sexta-feira, 28 de março de 2014

ENTREVISTA: Chilli, Do TLC Fala Sobre Música Nova, TV, A Turnê Do Grupo E Muito Mais.


A combinação perfeita entre Rap, R&B e Funk fez do TLC um dos grupos femininos mais inovadores da música, levando o trio ao posto de segunda banda feminina que mais vendeu na história. Hoje, exatos 22 anos após o lançamento do primeiro álbum, o trio, antes composto por T-Boz, Left Eye e Chilli, foi reduzido a dupla após a morte da rapper Left Eye. Mas as duas remanescentes continuam com força total nos projetos do grupo. E o site windycitymediagroup entrevistou a Chilli, que em um papo bem descontraído falou sobre os planos futuros da banda, na música e nos palcos. 

                                  A entrevista completa você pode conferir a seguir. 


Windy City: Oi Chilli. Ontem eu fiquei até tarde a noite assistindo o filme do TLC.
Chilli: Você chorou?

Windy City: Não!
Chilli: Qual é?!?

Windy City: Bem, eu me emocionei bastante. Eu entrevistei Dionne Warwick há alguns anos atrás e ela me falou que queria que Keke Palmer a interpretasse em um filme sobre a vida dela.
Chilli: Sério? Que engraçado.
Poster do Filme "CrazySexyCool:The TLC Story"

Windy City: E você escolheu Palmer para te interpretar no filme. A responsabilidade foi grande para esse filme.
Chilli: Nós estávamos tão felizes por isso. Obviamente é uma benção fazer parte do projeto que conta sua história. Muitas vezes vemos histórias assim serem contadas, mas as pessoas não estão mais entre nós.


Windy City: Eu sinto falta das cores fortes dos anos 80.
Chilli: Foi nos anos 90. Nos anos 80 eu ainda estava no ensino médio. Não me envelheça! (ambos caem na gargalhada)


Windy City: Interessante que você quase foi substituída no grupo. Isso teria mudado sua vida.
Chilli: Sim, foi uma loucura.

Windy City: Qual foi a reação de Pebbles sobre o filme?
Chilli: Ela não gostou da maneira que ela foi retratada. Chegou a falar em processo, mas ela não pode nos processar, porque não há difamação na personagem. Ela apareceu em algumas entrevistas e fez o que ela queria.

Windy City: Dallas Austin estava fofo no filme.
Chilli: Evan Ross? Ele fez um excelente trabalho. Ele e Dallas são grandes amigos, então ele pôde conversar com ele e pegar várias informações importantes sobre a personagem.

Windy City: Você realmente trabalhou com a Kandi Burrus, que escreveu "No Scrubs"?
Kandi Burrus, com Chilli e T-Boz em estúdio
Chilli: Eu realmente estava me sentindo estranha no estúdio, então eu disse para ela: "Eu te amo de verdade, mas você não pode ficar aqui e assistir!". Então eu fiz algumas mudanças na letra dela, porque eu queria torná-la mais pessoal e ela estava totalmente aberta e liberal em relação a isso. Era eu, o engenheiro de som e o She'kspere, produtor que gravou a música. Eu finalizei "No Scrubs" em umas cinco horas, incluindo o fundo e tudo mais.



Windy City: Vocês estavam completamente envolvidas nas músicas.
Chilli: Oh, com certeza. Nós sabemos do que gostamos.

Windy City: Você assiste o "Real Housewifes Of Atlanta"? 
Chilli: Não. Esse n]ao é meu 'guilty pleasure', eu tenho alguns outros...

Windy City: Você fez um reality show chamado "What Chilli Wants". Você faria isso de novo?
Chilli: Eu não diria não se isso fizer sentido e estiver no caminho certo. Eu não sou o tipo que fica xingando para chamar atenção do pessoal para o reality show, especialmente hoje em dia. Essa não sou eu. Se for algo que eu me sinta confortável, no canal certo, com o público certo e faça algum sentido, então com certeza eu topo.

Windy City: Eu estava pensando no Dancing With The Stars...
Chilli: Oh, eu adoraria fazer isso. Seria divertido. Sabe o que é engraçado? Eu sempre achava que as pessoas que realmente dançam não poderiam estar nesse tipo de programa. Eu não sei como dançar dança de salão e valsa. Parece fácil, mas quando você assiste e ver as estrelas se preparado para isso, então é muito diferente do que eu faço. Eu pensei sobre isso de novo e gostaria de estar no show. 

Windy City: Como você se sentiu quando "Unpretty" foi interpretada pelo pessoal do Glee?
Chilli: Oh meu Deus, eu amei! Eu estava saltitante. Nós tínhamos que aprovar, e eu simplesmente achei maravilhoso. Eu estava tão animada e feliz por eles quererem cantar nossa canção. Eu tô te dizendo, eu me senti na lua com isso.

Windy City: Eles misturaram com um pouco de 'West Side Story'.
Chilli: Eu sei. Eles foram bem criativos com isso. Eu amei como eles fizeram. Eu não tenho do que reclamar. 

Chilli exibindo tanquinho ao lado do Jay-Z
Windy City: Vocês têm muitos fãs gays. Precisamos que vocês toquem em nossa parada gay no verão.
Chilli: Sabe de uma coisa? No final das contas nós amamos performar. Não importa para quem nós estaremos performando, me coloque num palco e me dê um microfone e eu estou pronta para atacar.

Windy City: Tiro o chapéu pela ousadia do TLC promover o sexo seguro no começo.
Chilli: Parece que precisamos lançar outra música que promova o sexo seguro. Problemas como sexo seguro e amor próprio, nós sempre buscamos encorajar as pessoas nesse caminho, apesar da diferença entres as gerações, você e eu somos adultos mas vai ter sempre alguém tentando te colocar para baixo. Pode ser no trabalho, ou num relacionamento e aí você ouve uma canção com um a letra certa que irá te ajudar na caminhada. Eu acho que esse tipo de música é sempre necessária. 

Windy City: Você sempre malha muito para ficar exibindo essa barriga tanquinho?
Chilli: Quando eu tiver 89 anos de idade eu ainda estarei exibindo meu abdômen tanquinho! Pode ser que eu não mostre minhas pernas, mas sempre vou mostrar minha barriga, talvez meus braços ou algo mais. Eu tenho sido consistente. É o que eu falo para o pessoal, você tem que estar certo de não ficar comendo bobagem o tempo todo. Na maior parte do tempo o importante é o estilo saudável de vida que você leva. Não estou falando de dietas, mas em descobrir um programa de exercícios adequados que você goste.      

Windy City: Foi difícil depois de ter um bebê?
Chilli e seu filho Tron
Chilli: De jeito nenhum! É engraçado porque Lisa, minha parceira de grupo, me falou com aquela voz alta dela, que minha barriga ficou bem melhor depois que eu tive bebê. Eu acho que foi porque eu me dediquei mais aos exercícios depois que eu tive meu filho. Quando "No Scrubs" foi lançado Tron ainda era um bebê de colo. Eu perdi muito peso quando eu estava amamentando. Meu metabolismo subiu para além do telhado. Teve toda essa combinação. Então eu tive que parar de amamentar para poder ganhar um pouco de peso. "Alimentar as Crianças?". Essa era eu!

Windy City: Quantos anos o Tron tem?
Chilli: Ele está com 16 anos de idade. Dá pra acreditar?

Windy City: Eles crescem tão rápido.
Chilli: Eu sei. Eu tenho que me apressar e ter outro urgente!

Windy City: Ele vai em turnê com você?
Chilli: Oh, sim! Nós agendamos nossa turnê para Primavera e Verão, que é quando ele está de férias da escola.


Windy City: O que os fãs podem esperar dessa turnê?
Chilli: A gente sempre aparece com alguma novidade. Nós não gostamos de mudar os nossos hits, porque eu sei que eu odeio quando eu vou em um show e eles mudam as músicas. As pessoas querem cantar junto. Elaes querem ouvir cada ad-lib. Não mechemos muito nas músicas, mas mudamos um pouco. Tentamos fazer algo realmente bacana, as danças modernas e um 'breadown dance'. Não queremos que as pessoas fiquem andando pelo nosso show cansadas. Elas precisam sair de uma festa divertida para irem comer, ou ir pra casa dormir.

Windy City: Tem um bufê no Horseshoe Casino (onde o TLC fará show) onde eles podem comer.
Chilli: Hey!!! Bem, nós usaremos todo o espaço do Casino, então eles podem retirar esse bufê.

