MARCELO SILLES
ASSISTENTE
SOCIAL(BACHAREL DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE/RJ) E RAPPER.
Quem contribuiu
para o florescimento, crescimento e desenvolvimento dessas terras e que não tem
o seu devido valor na história deste município e sequer é lembrado em suas
manifestações e festas? O elemento negro. Quem de fato serviu com entusiasmo os
seus senhores sempre com o “sim senhor” e “não senhor” e se quer tem um
obrigado aclamado em sua memória por ter se dedicado com tanta afeição e amor
por essa terra? O elemento negro.
Elemento Negro, adjetivo cunhado no livro de Ana Maria Teixeira (HISTÓRIA DE BOM JESUS DO ITABAPOANA.
UFF.EDUFF. 3ª EDIÇÃO AMPLIADA. 2005) que conta a história do município de
Bom Jesus do Itabapoana. Mas uma pergunta soa no ar: porque referir-se ao preto
como elemento? No livro destacam-se as referidas palavras “introduziram o
elemento negro”, como se o negro fosse algo, alguma coisa de uma devida importância
um tanto material e não visto como um ser humano, cidadão, indivíduo que
contribuiu para o desenvolvimento e crescimento da cidade de Bom Jesus do
Itabapoana.
De certo que não
devemos julgar épocas passadas as contemporâneas, mas porque isso aplica-se
somente aos pretos e índios e não aos europeus? Os descendentes eurocêntricos
sempre adoram lembrar que seus ancestrais contribuíram e muito para o
desenvolvimento e crescimento destas terras, adoram falar de seus feitos. E o
negro, como foi trazido à força para essa região sob o status de escravizado,
inferior e sub-inferior nada vale ser lembrado a respeito de seus feitos a não
ser quando o mesmo aceite as mesmas condições históricas construídas sob sua
condição “sim senhor” e “não senhor”. A condição servil forçada somada a
caridade e o paternalismo-assistencialista transformaram o negro num ser
subserviente e pactuante de sua condicionalidade dócil de serviçal a alegre
como tudo está bom. Apontar àqueles que colaboraram de certo modo para a
manutenção dessa condição é tida como algo que se for buscada a fundo, como
retrograda e uma discussão atrasada, fato que estamos caminhando para um
futuro, que assim afirmam, promissor e de igualdade universal para todos.
Portanto, reabrir discussões e trazer a tona ranços passados atrapalham o
desenvolvimento. Ou seja, a verdade dói.
Quem vem de fora
percebe uma cidade com traços eurocêntricos, os negros estão nas periferias,
margeados. Desde sua fundação a política de segregamento sutil, teve sua
aplicabilidade com total benção e colaboração por parte da gigantesca população
negra bom-jesuense desde seus primórdios. A consciência de negritude, cultura e
ancestralidade nunca foi cultuada entre os pretos e pretas bom-jesuenses,
portanto, a docilidade e subserviência entre seus senhores, a prática cotidiana
do “sim senhor” e “não senhor” transformaram-se em um ritual abençoado e
pactuado. Aquele preto que reconhece a sua ancestralidade e seu valor na
sociedade é rapidamente excluído e desmoralizado entre os seus irmãos. É taxado
de racialista e um indivíduo que atenta contra a moral e os bons costumes de
nossa boa e pacata cidade.
Portanto a
denominação de “elemento negro” batizada por Teixeira nos deixa a entender o
motivo dessa alcunha. Tratar o negro como “elemento” e referenciar-se ao negro dessa
forma é a forma mais clara e cabal de racismo sutil e velado criado pelos tais
“senhores” e percebido sutilmente em nosso cotidiano diariamente. Nos
tratamentos dados, nos cargos e funções, nas ascensões sociais e econômicas e
na própria postura do negro em sua aceitação social e econômica. A criminalização do ser negro, por sua cor não
é novidade em nossa sociedade. Pelas fotos históricas podemos contar nos dedos
quantos negros e negras constam nelas. Números ínfimos.
Analisando
criticamente o passado bom-jesuense consta uma total desvalorização proposital
da exclusão do negro em seu valor histórico, cultural e econômico para o
desenvolvimento da cidade. O negro nunca teve o seu espaço reconhecido, no
entanto, é sempre requisitado em épocas que favoreçam as famílias dos tais e os
tais “cidadãos de bem” de Bom Jesus. Doravante os atributos do preto e da preta
serviçal são bem quistos pelos mesmos e pelos tais “cidadãos de bem” de Bom
Jesus. Ver um preto em ascensão é algo aterrador para muitos, como sempre já
ouvi piadas e comentários bom-jesuenses racistas do tipo: que neguinho marrento só porque passou num concurso; é isso que dá, da
asas a macaco só porque está de farda; lugar de preto é na faxina. Estes são
apenas alguns dos adjetivos que os tais “cidadãos de bem” de Bom Jesus elogiam
os pretos.
E esse tal de “neguin”,
neguim pra cá, neguim pra lá e muitos dizem “é algum comum é cultural, não estamos falando dos negros mais de todos”.
Mas só que esse adjetivo, que de nada tem em elogio, somente é aplicado
quando se refere ao indivíduo que faz algo de ruim, péssimo e novamente entra a
questão que de tudo relacionado ao termo negro é ruim: não pode deixar assim porque se não neguim invade; rapaz toma cuidado
porque tem neguim muito doido por lá. E por aí vai. Agora me digam, tem ou
não tem algum sentido e conotação racista neste termo coloquial neguim?
Várias são as
desculpas esfarrapadas, assim sendo no livro que basicamente conta história
oficial do município de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, o negro tem o seu
referencial marcado como um “elemento” e nada mais do que isso. Uma triste
realidade histórica de nossa região onde muitos ditos os tais “cidadãos de bem”
amam em conclamar o seu retorno histórico triunfal da qual a mesma foi um dia.
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