ASSISTENTE SOCIAL COM BACHAREL DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE-RJ & RAPPER.
CONTOS DO SILLES!
Estava
eu num belo dia passeando no shopping. Adentrado ao recinto, vislumbrando o
ambiente de requinte e crueldade econômica, estava eu maravilhado com tamanhas
promoções objetos que enchem os olhos de qualquer cidadão de pouco poder
econômico e tem que contar cédula por cédula, moeda por moeda o quanto pode
gastar nesta selva climatizada, um dos símbolos do materialismo reverberizado. Esse
é o ritual ordinário de quem tem pouco money no bolso.
Um
preto num shopping de luxo, com vestimentas adereçadamente simples e sandálias
de dez reais chama muita atenção, principalmente dos seguranças. Olhares
brancos enojados de descendências nórdicas, hispânicas, ítalas, lusitanas,
germânicas, anglicanas dirigiam-se a mim sempre com despeitos loucos e furiosos
para deslancharem o seu racismo. Ou melhor, a matilha branca, dava para ser ler
a mente, lamentava-se que em solo brasileiro é proibido o linchamento de pretos
e pretas. Dava para ver as presas sedentas pela minha carne preta. Os
seguranças jabuticabas, leais capitães-do-mato do sistema opressor,
espreitavam-me, seguiam-me astuciosamente com as mãos coçando doidos para verem
o vacilo do neguim. Incomodados jabuticabas sussurravam entre si, “o que esse neguim com esses panos e chinelo
de dedo ta fazendo aqui?”. Os
jabuticabas incomodados, não admitiam o neguim, eu, com adereços e vestimentas
simples, num shopping de luxo e querendo adquirir de forma honesta e legal
algum produto do sistema mercantilista escravista exploratório materialista.
Vai vendo.
Em certo
momento, deparei-me com uma senhora branca, aparentava ter entre 25 e 30 anos,
de traços bem eurocêntricos, europeizada mesmo, opa europisada. O incomodo pela
minha presença e dos demais negritos no recinto dito do “bem” e requintado,
causava nojo e exalava preconceitos e racismos. Dava para sentir o odor
exalando de seus poros e de sua boca fétida e podre, pois o racismo e
preconceito fedem de longe. E eu que havia pensado que o Vaticano já havia
canonizado ou beatificado a Santa Miscigenação. Na vinda para o shopping pensei
ter visto uma igreja com o nome de Santa Raça Miscigenada. Pode ter sido algum engano.
Bom voltando
ao episódio referido em questão, a senhora lusitana-celta-germânica-saxã-ítala-hispãnica-açoriana-prussiana-anglicana-nórdica
e sei mais lá o quê das descendências europisadas, veio de encontro a mim num
esbarrão. Eu estava próximo de um dos pilares de sustentação do shopping e o
salão era enorme, gigante com bastante espaço de transitação, mas a elemento
teve que vir em minha direção provocando assim o acidente. Às vezes penso que
foi apenas um motivo aparente para a mesma destilar todo o seu sentimento
venenoso sobre a minha presença naquele lugar de prestígio, selecto,
requintado. A senhora europisada, não demorou e despejou através de verberes preconceituosos
berradamente todo o seu ódio racista pelos pretos, pelos não brancos. Ora coitada,
a terra nativa dela, estava sendo invadida por um alienígena, eu.
Muitos
transeuntes que passavam no momento escutaram os xingamentos racistas, o ódio
impetrado contra a minha pessoa preta, mas todos observavam com total
naturalidade como se fosse algo comum ofender um preto, até mesmo os
jabuticabas máscaras e peles brancas não esboçaram nenhuma reação. Hum,
brasileiros.