Windy City: Você joga?
Chilli: Eu não jogo. Nunca foi uma das minhas coisas. Eu tentei uma vez nos 'slots', joguei 50 centavos e ganhei 25 dólares. Eu fiquei feliz e foi isso. Além do mais, esses lugares costumam ter muitos fumantes e eu sou alérgica, então eu não posso frequentar muito esse lugares.

Windy City: Em Indiana eles ainda podem fumar nos Cassinos então se cuide. Que novidade musical vocês estão preparando?
J.Cole com o TLC
Chilli: Definitivamente isso nos ocupará nos próximos dois anos. Estamos tão ansiosas com turnês e algumas coisas que mantemos secretas e não anunciamos ainda. Anunciaremos em breve. Temos escutado as músicas que gravamos e decidindo o que queremos e o que descartaremos. Temos que decidir com quem queremos trabalhar. Estamos nos organizando e buscando formas divertidas para apresentarmos tudo isso, porque é muito importante para nós, sermos criativas e formadoras de opinião. É algo que sempre fizemos, e é isso que somos. Ao mesmo tempo, tudo tem que fazer sentido. As vezes você fala tanto que as pessoas não sabem do que você está falando. Nós não queremos seguir esse caminho, mas queremos ter certeza de que será algo muito louco. 

Windy City: Onde você quer que os fãs fiquei ligados com você?
Chilli: Eu definitivamente twitto muito. Eu chamo todos os meus seguidores no twitter de "Twitter Babies" e eles me chamam de "Twitter Momma". Eu estou muito no twitter, mas não muito no Instagram. Parece estranho ficar postando 'selfies' por aí, mas eu vou fazer isso um pouco mais.     

Windy City: Para essa turnê quem está na programação? Eu ouvi a possibilidade de Lil Mama aparecer nos shows.
Chilli: Ela foi tão incrível no filme (no papel de Lisa Lopes). Ela é uma grande fã da Lisa. Foi ótimo ter ela no palco homenageando-a. Temos conversado muito com Missy Elliott, sobre fazer algo assim também. Conhecemos muita gente da indústria que amava Lisa e tiveram um relacionamento com ela, não só rappers mulheres/cantoras, mas também muitos rappers masculinos, como quando tivemos o Doug E.Fresh com a gente no Superbowl Blitz. Foi tudo tão divertido e os fãs amaram, o que nos deixa muito feliz. Estamos felizes com a direção que estamos tomando nesse momento. 

Windy City: Estou ansioso para ver as novidades desse show.

Chilli: Oh, você vai estar lá é? Nós iremos te expulsar de lá e você vai ter que ir para o bufê. (risos)

Entrevista feita por: Jerry Nunn

Tradução: Salatiel L.Morais

FONTE:http://rollingsoulbrasil.blogspot.com.br/2014/03/ENTREVISTA-Chilli-Do-TLC-Fala-Sobre-Musica-Nova-TV-A-Turne-Do-Grupo-E-Muito-Mais.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed:+blogspot/NuNcuY+(Rolling+Soul)

quinta-feira, 27 de março de 2014

SER NEGRO NO BRASIL HOJE, BRASIL MODERNO, COMPETITIVO, DESENVOLVIDO E CONTEMPORÂNEO.

Marcelo Silles
Assistente Social com Bacharel da Universidade Federal Fluminense-Campos/RJ & Rapper

Agência Banestes bairro Campo Grande, Cariacica-ES. Ano 2007, mês outubro. Não lembro o dia, mas lembro bem dos primeiros nomes de minhas educandas Milena e Natália, na época as duas com 17 anos, uma negra e a outra morena. Era por volta de umas 10h, como as atividades haviam cessado cedo, na verdade foi apenas uma reunião no CRAS do bairro Padre Gabriel, resolvi ir a agência Banestes de Campo Grande para resolver assuntos relacionados à minha conta corrente. As meninas tinham que está em um estabelecimento no mesmo bairro e pediram para ir comigo, me acompanhar. Então fomos.

Chegamos cedo à agência e ficamos na fila como os outros clientes do banco. Quando abriu no horário de 10h, mediante a entrada das pessoas ao recinto e o constrangimento constante da porta-giratória, na minha vez fui barrado pelos seguranças que exigiam que eu colocasse o celular no compartimento a qual é designado junto com a bolsa e que eu levantasse a blusa. Prontamente neguei, pelos seguintes motivos: haviam passado, lembro-me bem com certeza onze pessoas a minha frente todas brancas e todas, disse todas portando celulares e bolsas, porque somente eu tinha que ser o revistado, o suspeito?

Após a minha negação pedi que as meninas ligassem suas câmeras e começassem a filmar. Dirigi-me aos seguranças e disse o seguinte: entraram na minha frente onze pessoas, todas com celulares e bolsas, todas brancas e nenhuma delas foi abordada em momento algum para tirar celulares e bolsas. Atrás de mim tem esse monte de gente querendo entrar inclusive muitos brancos e brancas. O barulho é o seguinte, eu posso até atender a solicitação dos senhores, mas só depois que as onze pessoas brancas retornem para o lado de fora e façam o mesmo inclusive as que estão atrás de mim também todos terão que passar pelo mesmo procedimento, depois de todo ocorrido aí sim realizarei o pedido informal dos senhores. Agora, caso não ocorra e continue essa persuasão e ameaça, tomarei as medidas cabíveis e farei um B.O.  acusando os senhores e a agência por racismo e entrarei com pedido de danos morais pelos constrangimento que estou passando em público.

Nisso veio o gerente para saber o que estava acontecendo pelo tumulto formado na porta-giratória. Relatei novamente tudo inclusive as minhas condições para atender ao pedido dos senhores seguranças. O gerente liberou a porta pra geral, pediu-me desculpas e não fiz o que os seguranças mandaram. As minhas educandas ficaram impressionadas. A multidão ficou titubeante e de boca-aberta, a maioria a meu favor. Sou um preto atrevido ainda mais quando consta dos meus deveres mais do que minhas obrigações.

Diante da presença maciça de atenuantes e agravantes epiteliais por parte da intimidação dos seguranças, que seguem a égide rígida comportamental que é manter marginalizados os já marginalizados cautelarmente como forma de garantia de acesso irrestrito das pessoas de “bem” de cor branca seguindo a cartilha de Nina Rodrigues, a sociedade que se diz do “bem” se revolta calada na mordomia do seu lar, do seu silêncio, da sua indignação pacata em agir conforme manda o roteiro cordial da democracia.

A culpabilidade da cor está evidenciada, ante a reprovabilidade da conduta do negro no meio social. Os antecedentes não lhes são favoráveis, as circunstâncias pesam em desfavor do negro diante de situações como esta vivida por mim. Para o negro não há dosimetria da pena, não há suavilidade e sim severidade nos olhares de repúdio, condenação e racismo. No que tange aos amigos e defensores dos negros, mas que não querem sonhar a guerra compete apenas à lamentação do porquê de alguns monstruosos racistas estarem à solta por aí, mas aceitam conviver com eles amorosamente. Mas eu não, pois para preto não existe o privilégio non bis in idem.

Esta semana revivi essa situação mediante dois fatos, o da minha colega Nina Silva e a da senhora Cláudia Ferreira arrastada covardemente por PM´s do Rio de Janeiro. Baleada Cláudia foi jogada dentro da caçamba de uma viatura como se fosse um animal não uma pessoa, cidadã, um ser humano. Ali podia ser ver nitidamente toda a violência praticada contra a dignidade humana, ali os direitos de cidadã foram reduzidos a relés coisa alguma dignidade violentada simplesmente por ser preta e pobre. Cláudia Ferreira, 34 anos, faxineira mãe de quatro filhos e cuidava de mais quatro sobrinhos, entra para o rol triste das estatísticas do genocídio do povo preto.

Nina Silva, nome Marina Silva, foi barrada impedida de entrar na agência Itaú Personnalité na cidade do Rio de Janeiro. Os seguranças mandaram que ela retirasse todos os pertences da bolsa para averiguação e colocasse os mesmos, de metais, no compartimento apropriado. Detalhe que havia entrado duas clientes brancas que não passaram pelo mesmo procedimento portando bolsa e objetos de metais. Crime de Nina, ser negra e está num ambiente no qual para os seguranças não era o dela, Nina burlou a regra branca redigida para os negros de “ponha-se no seu lugar.”


