Dia 16 de Setembro de 1931 foi a
fundação da Frente Negra Brasileira o
primeiro partido de afro brasileiros, um importante marco histórico e
político para o movimento negro.
Confira a seguir um
texto escrito pelo Márcio Barbosa, do Quilombhoje Literatura:
Nem
sempre o protagonismo afro-brasileiro é lembrado de forma positiva ao longo da
história. A nós os relatos oficiais geralmente reservam o papel de coadjuvantes
nos grandes eventos, especialmente naqueles que ajudam a definir a situação
sociopolítica do país. Quando não nos dão esse papel, tentam desqualificar
nossa luta rotulando-a de diversas maneiras negativas.
No
entanto, uma consulta a livros e teses que vêm sendo produzidos ao longo dos
anos dentro da própria comunidade e por estudiosos, afrodescendentes ou não,
revela que o protagonismo do povo negro ao longo da história foi e é muito
intenso.
O
pós-abolição, por exemplo, é rico em termos de criação de associações afro-brasileiras,
na sua maior parte com atividade de lazer e de cultura. Outras entidades tinham
caráter assistencialista. Algumas se dedicaram à publicação de jornais numa
época em que os índices de analfabetismo eram terríveis.
Em
São Paulo uma das entidades mais conhecidas foi o Centro Cívico Palmares,
fundado em 1926. Essa associação ultrapassou os limites das entidades
recreativas ao pautar o tema da participação política.
Em
1931 surgiu a Frente Negra Brasileira, aprofundando os temas que o Palmares esboçara
e atingindo um nível de organização e atuação que a faria ser lembrada através
das décadas. Fundada no dia 16 de setembro no salão das Classes Laboriosas,
constituiu sede posteriormente na Casa de Portugal, na avenida Liberdade, na
cidade de São Paulo. Nesse local, a Frente Negra manteve escola, departamento
de assistência social e jurídica, grupo de teatro, jornal, além de promover
palestras e os grandes bailes organizados pelo grupo das Rosas Negras, dentre
outras atividades.
É
importante notar o contexto em que a Frente Negra surge. Em depoimento para o
livro “Frente Negra Brasileira”, Aristides Barbosa afirma que, ao chegar em São
Paulo vindo da cidade de Mococa, encontrou no bairro da Bela Vista os homens
negros desempregados nas ruas. As mulheres é que, trabalhando como domésticas,
arcavam com o sustento das famílias.
Na
época grassavam as absurdas teses do racismo científico, para o qual negros e
mulatos formavam uma raça degenerada e por isso estavam fadados ao
desaparecimento. Entre os adeptos dessa concepção de raça estavam Nina
Rodrigues e Monteiro Lobato. Essas teses transformaram-se em políticas
públicas, com o incentivo à imigração europeia dando corpo ao desejo de
embranquecimento, pois para os ideólogos do Brasil do início do século o país
só atingiria o status de “civilizado” quando a “raça degenerada” desaparecesse
do seio de sua população. Os anúncios de jornais da época estampam anúncios que
procuram por empregados brancos.
Nesse
sentido a Frente Negra estabeleceu um projeto político de inclusão do povo
negro na sociedade brasileira. Nos estatutos da Frente afirma-se que a entidade
“visa à elevação moral, intelectual, artística, técnica, profissional e física;
proteção e defesa social, jurídica, econômica e do trabalho da Gente Negra”.
Esse
objetivo amplo foi perseguido com tenacidade, podendo-se destacar nesse passo
algumas diretrizes centrais de ação: a construção da ideia de comunidade,
independentemente de cor de pele, com uma história comum, um passado comum, com
heróis como Zumbi e Henrique Dias;elabora-se aqui uma identidade negra; a
educação como um fator de superação da situação atual (a educação pode ser
formal, como na escola frentenegrina, mas pode ser mais geral, humanista, como
nas palestras, no teatro, nas leituras de poesia, no incentivo à leitura de
livros); atuação político-partidária para alcançar objetivos mais amplos.
Deve-se
notar que essa ação é pensada em termos nacionalistas. Para os frentenegrinos,
o negro, por sua contribuição à construção do país, deve levar sua luta em
termos nacionais, tem direito à terra, tem direito a participar da vida
política e da tomada de decisões e especialmente deve pensar na disputa de
poder. Embora houvesse informação dos movimentos internacionalistas, como o da
volta à África, de Marcus Garvey, a Frente concebe sua atuação somente em
termos de Brasil.
A
unidade pretendida pela Frente Negra teve resultados concretos. Alguns autores
afirmam que ela chegou a ter duzentos mil filiados em todo o Brasil, com
ramificações em vários Estados. No Recife, o poeta Solano Trindade chegou a
criar a Frente Negra Pernambucana. A carteirinha da Frente valia como um
documento de identidade. Em 1936 a Frente foi registrada como partido político.
O primeiro partido político negro brasileiro.
Dirigida
por afro-brasileiros que tinham superado a barreira do analfabetismo e se
tornado professores, a Frente teve de lidar com diversas contradições. Seu
primeiro Presidente, Arlindo Veiga dos Santos, era patrianovista, isto é,
monarquista, e, embora sempre afirmasse que essa sua posição não interferia em
seu papel como frentenegrino, as maiores críticas à Frente e muitas das cisões
que surgem derivam dessa postura e da linha autoritária que a diretoria teria
imprimido à Frente, com a formação, por exemplo, de uma milícia. Logo no seu
início, o grupo do jornal Clarim da Alvorada, de José Correia Leite, rompeu com
a Frente Negra. Na Revolução de 1932, ela decidiu por se manter neutra, não
aderindo à luta empreendida pelos paulistas. No entanto, houve uma cisão e de dentro
da Frente saiu um grupo que formou a Legião Negra para lutar ao lado dos
paulistas.
Em
1937 um decreto de Getúlio Vargas que colocava na ilegalidade todos os partidos
políticos atingiu também a Frente Negra, provocando seu fechamento. Ela ainda
tentou se rearticular como União Negra e depois como Clube Recreativo Palmares
e, em décadas posteriores, houve tentativas de se reconstruir a Frente Negra
empreendidas por Francisco Lucrécio (ex-primeiro secretário), e outros, mas a
época de ouro havia terminado.
Porém,
a Frente permanece atual, talvez porque tenha tido o mérito de elaborar um
projeto político para o negro e para o Brasil. Nesse projeto político de
inclusão, a raça seria um fator de mobilização e coesão, e não de segregação,
como vista e sentida no dia a dia. Agindo no sentido de privilegiar a educação,
a ação cultural e a participação política baseada no que poderíamos chamar hoje
de voto étnico, suprapartidário, a Frente supriu carências imediatas de parte
da população negra. Ainda surgirão muitos estudos sobre a Frente, muitos deles
tentando desqualificá-la, mas os temas que pautou permanecem atuais.
FONTE: https://www.ceert.org.br/noticias/direitos-humanos/8278/frente-negra-brasileira-gestando-um-projeto-politico-para-o-brasil
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