Então
no momento revidei, comecei a praticar a lei de talião olho por olho dente por
dente, destilei também as minhas ofensas a chamei de branquela e muitos outros
adjetivos. Aí surgiu-se o espanto do público em geral, todos olharam para mim
horrorizados, a senhora europisada começou a chamar-me de racista,
preconceituoso e junta a ela no coro os demais indivíduos do “bem” latiam incansavelmente
‘racista, racista...cadeia’. Mas ué
péraí, se ela me ofendeu primeiro aguentei calado, ninguém fez nada assistiam
de camarote, quando parto para a minha defesa eu sou o racista? Encarcerado.
Perguntei
ao delegado porque havia sido preso e ele respondeu: racismo. Oiiiiiii...... desde de quando preto comete racismo? --- Mas senhor delegado foi à senhora que me
ofendeu primeiro com dizeres racistas e xenófobos, pela minha cor de pele e
minha ancestralidade africana, havia indivíduos no momento vários, são
testemunhas oculares, pergunte-os se não é verdade, se não procede o meu
depoimento? Racista é ela.
E o
delegado prontamente respondeu-me: --- sim já
averiguamos com várias testemunhas que transitavam no momento do ocorrido
crime, inclusive pessoas negras, sim confirmam que a senhora levantastes a voz
para o senhor primeiro. Também confirmaram que a mesma havia chamado o senhor
por adjetivos que não são esporádicos e estigmas estereótipos que são comuns de
se dizerem aos negros, há pessoas da sua cor, portanto frases tradicionais do
cotidiano não podem ser consideradas racistas. No entanto o senhor levantastes
a vós para essa senhora a insultando por conta de sua cor de pele branca e
outros adjetivos típicos de bárbaros e ofendendo a sua integridade moral de sua
descendência européia, isso é racismo com penalização grave de acordo com a
nossa santa e imaculada Constituição Federal de 1988, que foi promulgada e
criada para proteger os cidadãos de “bem nativos”, de descendência clara que
descobriram e povoaram essas terras virgens trazendo a civilização e o
progresso.
De minha
humilde cela escutava os gritos e berros dos elementos que estavam no momento
do ocorrido crime contra a minha pessoa, gritavam pela minha condenação
entoavam em alto e bom tom ‘racista,
racista, racista... prisão perpétua’. Oh glória, isso tudo pelo simples
motivo d’eu ser preto e exaltar a minha identidade e ancestralidade? A senhora
europisada derramava lágrimas de emoção por me ver atrás das grades, me enxotava
e dizia que eu pegaria prisão perpétua por ter ofendido a sua cor que é a única
abençoada por Deus e de seus ancestrais civilizados europisados. Dirigiu-se ao
delegado dizendo: --- o senhor delegado tem
que manter esse negrim encarcerado, é um perigo para a sociedade imagine só um
negrim querendo ser ascender socialmente e economicamente imagine se essas idéias
comecem a contaminar os outros, ficaremos sem serviçais e o pior teremos que
dividir os nossos espaços.
Oiiiiiiii...
parem a Terra que eu quero descer! Quer dizer então que é legitimo e
sacralizado ofender o preto, no entanto é crime ofender um branco em legitima
defesa? Óh sim como senti-me ‘una persona
non grata’ no exato momento. Fui afrontado em meus direitos, levianamente
apontado como um estrangeiro indesejado que simplesmente invadiu um território
de cativos do “bem”.
Em suma
finalização, tiro pela culatra para os racistas, o neguim é réu primário o que
valeu-me a liberdade, vinda de um esporro ainda, ‘vá e não ofenda mais’, valei-me minha santa senhora da inquisição
quanta bondade, acho que faltei as aulas na escola que explicavam que os pretos
foram os opressores e os brancos foram os oprimidos. Alguém por gentileza tem
como me enviar o material que conte essa história fatídica?
Em verdade,
em verdade vos digo a verdade sempre será tratada como algo nocivo a sociedade,
o normal e correto é neguim servir e abaixar a cabeça, se neguim se levantar é
criminoso, racista, reacionário, preconceituoso e tudo mais. Como se diz ‘pra preto tudo pode, mas para o preto nem
tudo é permitido’.