Nina Silva, Claudia Ferreira e eu concorremos para o mesmo, único e eterno crime tipificado, nascemos pretos. Para os olhos de muitos em massa ainda somos cidadãos de segunda-classe, inferiores sujeitos a chacotas, brincadeiras sem graça com a nossa cor, condição, cabelo etc. O engraçado é que se nós pretos começarmos a postar fotos zombando de brancos, de criancinhas brancas, como os racistas fazem por aí com negros e criancinhas negras e os não racistas também adoram, seremos chamados e tachados de racistas e oprimidos querendo ser opressores.



Ser negro no Brasil hoje é ser como negro antigamente, receber sempre não para o moderno, não para o competitivo, não para o desenvolvimento, não para a contemporaneidade. Ser negro hoje no Brasil significa ainda carrega os estigmas e marcas da escravidão, é ter que lutar sempre para fazer valer o que nós é garantido por lei, mas sempre é negado.


Carolina Maria de Jesus canta - Rádio Batuta


O sucesso de Quarto de despejo, o livro, motivou Quarto de despejo, o disco. A mineira Carolina Maria de Jesus, catadora de papel que se tornou escritora, gravou em 1961, um ano depois de seu best-seller, músicas que ela mesmo compôs. O raro LP pertence ao Acervo José Ramos Tinhorão, sob a guarda do IMS. Em homenagem ao centenário de Carolina Maria de Jesus, que se completa neste 14 de março, a Batuta apresenta as 12 faixas. Para ouvi-las, basta clicar aqui e em seus títulos, ao lado.

FONTE:http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/563

MR. JUNIOR, o senhor dos pequenos rapper´s.

Rap/Hip Hop de campos dos Goytacazes-RJ




quarta-feira, 26 de março de 2014

GRUPO DE SAMBA "SOM MULHERES"



COACHING NA EMPRESA



Dentro de uma empresa, em cada função executada por um colaborador, existem metas a serem cumpridas, mas atingir o alvo estipulado não é nada fácil, é preciso de motivação, companheirismo, capacidade e muitos outros fatores. Sabemos que as pessoas que comandam a empresa ou o setor são os chefes, mas para essa meta ser atingida é preciso ser mais do que isso, é necessário ser um verdadeiro líder, um coaching. 

A função desse profissional é ajudar todos os  colaboradores de sua empresa, ele deve estudar detalhadamente cada um de seus funcionários, encontrando o melhor de cada um deles e auxiliando a potencializar  os pontos positivos através da motivação, auxiliando para que visualizem também os pontos fracos trançando metas para supera-los. 

O coaching ao explorar o melhor de cada funcionário, está consequentemente, melhorando os resultados de sua empresa, pois quando uma pessoa se sente bem em seu local de trabalho, ela executa com louvor suas atividades, e é isso que o líder deseja, através de sua postura amistosa com os colaboradores, colher resultados e garantir satisfação a todos ( clientes internos e externos). 

Como em uma equipe de futebol, o coachig dentro da empresa está junto à sua equipe, seu time, sua família, buscando resultados, melhorias e qualidades. Este profissional, destro da gestão empresarial, com todas essas as ações de liderança, procura satisfizer todos, ele, seus funcionários, seus clientes, seus fornecedores e todos, que de alguma maneira está vinculado à sua marca. 

Criando um ambiente de ganha, ganha onde todos os envolvidos  visualizam ganhos como reconhecimento profissional, aumento da auto estima dos envolvidos, qualidade de vida entre outros. 


FONTE: http://coachanaminuto.blogspot.com.br/2014/03/coaching-na-empresa.html

JASMINE SERIZZY DAVIS

Clique aqui e confira a sua New Music Feeds Jasmine Serizzy Davis



COMMA

Guaçuí no rap e hip hop nacional.




terça-feira, 25 de março de 2014

Campanha por Enedina – mulher, negra e pioneira

por Vanessa Fogaça Prateano

Você sabe quem é Enedina Alves Marques? Não são muitos os curitibanos e paranaenses em geral que conhecem ou já ouviram falar da história desta mulher. Mas deveriam. Enedina foi a primeira mulher a se formar engenheira pela Universidade Federal do Paraná – e a primeira engenheira negra do Brasil. Na década de 40, quando as brasileiras votavam não fazia uma década, o divórcio ainda não havia sido aprovado e não havia as cotas raciais, mecanismo mais do que justo para promover a inclusão daqueles que representam mais de metade da população brasileira.

Esta semana, Enedina começa a aparecer em rodas de conversa e nas mídias sociais. Isso porque há uma campanha, divulgada pela coluna Entrelinhas  da Gazeta do Povo, editada pela minha colega Marcela Campos, para que ela rebatize o Edifício Teixeira Soares, aquele perto da Ponte Preta, na Rua João Negrão, perto do Shopping Estação, no bairro Rebouças. O prédio pertenceu à antiga Rede Ferroviária Federal e foi doado à Federal, que em breve instalará ali um novo campus. Uma singela (ela certamente merece mais) homenagem a uma de suas alunas, pioneira e exemplo para várias gerações de mulheres.


Enedina já é nome de escola, batiza o Instituto Mulheres Negras de Maringá. Também mereceu busto do Memorial à Mulher Pioneira e o Instituto de Engenharia do Paraná não se esqueceu dela — é a instituição que cuida de seu túmulo. Mas certamente ela merece mais, a começar, por parte da UFPR. Em janeiro deste ano, quando se comemorou o seu centenário, não se soube de nenhum evento especial promovido pela universidade para lembrar de seu nome, Perdoem-me se eu estiver enganada, e deixem um comentário se conhecem alguma ação.

Este blog, portanto, pede encarecidamente a seus leitores que ajudem a engrossar a campanha. Se hoje ser mulher e negra dentro da universidade é um grande desafio — permeado por trotes machistas e racistas, por comentários e piadas humilhantes vindos de colegas e professores e por esteriótipos que cercam a mulher que vai para a área de Exatas e Tecnológicas –, imaginemos os leões que Enedina teve de matar para chegar lá. Vamos relembrar e manter viva essa história.

Para saber mais sobre ela, há esse  texto do meu colega José Carlos Fernandes, publicado há exato um ano. Também há um  trabalho  sobre ela na Revista Vernáculo, de autoria de Jorge Luiz Santana. Se você conhece outras fontes, por favor, publique nos comentários.

FONTE:http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questoes-de-genero/180-artigos-de-genero/24002-campanha-por-enedina-mulher-negra-e-pioneira

Eu, preta, pobre e crackeira - Por: Priscila Tamis

"Engoli uma frase qualquer, dessas que uma branca-intelectual-estudada-militante consegue articular. E senti cada vez mais perto todos aqueles olhos cheios de ódio, aqueles corpos agressores, aqueles dedos na minha cara. A polícia já estava ali, em cada um deles"

Por Priscila Tamis*

Hoje estava na rua Frederico Abranches, zona central de SP, no Complexo Cracolândia. Caminhava sozinha em direção ao metrô Pedro II. Peguei a passarela. No meio dela dou de cara com um amontoado de pessoas que rodeavam outras três. Dois homens imobilizavam outro que estava estendido no chão.

O que aconteceu?

O cara roubou a carteira dele!

O "cara" era um homem negro, alto, vestido de um jeans. Naquele momento o "cara" era um preto, pobre, crackeiro que tinha roubado uma carteira e tinha agora o rosto esfolado no chão.

"Ele" segurava os braços do "cara" e o pressionava com as pernas contra o chão, com a colaboração de um outro justiceiro qualquer.

Moço, você pegou sua carteira?

Eu tô com a carteira!

Então larga o "cara"!

Naquele momento o "cara" sentia na pele toda revolta e miséria política-afetiva que o corpo multidão pode portar.
Uma garota se aproximou com dedo em riste na minha cara.

Você é uma escrota!

Aí começaram os instantes dos mais oprimidos que já vivi – porque naquele instante eu já era outra. A pele escureceu, a grana da sobrevivência escapou e o crack me invadiu. Bem assim. Nunca, em nenhuma situação, em nenhum estudo, movimento social ou poéticas homônimas senti isso.

Ela sentia ódio. Me olhou no olho, como se fosse a última coisa que faria na Terra. E repetia.

Você é uma escrota!

Ela cada vez mais perto.

Ao mesmo tempo, um homem branco limpinho, de uns cinquenta anos, aproximou-se mais e gritou.
Você é cúmplice desse cara!

E outro qualquer – nisso meus olhos já quase não enxergavam – aproximou-se também.

Ele tá contendo o cara pra chamar a polícia! – esclareceu mais outro justiceiro.

