Ao longo do tempo, em quase 500 anos de Brasil, a população
negra desenvolveu uma espécie de antídoto contra as tragédias do cotidiano. Foi
assim ao longo dos 3 séculos e meio de escravismo e tem sido dessa forma nos
128 anos do pós-Abolição, que se completaram no 13 de Maio último.
Por Helio Santos, do Brasil de Carne e
Osso
Bijuterias Finas
Nos últimos tempos, sentimo-nos meio estagnados como movimento social, apesar do intenso e massivo protagonismo de pequenos e mínimos
empreendedores e empreendedoras. São protagonistas não apenas econômicos, mas,
sobretudo, agentes sociorraciais. São coletivos que trabalham com a cultura hip hop, são modistas talentosas que
exibem uma performance black fashion encantadora,
são esteticistas revolucionárias, são ainda os inúmeros coletivos de estudantes
negros, cada vez mais independentes da influência deletéria dos partidos, são
meninas e meninos blogueiros que se viram em sua precariedade mas que
desenvolvem criativa tecnologia virtual, são intelectuais jovens, sobretudo
mulheres, que se destacam dentro e fora do habitat acadêmico, são artesãs da
culinária que comercializam suas delícias, são ainda grupos de produção
literária – alguns já bem estruturados, mas inúmeros funcionando como podem -,
mas todos transpirando abundantemente o que há de melhor da nossa energia –
essa lista não tem fim…
Esse protagonismo negro impressionante opera isoladamente, na
maioria das vezes, nesse brasilsão continental e profundo. Essa resiliência
grupal negra é ouro puro, mas sabe-se da preferência brasileira por bijuterias.
Bijuterias finas.
Um protagonismo Esfuziante
É necessário perguntar: o que fazer com essa resiliência
grupal esfuziante desperdiçada e solta nesse desigual país? A resposta dessa
pergunta contempla e absorve a questão-título.
Requer-se uma corrente capaz de absorver essa resiliência
construída ao longo de quase meio milênio. Contraditoriamente a essa
movimentação intensa e luminosa de amplos setores da população negra, sente-se
uma estagnação do Movimento Negro. Como transformar esse protagonismo real em
um movimento com um sentido social é um desafio que vale a pena. Um movimento
sócio-político com repercussões efetivas na cidadania negra-brasileira.
Trata-se do enigma que temos de decifrar nesses tempos: a movimentação
protagonista da população negra alimentando a um Movimento Social Negro
proativo e não partidarizado, afiliado às legítimas e seculares demandas do
Brasil profundo, que não é apenas negro, mas que tem uma inflexão aguda de
gênero e também indígena. Refiro-me agora ao desenvolvimento de antídotos novos
e mais eficazes contra o calidoscópio mutante do racismo no Brasil do século 21. Nos séculos 16 e 17 se
construíam quilombos. E agora? Temos de refundar um movimento sócio-político a
partir daquele protagonismo.
Essa movimentação precisa estar apta a operar com frentes,
coletivos, associações e até mesmo com partidos sem, contudo, quebrar a
identidade destes entes. Desenvolver um novo protagonismo que retroalimente na
direção da Equidade Racial, cuja ausência vem a ser o vetor que torna o gigante Brasil
um dos países mais desiguais do mundo.
Trata-se de uma usina capaz de gerar energia para uma
política restauradora, onde o Ministério da Fazenda cuide de arrecadar os 500
bilhões de reais sonegados por ano (dados de 2014) e não de propor arrochos
sociais. Meio trilhão de reais cobre com sobra todos os déficits anunciados com
pompa pela mídia. Não se sabe de um partido sequer capaz de propor e efetivar
essa “façanha”.
A quem caberá, então, “façanha” semelhante?
Continuamos no Texto 3; o último dessa série.
FONTE:http://www.geledes.org.br/o-que-fazer-pela-equidade-racial-no-brasil-hoje-artigo-ii/
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