quinta-feira, 3 de abril de 2014

Jovem egípcia canta «rap» para desafiar sexismo

Mayam Mahmud faz dos versos uma arma contra a discriminação e para exigir respeito para as mulheres.

A milhares de quilómet
ros do bairro nova-iorquino do Bronx, no subúrbio de Imbaba, no Cairo, nasceu uma estrela do «rap». Com véu islâmico e 19 anos, Mayam Mahmud, é mestra de cerimónias. «Os meus vizinhos estão muito felizes. É um bairro popular e nunca tinham estado tão perto de uma pessoa famosa», conta a jovem ao diário espanhol «El Mundo».

Os dias de Mayam Mahmud transformaram-se numa montanha russa desde que cantou as próprias rimas no programa de televisão «Arabs Got Talent». Não passou das semifinais, mas, desde então, ainda não parou. A jovem acaba de regressar de Londres, onde recebeu o prémio concedido anualmente pela organização Index on Censorship.

Por onde passa, Mayam Mahmud canta rimas que são autênticos socos no estômago dos egípcios que assediam mulheres. «Como podes julgar-me pelo meu cabelo ou pelo meu véu? Se um dia olhares para mim, eu não me vou esconder ou ter vergonha. Vens atrás de mim e flirtas comigo e não vejo nada de errado com isso...», afirma numa das letras mais famosas.

O bullying, o assédio, tem sido uma tortura diária nas ruas egípcias. De acordo com um estudo da ONU Mulheres, 99,3% das mulheres admite ter sido vítima de palavras grosseiras, propostas indecentes ou atritos indesejáveis. O penúltimo caso denunciado ocorreu há algumas semanas na Universidade do Cairo. A estudante assediada escapou de uma multidão de mãos, mas viu-se confrontada com as declarações do reitor a questionar a roupa que a rapariga vestia. Algumas mulheres optam por permanecer em silêncio, e muitas vezes as vítimas transformam-se em agressoras e incentivam os algozes.

Mayam Mahmud não. «Conto os problemas que temos, as minhas amigas e eu. Quando calamos, ampliamos o problema. Talvez, justamente por causa do silêncio, o assédio é maior aqui do que noutros lugares», diz quem considera as próprias letras «como uma forma de chegar às mulheres que sofrem e também aos homens».

À moradora mais famosa de Imbaba não interessa a música que «maquilha» a realidade. «Quando alcança a fama, a maioria dos músicos egípcios prefere cantar temas comerciais. Mas é preciso mudar a mentalidade. O público deve ouvir letras que falam sobre os problemas», defende a artista, que estuda e tenta tirar o primeiro curso de Ciências Políticas e Economia.

A paixão pelo que faz não é de agora. Quando tinha dez anos, a mãe incentivou-a a escrever poesia. Com o tempo, os versos transformaram-se em «rap». «O rap dá-me uma liberdade que a poesia e as suas regras não têm. É também um estilo que não exige uma voz doce. O que importa é a mensagem», afirma.

Um recado que envia sempre que pega no microfone e sobe ao palco: «Não é a roupa o inapropriado ou o errado. É a tua maneira de pensar. (...) Um olhar pode magoar. E por esse olhar mereces umas bofetadas na cara».


Fonte:http://www.tvi24.iol.pt/503/internacional/rap-rapper-egito-mayam-mahmud-sexismo-tvi24/1549318-4073.html


Racionais MCs completa 25 anos com o desafio de buscar outras sonoridades e apostar na renovação do rap

Grupo se orgulha de dar voz ao negro e à periferia brasileira


Um quartinho, o microfone e o ventilador. Assim o rapper Ice Blue descreve o estúdio da Rádio Favela encarapitado no Aglomerado da Serra. Naquele comecinho da década de 1990, ele, Mano Brown, KL Jay e Edi Rock costumavam subir o morro de BH em busca de espaço para seu trabalho na emissora, então pirata. Dava até tempo de jogar com a galera da quebrada no campo Bola de Ouro. Hoje à noite, o quarteto volta a Minas. Mais importante grupo de rap do país, o Racionais MCs vai abrir seu 25º ano de estrada com show em Contagem.

“Montamos a nossa banda na cidade mais racista e preconceituosa do Brasil”, relembra Ice Blue, referindo-se à São Paulo da década de 1980. Ignorados pela sociedade, jovens pobres morriam anonimamente nas favelas e periferias brasileiras, executados pela polícia, por justiceiros ou durante guerras de traficantes. O Racionais MCs deu voz a negros, favelados, garotos à beira do crime, jovens que resistiam à vida bandida, ladrões e presidiários. Desta vez, o cidadão “invisível” era o sujeito de seu próprio verbo. O canto falado expôs o apartheid nacional, o racismo, o futuro roubado das crianças.

Avesso a entrevistas – só mais recentemente essa e outras rígidas posturas ideológicas se flexibilizaram –, o quarteto foi acusado de fazer apologia da violência e de glamourizar a vida bandida. Ice Blue garante: isso não é verdade. Para ele, valeu a pena “afrontar o sistema, dizer não para a mídiapoderosa e pôr a cara para apanhar”.

Revelação do hip-hop nacional, Emicida, de 28 anos, diz que a obra do Racionais é o “livro de história do Brasil” de sua geração. “Eles foram, são e sempre serão a maior bandeira do rap brasileiro, o golpe mais forte que a gente deu no sistema”, afirmou o rapper no programa Ensaio, exibido pela TV Cultura.

