ser uma pré-condição para a verdadeira unidade da luta dos explorados, uma unidade que parte do reconhecimento da igualdade como síntese das diferenças, e não da igualdade que pretende anular com o método de Procusto. (Almeida. 2007, p. 98)

2. BOM JESUS DO ITABAPOANA UMA HISTÓRIA DE PRECONCEITOS E DESVALORIZAÇÃO DO NEGRO.
2.1 – BOM JESUS DO ITABAPOANA E O RACISMO, UMA ZONA DE DESCONFORTO.

          
  De acordo com o Artigo 5º da Constituição Federal (1988), todos são iguais perante a lei, ou pelo menos deveriam ser. Não simplesmente por uma formulação constitucional, mas sim por questões de direitos humanos e respeito mútuo.
            Nesse momento somos levados a problematizar sobre a questão racial. Como diagnosticar um racismo? Diante dessa pergunta desconfortável, certamente iríamos colher comentários dos mais variados desde àqueles que afirmam que o brasileiro é racista até àqueles do contra simpatizantes de Ali Kamel[3], não, não somos racistas.
            Uma vez, tecendo uma abordagem desafiadora, somos levados a tentar solucionar uma questão pertinente, que soma a nossa discussão: bom se não somos racistas, de que forma olhamos o outro? Será que realmente olhamos o outro, o diferente como igual?  A busca por responder questões tão delicadas faz com que fujamos da realidade e vivamos numa realidade em que, violências como o racismo, não existam, são meramente fantasias nas cabeças de quem não tem nada para fazer.
            A descoberta do racismo em Bom Jesus do Itabapoana eclodiu numa verdadeira zona de desconforto. O ranço do rancor branco manifesta-se de uma forma que tal debate sobre o racismo, atrasa o avanço tanto do progresso quanto humano da cidade. “Esse debate não cabe em discussão em nossa terra”, ressalva alguns indivíduos simpatizantes da democracia racial, já até nos disseram que tal questão negra, não vem ao caso num município do interior.
            A verdade a bem saber, é que tal racismo já existia desde quando os primeiros habitantes chegaram e constituíram famílias nessas terras bonjesuenses. Trouxeram seus escravos e com isso, o racismo introjetado da superioridade branca sobre o negro, a cultura da caridade, do favor, da sucumbência servil a que o negro estava fadado eternamente ao homem branco.
            Bom Jesus do Itabapoana é um município brasileiro que fica na região nororeste-fluminense do Estado do Rio de Janeiro. A população é de 35, 411[4] habitantes, e tem uma área de 598,824 km², subdividida nos distritos de Bom Jesus do Itabapoana (sede), Calheiros, Carabuçu, Pirapetinga de Bom Jesus, Rosal, Serrinha, Usina Santa Isabel, Usina Santa Maria, Barra do Pirapetinga. Bom Jesus do Itabapoana é rodeado ao norte pelo Rio Itabapoana que delimita a fronteira com o Estado do Espírito santo; a sudeste estão os municípios de Campos dos Goytacazes e Italva; ao sul e sudeste o município de Itaperuna e ao oeste-noroeste o município de Varre-Sai. A economia está voltada para a  agropecuária e setores comerciais e de serviços. Conta com um pequeno parque industrial. (Fonte: FIRJAN)
Bom Jesus do Itabapoana, como qualquer cidade do interior na Brasil, convive com a idéia que seus habitantes vivem em perfeita harmonia racial, portanto não existe segregação espacial e muito menos racial. No entanto o que sempre esteve escondido acaba sendo descoberto. O racismo enrustido do interior acaba por se revelar como sendo o mais cruel dos racismos velado, leva em consideração o passado ruralista da região onde qualquer piada com tons de insultos direcionados a cor da pele, não é caracterizado como ofensa.
            ‎"Primeiro o ferro marca a violência nas costas. Depois o ferro alisa a vergonha nos cabelos. Na verdade o que se precisa é jogar o ferro fora, É quebrar todos os elos dessa corrente de desesperos.[5]” É de fato perceptível essa colocação acerca da destruição da cultura do outro, percebe-se na condução de seu cotidiano onde é aprisionado, acorrentado ao modo de vida que se mantêm ainda em vigência, o branco. Podemos enquadrar essa ação de destruição da cultura do outro, numa passagem de Carneiro (2005) onde a relação do epistemicidio[6] se encaixa perfeitamente. Nesse ambiente animalizado essa ação destruidora da cultura do outro nada mais é “uma forma de seqüestro da razão em duplo sentido: pela negação da racionalidade do outro ou pela assimilação cultural que em outros casos lhe é imposta” (Carneiro. 2005, p. 97)