Consegui que a roda se virasse pra mim. Quase todos ali me rodeavam. E aí o vômito chegou à garganta, engoli uma frase qualquer, dessas que uma branca-intelectual-estudada-militante consegue articular. E senti cada vez mais perto todos aqueles olhos cheios de ódio, aqueles corpos agressores, aqueles dedos na minha cara. A polícia já estava ali, em cada um deles.
Em 1919, em Omaha (EUA), o operário negro Will Brown é linchado, e sou corpo mutilado é queimado pela multidão branca. Realidade não tão distante (Library of Congress)

Eu era a preta, pobre, crackeira. Sem cristianismos. Senti o que jamais senti na pele. Nenhuma bomba de gás lacrimogêneo me fez sentir assim.
Bem assim. Eles estavam prontos pra rasgar minha cara no concreto, como faziam com o preto, pobre, crackeiro que bateu carteira. Eu roubava a dignidade que eles sentiam em reprimir. Bem assim. A força de multidão que os impulsionava, a força da alienação do efeito massa que pode acontecer quando um monte de gente se junta seja para o que for. Pelo menos seis pessoas estavam a menos de um palmo de mim. E eu, preta-pobre-crackeira-escrota senti a violência da polícia.

Eu não apanhei. Porque me calei, deixei o "cara" já de pé, mas ainda encurralado, virei as costas e segui. Aos soluços e engasgada com o vômito que não saiu. Mais ou menos cinquenta minutos – na intensidade felina dos mais ou menos cinquenta anos daquele senhor – de choro com soluço no metrô, na rua, no ônibus. Do afeto agonizante e humilhado não privei nenhum passante.

Afinal, a violência é de quem?

O drama do protagonista que é sempre o primeiro a agonizar a vida que se vive.

Hoje eu não subverti nada, não construí nada, pouco me manifestei. Fui gente covarde com medo de apanhar. 

Fui gente que quer viver e não se orgulha em sangrar. Fui gente cansada, rasgada no peito.

Nesse dia que fui branca e fui preta, que fui classe média-intelectual e fui crackeira, eu só queria, como quero todos os dias, que toda a gente pudesse ser gente nessa cidade.

Caros repressores,

Caros ressentidos,

Caras pessoas que reproduzem a lógica de massacre,

Diante de toda bomba e de todo dedo em riste,

Diante de todo medo que senti,

Posso dizer agora, neste mesmo dia de hoje, que vossa força reativa encarnou neste corpo que vos fala a máxima potência da indignação. Senti o que jamais vivi na minha vã filosofia militante. Senti no corpo o ódio da farda que vocês vestiram. Vocês ameaçavam com humilhação e estupidez inúteis a vida daquele homem. Vocês ameaçaram a minha vida.

Luto com tudo o que posso contra vossas fardas.

Luto contra as minhas fardas.

E se hoje pelo meio do dia eu não falei
Pela noite escrevo e publico.

Quando a gente se expõe ao acontecimento ele acontece.

Também tenho minhas armas.

(quais modos de existência estamos produzindo nessa cidade?)

Toda força aos que lutam!

*Psicóloga Esquizoanalista pela UNESP/Assis e AT. Mestre em Ciências pelo programa de pós-graduação em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Integrante da Rede dos Fazedores de Arte na Atenção Psicossocial e Assessora / Programadora Cultural na Coordenadoria do Sistema Municipal de Bibliotecas da cidade de São Paulo.



FONTE: http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questoes-de-genero/180-artigos-de-genero/24005-eu-preta-pobre-e-crackeira-por-priscila-tamis

segunda-feira, 24 de março de 2014

Quem quer ser negro no Brasil?

JOANA GORJÃO HENRIQUES (Texto, em São Paulo, Salvador e Brasília) e VERA MOUTINHO (Fotografia)


Porque "é difícil". Porque Ariana é a grande excepção num Brasil onde é raro encontrarem-se médicos negros nos hospitais. A "caçula" de 12 irmãos foi a primeira a ir para a universidade. Era a única mulher negra da sua turma na Faculdade de Tecnologia e Ciências da Bahia. Em seis anos a estudar Medicina, cruzou-se com apenas duas estudantes negras de outros anos. "Nos hospitais sempre me confundem com a menina que limpa o chão. Se cai qualquer coisa: 'Você vem aqui, pega o pano, limpa.' Quantas vezes eu já ouvi isso? Muitas vezes. [Olham para mim]: 'Ah, é a enfermeira, a técnica.' Se estou sentada lá na mesa — sabem que é um médico que está ali na mesa — [perguntam]: 'É você? Ah...'" E Ariana responde: "Vou chamar a pessoa responsável por isso." Ou então mostra o distintivo na bata: "Está aqui, sou médica."

Isto acontece com pacientes brancos e negros: "Na verdade, os brancos ficam mais impressionados. Os negros me abordam mais porque não estão acostumados a ver na sua comunidade pessoas em cargos assim de mais prestígio." Ariana tenta mudar o olhar de quem a ofendeu: um negro não faz só limpezas, é possível que uma médica seja negra.

De facto, ela raramente se cruza com médicas negras — médicos ainda vai vendo, mas poucos. Cresceu a ouvir: "Negro não presta." E por isso: "Cresci dizendo: 'Meu Deus, eu sou negra e negro não presta.' Não tinha orgulho de ser negra. Meu pai era o primeiro a dizer que negro não presta, que negro faz sempre coisa ruim e que não é para ter orgulho de ser negro — ele sendo negro."

Mas o pai, pedreiro, morreu com orgulho da filha negra. Estava bastante doente, com Alzheimer, quando Ariana soube que tinha conseguido a bolsa para entrar em Medicina — cancelando assim o curso de Pedagogia que estava quase no fim. Chegou a casa, e contou: "Pai, passei em Medicina. Eu acho que ele entendeu. No outro dia faleceu. Isso é uma dor para mim. Ironia do destino, né? Filha passando em Medicina, pai falecendo no outro dia."

Apesar de tudo, quando pedia dinheiro para livros, para a escola, ele dava. "Era o maior sacrifício." Mas ele dava. Na época de aulas, tinha o costume de a esperar à noite nas paragens de autocarro, porque o bairro era perigoso e "tem que ficar olhando". "Sempre me incentivou. Sempre."

Ela cresceu a ouvir que negro não presta, mas cresceu também a dizer que queria ser médica. Aos 15 anos, estava num hospital com o sobrinho que tinha caído. Virou-se para o médico, até ali brincalhão, "dando risada", e disse: "Olha, eu estudo muito para ser médica como você.' Houve um silêncio da parte dele. Aquele que estava brincando, sorrindo, conversando com a gente se fechou. E aí, como eu falo muito baixo, [pensei] que ele não ouviu, falei mais alto: 'Olha eu estudo muito porque quero ser médica como você, como o senhor.' Aí ele virou, olhou para mim como se dissesse: 'Ponha-se no seu lugar, você não vai conseguir.' [Pausa] Saí dali arrasada. Arrasada."

Tinha levado "um balde de água fria". "Mas não desisti por isso, não." Afinal, Ariana é conhecida por ser "do contra": "Se tinha aquilo para fazer e ninguém conseguia, eu ficava, ficava, ficava até conseguir."

Tentou Medicina, antes de entrar em Pedagogia, por três vezes. Numa delas, em que "não passou", chegou a casa, à varanda de um apartamento numa favela, e "chorou, chorou, chorou", lembra a mãe, no mesmo sítio, agora numa noite de Fevereiro, já com a filha formada. E o irmão a dizer-lhe: "Você vai alcançar, vai alcançar."

O irmão não está em casa da mãe na noite em que lá vamos, mas estão algumas das irmãs, sobrinhas e sobrinhos. Os jovens sentam-se na sala, logo à entrada, agarrados aos telemóveis e a olhar para o ecrã da enorme televisão. Vê-se logo a fotografia da cerimónia de formatura de Ariana, em formato gigante: ela de bata, cabelo arranjado, maquilhada. Morro acima, vivem as irmãs, noutras casas. Foi naquela sala que ela estudou e continua a estudar Medicina, com gente a entrar e a sair. No edifício ao lado, fiéis de uma Igreja Evangélica cantam alto, batem palmas.

Quando entrou em Medicina, pagava três mil reais por mês (cerca de 920 euros) — mas tinha uma bolsa do ProUni, um programa do Ministério da Educação que paga 50% da mensalidade a alunos em instituições privadas. Quando estudou Pedagogia, fê-lo ao abrigo das cotas raciais, uma das políticas de acção afirmativa no Brasil que pretendem aumentar a percentagem de população negra nas universidades.