 “Trouxemos o orgulho negro de volta”, concorda Ice Blue. “Hoje, o moleque diz que mora na favela; o filho do branco e do preto se assume como negro, usa cabelo afro”, constata. Mas se há esperança e autoestima, o preconceito persiste, adverte ele, citando a repressão aos rolezinhos nos shoppings centers do país. Chacinas, milícias, narcotráfico e polícia continuam ceifando vidas nas comunidades pobres. Mas a periferia tem a sua voz. Deixou de ser invisível. 

“Muita coisa ainda precisa ser feita”, diz Blue, lembrando que o próprio morador da periferia se acomoda ao abandonar os estudos e desistir de lutar. “Mas volto a dizer: o Brasil mudou, o PT já está em seu terceiro mandato, até o crime organizado mudou”, reforça, argumentando que conflitos entre facções já não dizimam jovens como há 30 anos, embora a violência continue. Engajado em ações arte-educativas, o grupo faz política. Apoiou publicamente as candidaturas de Lula e de Dilma Rousseff.

Versos dos Racionais conquistaram seu espaço também “do outro lado da ponte”. “Pessoas que não concordavam com o sistema tiveram o rap como hino”, diz Blue. Não são poucos os garotos de bairros bacanas que sabem de cor os versos de Negro drama ou de Vida loka. Brown, Ice Blue, KL Jay e Edi Rock têm se apresentado em palcos de casas sofisticadas. Racionais MCs, queridinho da finada MTV, também é cult.

O país de 2014 não é o país de 1989. Brown promete CD solo. O poeta durão surge com letras românticas, sonoridades inspiradas na disco music. Edi Rock lançou o elogiado Contra nós ninguém será e cometeu a “heresia” de divulgá-lo na TV Globo, na contramão do discurso antimídia da “família Racionais”. Ele alega que quer cantar para todos os brasileiros. Blue prepara seu CD em parceria com Helião, do grupo RZO.

Vem aí caixa comemorativa dos 25 anos com a discografia completa. Nos últimos anos, o quarteto lançou canções esparsas. Uma delas é a vigorosa e politizada Mil faces de um homem leal  homenagem a Carlos Marighella, ícone da esquerda brasileira e tema de documentário. O grupo acaba de estrear no mercado digital com coletânea vendida no iTunes. Também marca presença nas redes sociais. 

BATIDÃO Há quem diga que o espaço do pioneiro  do rap brasileiro, há 11 anos sem lançar disco, foi ocupado pelo funk carioca. Ice Blue nega qualquer disputa. “Pelo contrário. É tudo música da periferia, da favela. Onde vai o funk vai o rap também”, avisa, lembrando que o batidão “dá oportunidade aos moleques de trabalhar, de ter uma profissão e de cuidar da família”. 

Orgulhoso da nova safra de rappers brasileiros, Ice Blue, sem esconder a admiração, diz que Criolo e Emicida estudaram na faculdade e falam inglês, enquanto a música de sua geração surgiu de artistas que mal completaram a 5ª série. “Eu mesmo fui só até o 1º colegial”, revela. 

E o Racionais, vi para onde? “A gente quer trabalhar mais o lado ser humano, o eu. É preciso mexer com os sentimentos das pessoas, com as coisas da humanidade, ser mais amoroso. O lado duro a gente já tem, já mostrou”, diz ele. Sem álbum solo desde 2002, o quarteto planeja para 2014 o sucessor do clássico Nada como um dia após o outro dia. “Estamos devendo isso aos fãs”, reconhece Ice Blue.

NA PISTA Talento do rap nacional, o mineiro Flávio Renegado, de 30 anos, agradece ao Racionais por abrir caminhos para a música brasileira contemporânea. Ele não se esquece do dia em que ouviu Fim de semana no parque. Tinha 13 anos, acabara de voltar da capoeira e escutava a Rádio Favela. Aquilo foi uma revelação. 

Flávio acredita que o rap demanda novos diálogos e sonoridades. Ele quer buscar o equilíbrio entre as letras conscientes e o suingue. “Sou empreiteiro da aproximação com a MPB”, diz o mineiro, convidado especial do último DVD da cantora Bebel Gilberto – o outro era Chico Buarque. Recentemente, Mano Brown avisou a Renegado: “Meu carro corre na pista de todos vocês”. 

OSTENTAÇÃO
O funk ostentação não é problema para Ice Blue. De acordo com ele, desde o início, o Racionais defendeu em suas letras o direito do pobre de ter acesso ao bom e ao melhor. “Sempre falamos de cordão de ouro, de Citröen, de tênis. As pessoas têm direito de ganhar o seu dinheiro, de conquistar o melhor, um carro legal. O pobre deve trabalhar, estudar, abrir o próprio negócio, conquistar cargos públicos importantes ou ser empresário. Não é só ficar preso ali, no tênis de marca. Ou, então, ser um ótimo pedreiro, um bom mestre de obras. As pessoas querem o quê? Que o sujeito continue a morar num barraco de pau?”, questiona. 

RACIONAIS MCS
Espaço Vip Contagem. Avenida Babita Camargos, 199, Cidade Industrial. Hoje, a partir das 22h. Abertura: DJ Dudu BH. O show está previsto para a 1h. Ingressos: R$ 30 e R$ 40.  Camarote: R$ 70 (fem) e R$ 140 (masc). Informações: (31) 8737-4710.

FONTE:http://divirta-se.uai.com.br/app/noticia/musica/2014/01/18/noticia_musica,150596/herois-da-resistencia.shtml