2.2 – A DESCOBERTA DO “ELEMENTO” NEGRO NO BAIRRO SANTA TERESINHA.
O município de Bom Jesus do Itabapoana foi elevado a condição de freguesia com o nome de Senhor Bom Jesus do Itabapoana em 14 de novembro de 1862. No brasão do município instituído, junto com a bandeira, na data de 14 agosto de 1965 encontra-se a data de 1842 e 1938. De acordo com TEIXEIRA[7] (2005) as datas representam “1842 – início da povoação, com a primeira denominação de Campos Alegre. – 1938 – restauração do município” (2005, p. 57)
A história do negro na sociedade bonjesuense, remota ao século XIX precisamente, a partir de 1863

Os novos donos das terras introduziram o elemento negro. O escravo, com o seu trabalho persistente e barato, representou papel primordial na evolução da agricultura. “Em cartórios de Campos-RJ, encontram-se escrituras várias, a partir de 1863, de compra, venda ou troca de escravos, como simples mercadorias, embora se referindo a pessoas que trabalharam sempre e exclusivamente, pelo engrandecimento local.” (Teixeira. 2005, p. 14)

Em Teixeira (2005), a história do negro como a sua importância para o progresso e desenvolvimento de Bom Jesus é praticamente nulo. Não há registros históricos escritos que descreva a colaboração, participação do negro, muito menos alguma genealogia familiar dos negros escravizados que trabalharam como escravos em Bom Jesus do Itabapoana que possa ser compartilhada.
Os autores destacam somente a genealogia de descendentes de brancos europeus e mais tarde de árabes. Destacamos aqui a venda de um escravo de nome Domingos[8]. Colocamos os seguintes questionamentos: E o escravo Domingos, qual a sua história? Sua genealogia? Sobre o escravo Domingos apenas encontramos uma cópia de um documento[9] de sua venda nos livros que narram à história branca de Bom Jesus do Itabapoana.
Também em seu livro a autora relata a primeira negra escravizada que foi alforriada, “em 15 de abril de 1866, há o registro da primeira carta de liberdade, dada a Faustina Theodoro” (2005, p. 14). Novamente colocamos os seguintes questionamentos: E Faustina Theodoro a primeira negra alforriada de Bom Jesus do Itabapoana, qual a sua história, sua genealogia? Praticamente não existe.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ALVES, Marcelo Siles. SANTA TERESINHA: DESCOBERTA DE UM CONFLITO RACIAL, DE IDENTIDADE E CULTURAL. Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense-UFF/Campos dos Goytacazes-RJ. 2º semestre de 2012. Ano 2013, pág, Capítulo 1; 20-21: Capítulo 2; 38-42.




[1] Companhia de Habitação Popular do Rio de Janeiro.
[2] Essa parte mais a leste do bairro na parte baixa, faz-se ao encontro de um córrego que corta o bairro, onde são despejados os detritos de esgoto. Também onde ainda se encontram algumas casas populares em seu formato original. Percebe-se, no entanto que, com o passar do tempo, as moradias foram se deteriorando.
[3] Diretor Executivo da emissora Rede Globo que em uma palestra, admitiu que o brasileiro não é racista.
[4] De acordo com o último censo do IBGE de 2010.
[5] Luis Silva Cuti poema O Ferro.
[6] SANTOS, Boaventura de Souza Santos classifica de epistemicídio “a morte de conhecimentos alternativos”.

[7] TEIXEIRA, Ana Maria. História de Bom Jesus do Itabapoana. UFF/Eduff. 3ª edição ampliada. 2005.
[8] A cópia do documento se encontra no livro Bom Jesus do Itabapoana de Francisco Camargo Teixeira 3ª edição ampliada. Páginas 78-79.
[9] Vinde anexo Xerox do documento da venda do escravo domingos