No segundo país com a maior população negra do mundo a seguir à Nigéria, ser negro é pertencer a uma maioria de 51% da população de 200 milhões. Mas o último Censos, de 2010, mostrava que apenas 26% dos universitários eram negros; e apenas 2,66% dos alunos que terminaram o curso de Medicina eram negros, num estudo feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais para o canal UOL. Estes números explicam-se, em parte, com a despesa da educação no Brasil: quem estuda em escolas privadas até ao fim do secundário tem mais hipóteses de entrar nas universidades públicas, as melhores.

Para conseguir pagar a universidade privada, Ariana fez uns trabalhos avulsos, como limpar a casa da irmã ou ajudar alguns colegas na faculdade. "É muito difícil. Consegui entrar na universidade porque cheguei num tempo em que meus irmãos já estavam trabalhando e puderam me ajudar também. As cotas ajudam e muito. Como é que a gente que vem da escola pública vai concorrer com esse pessoal da escola privada que não passou por greves de professores e de funcionários? É-lhes cobrado desde que nascem: 'Vocês têm que ter um nível superior.' Têm espelhos na família: médicos, engenheiros, professores. Nas famílias pobres, a maioria negras, a mãe é dona de casa, o pai é pedreiro, o pai está desempregado, o pai é bandido, o pai é ladrão."

Ela estava entre os melhores da turma, diz. Em cirurgia, foi considerada a aluna-padrão. A diferença em relação aos outros é que tudo custava muito mais: saía de casa de madrugada para não apanhar engarrafamentos e garantir que estava nas aulas a tempo e horas, fazia "ginástica" ao dinheiro porque tinha de passar um dia inteiro fora de casa, tinha de comprar livros caríssimos, alguns a "mil, dois mil reais"...

Voltamos à história do convite. Queremos saber o significado daquela frase que ela colocou no final: "Mulher já é discriminada por si só, tem salários inferiores aos dos homens, se for negra ainda pior. Da favela, o pessoal acha que é ladrão. Virei médica: isso é possível."

Para se ter uma ideia do que diz: com o mesmo nível de escolaridade, as mulheres brancas ganham 68,7% do salário dos homens brancos, enquanto os homens negros ganham metade e as mulheres negras menos ainda, 38,5% (dados retirados do estudo Igualdade Racial no Brasil: reflexões no Ano Internacional dos Afrodescendentes, 2013, IPEA).

Ariana está num hospital militar como voluntária (mas tem um salário). Quer fazer bancos em hospitais do interior para ganhar algum dinheiro e estudar para fazer a prova de cirurgia geral. "Vou cursar dois anos de cirurgia geral em hospitais e terminando os dois anos vou prestar novamente prova para fazer residência em cirurgia pediátrica durante três anos." Cirurgia porquê? "Gosto de resolver. E cirurgião resolve muito."

"O país sempre foi racializado"


Nos seis anos em que ensinou Antropologia da Saúde no curso de Medicina na Pontífice Universidade Católica (PUC), Acácio Almeida não teve um único estudante negro brasileiro. "Precisamos de fazer com que os meninos negros estejam nos cursos de Engenharia, de Medicina, de Direito", diz, no pátio interior da PUC em São Paulo, uma das universidades onde dá aulas (a outra é a Faculdade de Campinas).

As cotas raciais no Brasil já existem há mais de dez anos: a Universidade de Brasília, a primeira federal a fazê-lo, tem-nas desde 2004. Mas só em 2012 é que passaram a ser obrigatórias nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia, dividindo-se assim: 50% para alunos que estudaram nas escolas públicas (e que tenham baixos rendimentos) e, dentro destas, uma percentagem para negros ("pretos" e "pardos", como define o Censos) e para indígenas proporcional à do Estado onde está a instituição.

Doutorado, o primeiro na família toda a ter uma licenciatura, Acácio Almeida, 48 anos, regressa ao tempo das discussões sobre políticas de acção afirmativas antes de estas serem implementadas, algo que gerou, e continua a gerar, acesas discussões: "O argumento contra as cotas defende que vêm racializar um país que nunca foi racializado. Mentira! Esse país sempre foi racializado, as pessoas é que não tinham vergonha na cara para se perguntarem porque é que não há estudantes negros dentro de uma sala de aula. Preencher as fichas a dizer de que raça somos é essencial porque precisamos de saber quantos [negros] são, onde estão, em que lugares estão — e estão nas periferias, não estão nas universidades, estão nas piores condições de saúde."

No geral, o número de alunos no ensino superior aumentou bastante entre 2001 e 2010: 109%, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, passando de 1,7 para 3,3% da população brasileira. Porém, a desigualdade persiste: 2,3% dos negros e 4,3% dos brancos estavam na universidade, de acordo com o Censos 2010.
Estes são números que se espelham nas relações raciais diárias. Já depois de ascender socialmente, Acácio Almeida foi tendo vários episódios de discriminação. Exemplos: estava parado num estacionamento à espera que o empregado lhe viesse trazer o carro. "Não estava com uniforme de quem trabalha no estacionamento, e o cara chega com um ticket para mim..." Mais exemplos: "Fui dar um curso de formação de questões raciais para funcionários da saúde na prefeitura. As pessoas começam a chegar. Vem uma mulher que se vira para mim e não teve dúvidas: 'O senhor é vigia de que unidade?'" Na defesa da sua tese, estava de fato e gravata, no prédio da universidade, e havia "um cara transportando coisas com um carrinho de mão". "Aí, ele me viu e falou: 'Ei irmão, dá uma força aí!' Isso para mim foi super-significativo. Posso ter um doutorado, mas ainda me identificam como pobre."

Na dúvida, diz sempre: "É, sim, racismo." "Porque vivemos num país racista, então prove que a sua atitude não é racista."

Transformação lenta


Se alguma vez pediram a Carlos Alberto Reis de Paula para "dar uma força aí, meu irmão" no Tribunal Superior do Trabalho (TST), não sabemos. O primeiro negro a presidir a esta instituição e o primeiro magistrado negro num tribunal superior do país em 1998 (o próprio TST) prefere que os episódios de racismo de que foi alvo durante a vida "fiquem nas brumas da história".

Encontramo-lo em finais de Janeiro, em Brasília, pouco antes de deixar de ser o presidente do TST — atingiu o limite de idade, 70 anos, em Fevereiro. No caminho até ao TST, atravessámos a esplanada dos ministérios, passámos pelos inúmeros edifícios ministeriais, vimos o Senado, andámos no meio do centro do poder. Vimos o edifício do Ministério de Relações Exteriores — que até 2010 nunca tinha tido um diplomata negro no cargo de embaixador (segundo a BBC).

E aí pensamos: com quantos colegas negros em posições idênticas à sua é que Carlos dePaula se cruza todos os dias? "Veja só: quando fui nomeado e tomei posse como ministro do Tribunal Superior do Trabalho, a 25 de Junho de 1998, eu era o primeiro ministro [magistrado] negro num tribunal superior de justiça aqui no país. 

Através dessa conscientização, a situação modificou. Em 2003, tivemos a nomeação do primeiro negro para o Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que hoje é presidente dessa corte maior aqui no Brasil [e o juiz do processo 'mensalão']. Temos já a presença de negros no Supremo Tribunal de Justiça, que é um facto extremamente relevante. É um processo de conscientização e é um processo pelo qual o Brasil vai-se transformando."

Isto falando do poder judiciário, porque quanto aos outros órgãos de poder "a proporção é sempre muito reduzida". "O Brasil está-se transformando mas é uma transformação lenta." Por exemplo, "se fizer uma análise da sociedade, vai notar que a presença de negros é muito reduzida nas posições de comando, das empresas privadas, das empresas públicas e da própria administração pública". E vamos descobrir também que negros e brancos continuam com salários desiguais: em 2013, os negros ganharam mais de metade (57,4%) que os brancos, revelou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

"Se [dissesse] que o Brasil é um país em que não há discriminação, não estaria sendo fiel aos factos", comenta. "Não podemos esquecer que o Brasil foi um país de escravidão de negros que vinham de vários países de África. Essa escravidão perdurou até 1888, por quase 400 anos. Isso é uma marca na formação cultural de um povo. A própria Constituição diz que a discriminação é um crime: se prevê, é porque ocorre. Essa discriminação, através de políticas públicas, gradualmente vai-se reduzindo."

Mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), região onde nasceu, foi professor na Universidade de Brasília (UNB), onde participou no debate e introdução de cotas para alunos, uma "atitude pioneira em relação à universidade pública", diz. Porém, não existem cotas para professores negros, e a sua presença na UNB era "muito reduzida mesmo". "Dos mais de 300 professores, não havia dez professores negros", recorda o professor que se reformou em 2012.

Mas acções afirmativas existem há muito mais tempo, lembra o ministro. "A grande descoberta do Brasil foi a partir da Constituição de 1988, um marco. Estabeleceu como valor último a cidadania e universalizou os direitos em relação à cidadania." Por exemplo, "está expresso que os portadores de deficiência terão 10% das reservas em concurso público"; "que as mulheres têm de ter uma participação na vida política brasileira" e para isso a legislação "assegura determinado percentual". Mais: "Quando se cuida da estruturação da ordem económica e financeira do país, diz-se que as empresas brasileiras pequenas, constituídas apenas por brasileiros, têm de ter leis que as protegem em relação à concorrência de outras empresas maiores. Isto são modalidades de acção afirmativa."

Não há dúvida de que o Brasil precisa das cotas raciais, defende. Porquê? "O Brasil tem mais de 50% [de negros], mas isso não se retrata dentro das universidades, nem nos demais segmentos no país. Se quero buscar cidadania, tenho de dar igualdade de oportunidades a todos e para isso obrigatoriamente tenho de passar pelo ensino. A grande tese reside aí: criar oportunidade para todos concorrerem de forma igual. Para isso [as pessoas] têm que ter tido a oportunidade de se qualificar e passado obrigatoriamente pela universidade." Este não deve, porém, ser um trabalho isolado, deve ser feito em paralelo com o "aprimoramento" do ensino básico e secundário público, diz, porque tem sido "reservado àqueles que têm piores condições económicas e sociais", e "não há uma boa estrutura nas escolas, os professores não são valorizados, os recursos pedagógicos são reduzidos" e há ainda muitas desistências.

Como é que a sua experiência o levou onde está, então? Natural do interior de Minas Gerais, da cidade Pedro Leopoldo, estudou Filosofia e Teologia, fez depois "um bom curso na Faculdade de Direito". A mãe era doméstica, o pai, que se formou em Engenharia Agrónoma em 1933, foi "um exemplo maravilhoso". Era de uma família pobre — o avô era porteiro de uma secretaria de Estado e a avó era também doméstica, "praticamente não tinham recursos". "O meu pai, sempre sonhador, gostava de estudar e lutava com dificuldade."

Gradualmente, os negros têm vindo a ocupar espaços públicos na sociedade, nota. Carlos de Paula formou-se, foi professor, foi juiz e sente que "a gente passa a não sofrer a discriminação que boa parte das pessoas sofrem". Quer dizer, "no Brasil, temos uma discriminação em relação aos pobres, os pobres são discriminados, mas de forma especial os pobres que são negros e de forma especial as mulheres que são negras".

"Escravidão mental"


Aline Teles, 31 anos, aprendeu a gostar de si própria no Instituto Biko, um organismo em Salvador que promove a ascensão política e social de negros e tem vários programas, como a preparação para o vestibular (o exame de acesso à universidade).

O Biko é uma referência para muitos jovens. Ariana Reis diz mesmo que há um antes e um depois do Biko na sua vida. Para Aline Teles, estudante de humanidades e políticas da cultura na Universidade Federal da Bahia, também: antes, esticava o cabelo, usava rabo-de-cavalo, não gostava de se ver no espelho. "A gente não se aprende a gostar, a se valorizar. Só comecei a gostar do meu cabelo do jeito que ele é, a assumir ele dessa maneira, depois que passei pelo instituto, pelas aulas de Cidadania e Consciência Negra."

Aprendeu a gostar de um cabelo "crespo" e da cor da sua pele. Fez todo "um processo muito doloroso", porque "isso mexe muito com a gente". "Até você se olhar no espelho e dizer: 'Puxa, você é bonita desse jeito, seu cabelo é lindo.' E entender porquê tanta discriminação a gente sofre, de uma criança olhar para a outra e dizer: 'Não vou falar com você porque o seu cabelo não balança...'"

No Biko, Aline começou a "olhar-se" ainda a outro espelho, o dos modelos, e a ver professoras que usavam cabelos naturais ou a ouvir falar de personagens históricas que lutaram como lutou o próprio Biko, activista sul-africano contra o apartheid.

Antes de Barack Obama ter lançado a campanha "Yes, we can" já o Instituto Steve Biko proclamava "sim, nós podemos", diz Sílvio Humberto, um dos fundadores.

Sílvio Humberto define-se como classe média — a família não o é, os pais lutaram bastante para que ele estudasse em escolas privadas. Hoje é vereador na prefeitura de Salvador pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). "Sou a excepção: 50 anos, doutorado, funcionário público. A regra é as pessoas negras não chegarem [a lugares de topo], independentemente da sua vontade. E você precisa de questionar por que é que não chegam."
Sentado no seu pequeno escritório em Salvador, com o retrato de Nelson Mandela atrás, Sílvio Humberto explica que essa afirmação positiva é importante porque o racismo entra de tal forma na cabeça das pessoas que se torna "uma espécie de escravidão mental".

Por isso, no Biko, há a disciplina Cidadania e Consciência Negra, onde se dão ferramentas aos alunos para enfrentarem o racismo de frente, se trabalha a auto-estima e se tenta incutir o espírito de que os sonhos dos alunos são possíveis. O instituto passa a mensagem aos estudantes: "Busque o seu sonho, o seu sonho precisa de ser a sua primeira escolha."

Foi no Biko que Ariana Reis, por exemplo, encontrou quem tivesse acreditado no seu sonho de ser médica. Encontrou também uma identidade, passou a ter "orgulho em ser quem era, em ser negra". "E consegui mudar todos à minha volta", conta. Levava os sobrinhos, a mãe para palestras. Mostrava: "Aquele dali é advogado, aquele aí é economista, aquele ali é engenheiro. Nunca tinham visto tantos negros com cargos de prestígio juntos."

Fundado em 1992 por pessoas ligadas ao movimento negro, o Biko tinha e continua a ter como objectivo aumentar o número de estudantes negros nas universidades. Em 21 anos, "cinco mil pessoas foram beneficiadas pelas acções do instituto", calcula Sílvio Humberto. "A grande conquista do instituto é colocar a universidade dentro do projecto de vida e de trabalho da população negra", diz.

Quanto às cotas, "perdemos tempo", parecemos "um cachorro atrás do rabo", quando questionamos a sua pertinência "dentro desse discurso de conservadorismo racial que defende que raça não existe": reforça-se, assim, o "mito da democracia racial que considera que o problema é social". Voz convicta: "Desigualdade racial promove desvantagem social e não o contrário." Paradoxo: "O que o mito da democracia racial vai proporcionar é essa des-racialização dos conflitos. Você chega a um ponto que acha que o problema é social — e isso até chega à cabeça dos negros. O racismo é tão complexo que não é uma questão de maioria, não são números. Essa maioria precisa de se reconhecer como maioria racializada. Enquanto achar que é uma maioria, mas não politiza o facto de ser uma maioria e não reconhece politicamente que há uma desigualdade racial, você vai achar que não há tratamento diferenciado. Somos todos iguais, mas as oportunidades que temos não são."
Talvez por isso, como conta a estudante Layane Fonseca, 26 anos, "há muitos estudantes que têm vergonha de dizer que são cotistas", como ela. O que critica: "Enfraquece toda a luta que o movimento negro teve para se constituírem as cotas."

Perversidades do racismo

Em Salvador, dia 2 de Fevereiro, é dia de culto a Iemanjá, rainha do mar, um dos orixás venerados por religiões afro-brasileiras como o candomblé.

A festa acontece em Rio Vermelho e começa de madrugada, com a peregrinação ininterrupta à capela da colónia de pescadores. São 7h, o sol já vai alto e as ruas em volta da praia estão cheias, mas nada que se compare com o que irá acontecer umas horas mais tarde: um mar de gente compacto a fazer a festa em cada canto.

Na areia, grupos de negros e brancos, brasileiros e muitos turistas esperam que os barcos levem as oferendas: espelhos, flores, bonecas, todo o tipo de objectos. Uma primeira observação: estamos em frente a um exemplo da miscigenação racial harmoniosa no Brasil. Há pessoas de todas as cores, a festa é importante para os negros, brancos também veneram Iemanjá. Mas olhamos à volta: porque é que a representação da deusa da fertilidade só é feita com figuras brancas, de cabelos lisos, tirando umas T-shirts que nos irão levar à festa Iemanjá, é Black, e que têm estampada uma mulher com caracóis?

