ASSISTENTE SOCIAL COM BACHAREL DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE-UFF/RJ e RAPPER
Dona Maria, 44 anos moradora do
bairro Pimentel Marques cidade de Bom Jesus do Itabapoana, estado do Rio de
Janeiro. Preta, pobre, doméstica, evangélica. Dona Maria dividi seus afazeres
cotidianos entre os cultos na igreja e a escravização doméstica na casa de uma
madame de classe média bom-jesuense. Dona Maria é mais uma entre várias.
Trabalha nessa residência mais de nove horas por dia de segunda a sábado,
inclusive quando solicitada, aos domingos. A patroa da dona Maria a ameaçou de
demissão, se a mesma aderisse aos direitos das trabalhadoras domésticas. Diante
do assédio moral feito pela patroa madame, dona Maria recuou, aliás, esse tipo
de atitude rebelde se quer havia passado pela sua cabeça. Dona Maria não tem
carteira assinada e ganha menos de um salário mínimo.
Dona Maria cresceu numa família
pobre, é uma das três filhas de sete irmãos. Têm três filhos duas meninas e um
menino, pais diferentes. A sua educação sempre foi baseada na subserviência,
estudou pouco, pai rígido de doutrina machista e conservadora, mãe submissa as
vontades do marido sempre ensinava que lugar de mulher é nos afazeres doméstico
e que não deveria estudar. Dona Maria cursou somente até a quarta série.
Durante infância e adolescência, com as constantes violências domésticas, dona
Maria passou a freqüentar e a se relacionar mais com as amizades criadas na
rua, na vizinhança. Álcool, drogas, sexo e os terreiros passaram a ser rotina
em sua vida. Engravidou aos 16 anos, uma menina, o pai não assumiu. Aos 20 anos
conheceu Antonio, seu marido, na qual foi reside junto. Aos 20 anos,
engravidou-se da segunda menina. Aos 30 anos teve o terceiro filho.
Nada muda em sua nova vida, continuam
as bebedeiras, o uso excessivo de drogas, visitas constantes ao terreiro. Não
era raro sofrer nas mãos de seu esposo, que a espancava cotidianamente, as
crianças assistiam tudo cresciam num ambiente que era para ser familiar e de
referência. A sua filha mais velha
engravidou aos 14 anos de um rapaz dois anos mais velho, os dois foram residir
na casa de dona Maria. Dois quartos, um banheiro no quintal, uma cozinha. As
brigas eram constantes. Dona Maria doméstica, praticamente sustentava a casa. O
marido vivia de bicos, alcoólatra sempre chegava bêbado em casa. A menina de 10
anos apenas estudava e ajudava a cuidar da casa e olhar o irmão menor. O genro
vivia na rua e a filha mais velha cuidava do seu filho e geralmente não fazia
nada.
A rotina teve poucas mudanças,
dona Maria continuava as bebedeiras, deu um tempo nas drogas, afastou-se do
terreiro. Com o passar do tempo descobre que o genro junto com sua filha
estavam traficando. Não demora muito e são presos. Ela agora com 16 e ele com 18.
A casa caiu. Mais uma somatória de decepções na vida de dona Maria. Agora com o
seu filho mais novo com dois anos, a do meio com 12 e o neto também com dois
anos. O marido a larga foge com outra, dona Maria está só, aumenta novamente as
doses de bebedeiras, volta a usar drogas, retorna ao terreiro. O tempo passa, a
idade chega e a vida continua a mesma. Trabalho exaustivo, bebedeiras, consegue
uma vitória largar de vez o vício das drogas e decidi por um ponto final no
terreiro. Converte-se ao protestantismo. Fim das bebedeiras.
Orações e leituras diárias da
Bíblia, feliz por ter encontrado Jesus, mas a vida de tribulações continuava a
mesma. O filho mais novo e o neto, juntos agora com 14 anos. A filha do meio
com 24 havia fugido de casa com um homem casado. A filha que traficava,
retornou, mas continuou no movimento junto com seu marido e novamente encontra-se
encarcerada. O neto e o filho mais novo encontram o mesmo caminho da filha mais
velha, as drogas e o tráfico. São funkeiros, classificados pela sociedade do
“bem” de Bom Jesus como marginais. Os dois fazem parte da gangue que tem rixa
com os outros bairros periféricos, um tipo de status entre as “novinhas” e o
estilo bandsta trazido das grandes metrópoles. Algo esporádico, pois de acordo
com o histórico periférico, não há motivos para existir esse tipo de conflito
urbano em nossa cidade. Mas tudo que é das grandes metrópoles e comercializado
como “status” é absorvido pela classe pobre interiorizada. O glamour do crime,
sacralizado pela grande mídia, pela classe média e a elite é sedutor, atraente
e excitante.
Dona Maria e sua vida sofrida,
trabalho, casa e igreja. A sociedade do “bem” de Bom Jesus não está nem aí para
ela. É somente uma mera individua preta lutando para sobreviver e manter o seu
sustento e de seu filho e neto. São constantes os bilhetes e reclamações da
escola onde estudam. O Conselho Tutelar vive em sua porta. Num triste dia
recebe uma ligação, filho e neto haviam sido presos. Ao chegar à delegacia
encontra-os com as marcas da violência brutal da sociedade em seus corpos.
Feridos pelos capatazes, algozes e carrascos servos da sociedade do “bem”. Dona
Maria desmancha-se em prantos. Recolhidos cumprirão um período de medida
sócio-educativa numa unidade de internação para menores infratores.
Dona Maria, 44 anos moradora do
bairro Pimentel Marques cidade de Bom Jesus do Itabapoana, estado do Rio de
Janeiro. Preta, pobre, doméstica, evangélica. E lá vai ela caminhando, agora
solitária, parentes todos hoje residem na capital, sua residência mantém a
mesma estrutura desde início. Hoje domingo dia do Senhor, 07h da manhã, lá vai
ela atender aos caprichos da patroa madame de classe média bom-jesuense do
“bem”, pessoas do “bem” que não querem ver dona Maria Bem. Oremos e torcemos para
que dona Maria encontre a real felicidade e que finde suas tribulações.
História fictícia, mas que
representa e reflete muitas histórias de muitas mães pobres hoje em nossa
cidade.
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