"Ainda estamos a desconstruir o mito da democracia racial", diz a historiadora Wlamyra Albuquerque, que nos irá guiar pelas fronteiras do racismo na festa, tentando "desmontar" um mito que "aprisiona até hoje" os brasileiros. "O facto de a festa reunir pessoas diferentes não quer dizer que elas se reconheçam ou vivam como iguais. Há uma democracia no sentido de circulação em espaços como a praia, por exemplo, mas nem todas as pessoas circulam em todos os lugares sem distinção."

Passados tantos anos, o Brasil ainda está refém desse conceito sobre a especificidade das relações raciais brasileiras propagado por Gilberto Freyre nos anos 1930: a democracia racial era fruto de uma espécie de brandura da colonização e escravatura lusas. Certo, nunca existiu uma política de segregação racial no Brasil, como nos Estados Unidos e na África do Sul. Mas o país construiu-se socialmente "entendendo que brancos e negros são diferentes e ocupam lugares diferentes na estrutura social", contextualiza Wlamyra Albuquerque. "Não é preciso ter placas proibindo a entrada de negros porque isso está posto no modo como os lugares são construídos e no tipo de público que atraem. Essa subtileza, essa forma quase imperceptível de estabelecer fronteiras, é das coisas mais perversas da sociedade brasileira: cada qual sabe qual é o seu lugar."

É por essa geografia que vamos circulando com Wlamyra, então. Professora na Universidade Federal da Bahia, especialista em relações raciais e escravatura, autora de livros como O Jogo da Dissimulação e de Uma História da Cultura Afro-Brasileira, com Walter Fraga Filho, ela vai-nos mostrar a forma como a sobreposição entre condição social e condição racial se processa numa das festas mais populares da Bahia.

"Salvador é a boca por onde entraram os africanos escravizados, mas também todas as culturas africanas que recebemos e reinventámos", diz. "Então a importância de Iemanjá está no facto de a gente não deixar esquecer esse passado da forte presença dos povos africanos."

Chegam rodas de dança, festeiros, chegam mães e pais de santo, chega o candomblé, a religião popular na Bahia, para prestar homenagem a Iemanjá. Mas aqui também se pode sambar e beber, por isso multiplicam-se as feijoadas privadas onde se paga para entrar. O lado festivo faz "parte das culturas africanas reinventadas na Bahia e é uma maneira de expor publicamente a força das culturas negras nesse país", diz.

Atravessamos o mar de gente e paramos a olhar a fila imensa que se disponibilizou a esperar horas para entregar uma oferenda. Enquanto isso, Wlamyra guia-nos com as lentes da divisão racial: "A presença do povo de santo não é reprimida mas, por outro lado, há tentativas de mostrar essa festa como uma festa 'clean'. Se formos para os grandes hotéis, há banquetes e samba, encontramos várias referências das culturas negras, só que não encontramos negros. Mas é certo que [negros] estejam servindo em bandejas ou tocando para que as pessoas dancem. Isso parece um paradoxo, mas explica o modo como as relações raciais se reconstroem no Brasil: não se nega a importância das populações negras, mas isso não quer dizer que se aceite a presença dos negros, mesmo em lugares como a Bahia, em que os níveis de desigualdade sócio-raciais são muito fortes."
No momento em que falamos, passa um grupo de jovens brancas, vestidas de hospedeiras de bordo, caracterizadas para um pequeno show algures. Wlamyra comenta: "Todo o padrão de beleza continua sendo branco no Brasil. Basta olhar as campanhas publicitárias, as mocinhas das telenovelas, todas as personagens correspondem a um padrão estético marcadamente europeu. As nossas principais representantes de beleza são mulheres brancas, esguias, que deixam de fora qualquer pertencimento à condição racial negra." Como mulher, como é que Wlamyra sente isso? "Eu acho que sou linda!", ri-se. "Sinceramente, acho que há um certo desperdício dos media brasileiros, uma falta de inteligência no modo como pensam os padrões de beleza. Ficam à volta de modelos que estão em todos os lugares."

Continuamos a andar, paramos em frente a um grupo que ensaia capoeira, em tempos considerada crime, por isso o facto de estarem aqui "é uma forma de se reafirmar a população negra no espaço público" e isso "é simbolicamente dito sem ser verbalizado". Passa uma criança a vender água e sumos: não tem mais de dez anos. Wlamyra aponta: "Você não vê criança branca vendendo." E: "Note que a grande maioria dos vendedores de rua é negra, não há branco servindo na festa, todos os que servem ou nos oferecem coisas para comprar são negros", diz. "[É preciso] questionar o modo como se naturalizou a condição de subalternidade dos negros. É responsabilidade de todos, independentemente da cor da pele, de desconstruir essa naturalização."

Alguém apregoa a venda de rosas atrás de nós. "Por exemplo, uma rosa custa 12 reais. Ela tem que ser sempre molhada, cuidada. [Alguns vendedores vêm para aqui dormir dois dias antes]. É muito esforço para ganhar pouco dinheiro. Isso mostra o nível de pobreza que ainda existe."

Nascida na periferia de Salvador, Wlamyra é filha de uma dona de casa e de um militar de baixa patente e sempre estudou em escolas públicas. Até que teve um professor que a provocou a ir para a universidade numa altura em que ainda não havia cotas. Trabalhava de dia, estudava à noite. Ascendeu socialmente e mesmo assim continua a viver episódios de racismo. Recentemente, entrou num consultório médico numa área rica da cidade e teve alguém a perguntar: "A senhora tem a certeza que vai a esse prédio?"

Os rolezinhos, por exemplo, são, para ela, um exemplo de que a "melhoria da condição económica do país está deixando claro o quanto a democracia racial no Brasil é uma farsa", pois "não se trata só de ter ou não dinheiro". (Os rolezinhos provocaram polémica no final do ano passado porque grupos de jovens da periferia, alguns negros, marcavam encontros em shoppings criando o pânico entre lojistas e segurança.)

Passa um grupo de meninas vestidas de azul, cada qual com tom de pele diferente. No Brasil, o Censos divide racialmente a população em pretos e pardos (negros), amarelos, indígenas e brancos. "Uma das coisas que mais intrigam é entender como no Brasil é possível o racismo", já que há tanta mistura. "As pessoas sabem que quanto mais elas se aproximam de um modelo branco, tanto em termos de tom de pele, como de forma de cabelo ou outras características, mais elas têm a chance de escapar do racismo. Então se olhar para a festa encontra pessoas de pele negra com cabelos louros muito lisos ou que usam uma maquilhagem que disfarça o tom da sua pele. Isso só quer dizer que elas lêem essa gramática do racismo e procuram se proteger das suas formas mais perversas", diz. "A identidade é sempre relacional e a identidade racial também: se está num lugar onde as pessoas a vão reconhecer pelo tom da pele e está com alguém muito branco, provavelmente está em desvantagem em relação àquela pessoa; se está com alguém com tom de pele mais escuro, isso pode trazer desvantagem a essa pessoa."

Como se classifica Wlamyra? "Eu sou negra. Com certeza. Mas sei que é mais fácil para mim dizer isso. Sendo professora universitária, podendo circular em vários espaços e sendo dona do meu próprio discurso, podendo falar a partir do que sei como pesquisadora sobre relações raciais, isso me dá uma certa protecção e possibilidade de enfrentar o racismo."

Junto aos grandes hotéis do Rio Vermelho, há uma avenida com restaurantes e cafés. A decoração de alguns é moderna, poderia ser em Nova Iorque ou em Lisboa — e os preços também. Estão cheios de gente, o ambiente é exactamente como Wlamyra Albuquerque descreveu: quanto mais caro, mais branca é a massa de gente que lá está.

A auto-estima


A escultura Navio Negreiro é gigante, ocupa toda uma sala do Museu Afro-Brasil, em São Paulo. É para lá que nos leva Emanoel Araújo, o autor da peça, director e fundador do museu — doou mais de duas mil peças da sua colecção — numa das sessões de fotografia.

Situado num pavilhão desenhado por Oscar Niemeyer, em pleno Parque Ibirapuera, o museu nasceu com "uma provocação", diz o seu ideólogo, "não só para os brancos mas também para os negros" porque há na comunidade negra, "que é a maioria, uma falta de auto-estima".

À imagem do que o Instituto Biko faz com os seus alunos, também este museu quer sublinhar o orgulho negro. Seguimos para a sala onde se mostram diversas personalidades históricas negras importantes, porque a memória que se pretende avivar é essa: importante não foi só Pelé, foi também o geógrafo Milton Santos, o editor Francisco Paula Brito, o psiquiatra Juliano Moreira, o poeta Cruz de Sousa, o engenheiro Teodoro Sampaio, o engenheiro André Rebouças... "Há uma quantidade de negros no Brasil que esteve na academia imperial de Belas-Artes, na literatura, na engenharia, que estava em todos os ramos da existência humana brasileira", comenta. "Este museu pretende ser um espelho para essa auto-estima. O estigma da escravidão é perverso e continua, mas é preciso que as pessoas não se deixem perturbar."

Aspecto importante é este não ser um museu do negro, mas um museu que tenta ligar o Brasil a África, fundamental na construção do país, até porque a riqueza do país foi também construída pelos escravos — que, por sua vez, ajudaram ao enriquecimento das oligarquias, "a mão-de-obra foi e continua sendo negra, é ela que de certa forma ainda está na base da pirâmide e carrega o peso".

Nascido em 1940, em Santo Amaro da Purificação (Bahia), Emanoel Araújo vem de uma família de ourives. Se há energia que passa para quem o conhece, é a da confiança e auto-estima. Sentado num dos sofás dos escritórios do museu, um open space quente num Verão paulista com as mais altas temperaturas dos últimos tempos, vai-se abanando e responde à pergunta sobre se se considera, então, uma excepção. "Sou mais um brasileiro que quase deu certo."

Obviamente, o "quase" é irónico: ele é um artista plástico que recebeu diversos prémios importantes, criou dois museus (antes deste, o Museu de Arte da Bahia), foi director da Pinacoteca de São Paulo, que renovou, durante dez anos (1992-2002)... Segredo: "Trabalho e vontade, que é fundamental para alcançar o que você deseja. Isso não tem cor. E a vontade é força sua."

Obstáculos, por ser negro, existiram, sim. "Mas os obstáculos a gente tira de letra. Em todas as actividades humanas, sobretudo num país de terceiro mundo ou num país emergente, você tem que ter a paciência, a impertinência e a teimosia para poder fazer." Depois, teve a sorte de conhecer quem acreditasse nele.

O que não significa que tudo seja uma questão de vontade, como se poderia depreender das palavras de um homem que descreve o Brasil como o país ambíguo. Defensor da aplicação da lei de 2003 que obriga o ensino da História Afro-Brasileira nas escolas, Emanoel é também pró-cotas raciais, pró-políticas de acção afirmativas, mas num espírito de ir "um pouco mais adiante". Trata-se "de um lugar de direito do povo brasileiro, e o povo brasileiro é índio, é negro, é mulato, é branco, é imigrante. Para aos negros, resta sempre a questão de estar no último escalão da sociedade, porquê?" E "somos um país que ainda tem quilombola — pessoas que fugiram na época da escravidão e fizeram comunidades livres e independentes — e trabalho escravo".

Voltamos, assim, à questão da ambiguidade com uma frase que ele repete de cor: "Sempre digo que o Brasil é um país ambíguo, uma ambiguidade em que tudo pode e tudo não pode, tudo é e tudo não é. Durante muitos anos, dizia-se que o Brasil era uma democracia racial e essa democracia racial era uma espécie de benesse de um olhar branco sobre o negro, o negro que vinha e vem de todos os estigmas da escravidão." Hoje já ninguém acredita nesse mito da democracia racial, garante.

Estamos agora no núcleo da exposição onde se mostram as grandes figuras negras. Emanoel Araújo tem por cima a peça com Pelé a dar um chuto numa bola. Como lê o facto de as áreas de exportação da imagem do Brasil, o carnaval e o futebol, terem uma presença tão forte dos negros, perguntamos-lhe? "Fica restrito à exploração do corpo de um futebolista ou de uma negra com seus trajes mínimos rebolando na frente de uma câmara. Isto é ainda uma questão da imagem perversa que se tem do negro no Brasil. Porque se está limitando a uma questão simplória a presença negra no Brasil, que é o corpo."

Numa das conversas informais com Emanoel Araújo, ficou na cabeça uma frase que ele disse: "Ninguém quer ser negro no Brasil." Porque "se sofre com isso": "É um país que durante séculos instituiu diversas cores para que as pessoas se afastassem do negro. Tem moreno, moreninho, preto, pretinho, formiga, pardo... Uma infinidade de cores para que se possa escapar dessa condição racial."

Um Presidente negro?


Há um sketch do Cabaret da Raça, um espectáculo em cena há 17 anos em Salvador, que faz uma brincadeira com o que Emanoel Araújo está a referir em relação às várias tonalidades da pele. Uma actriz, mulata, diz à plateia que é morena e que deve ter um antepassado negro na família.

Márcio Meirelles, encenador e director do Bando de Teatro Olodum, conta que quando estrearam a discriminação ainda era mais flagrante: não havia anúncios com negros, não havia novelas com negros, mas uma revista que apareceu na altura, Raça, mostrava que havia um público de classe média negro que "queria se ver, queria ver a sua imagem".

Como encenador, Márcio procurou colocar a questão sobre o que é ser negro no Brasil e o espectáculo reflecte isso. Daí a ambiguidade do sketch da morena, porque essas são interrogações num país que tem "preto e pardo (misto)" como opção no Censos.

Na altura, Meirelles — que é "considerado branco no Brasil", "de classe média" e teve "toda uma formação eurocêntrica" — quis investigar a cultura africana no teatro e o porquê de o público negro ser uma percentagem mínima da plateia. Ainda antes da implementação das cotas, fizeram uma campanha: cobravam meia entrada a negros. "Era uma brincadeira, qualquer um que dissesse 'sou negro, quero pagar meia entrada', pagaria. Era uma forma também de provocar essa discussão que está no espectáculo: o que é ser negro?"

O cenário está agora um pouco diferente, há mais negros na academia e em outras áreas da sociedade, mas "não muda muito" a questão do racismo. "Existe racismo, a gente é condicionado a isso e o próprio negro é racista — a maioria do contingente policial é negro, e eles primeiro checkam se os outros negros são bandidos ou não; nos ônibus primeiro, são os negros revistados, nas lojas os empregados são negros e são eles que são primeiro discriminados. No Brasil, o racismo sempre foi negado, então é muito difícil combater uma coisa que não existe e isso torna o racismo mais perverso."

Hoje, porém, a ascensão social de classes que eram mais pobres, o consumismo e o acesso a informação estão a operar aquilo a que ele chama "uma revolução cultural no Brasil" e isso "coloca outras questões e outros problemas" como associar os negros aos pobres. "Um negro primeiro tem que provar que é rico e que não está ali para roubar. Você tem um primeiro momento em que a cor, a pele, grita mais alto que as questões sociais."

É uma questão que Sílvio Humberto também coloca: "As vezes em que fui discriminado foi porque era um negro que estava entrando num espaço que era das pessoas brancas. O racismo na Bahia não se manifesta porque as pessoas negras não estão nesses espaços. A ascensão social das pessoas negras, não individualmente mas colectivamente, começa a promover mudanças e possibilidades maiores de choques e das pessoas exteriorizarem o seu racismo." Concluindo: "É um bom teste sobre se vivemos racialmente de forma harmónica: coloque as pessoas juntas, vamos disputar o mercado de trabalho, vamos disputar as oportunidades."

Significa esta ascensão de uma classe média negra que o Brasil poderá eleger um Presidente negro em breve? "Impossível", responde Acácio Almeida em São Paulo. "Existe uma resistência muito grande." Sílvio Humberto, em Salvador, ironiza: pode ser que o Brasil eleja um Presidente antes de a Bahia ter um governador negro. "Mas dadas as condições objectivas ainda tem muita água para passar debaixo dessa ponte." No Museu Afro-Brasil, um artista brincou com a imagem de Obama e de Emanoel Araújo, sobrepondo-as. Ele ri-se quando lhe falamos dela e fazemos a mesma pergunta. "Obama só foi eleito porque não é afro-americano, é filho de uma mãe branca e de um pai negro. Se tivesse o estigma da escravidão, não seria eleito. Os EUA são democráticos há 250 anos, teve um apartheid, é outro país. O Brasil está a anos-luz de distância." Wlamyra Albuquerque: "Não acredito nisso. Sinceramente, acho que não se trata de ter ou não um Presidente negro, mas em que medida a questão do negro é uma questão nacional."

Muitos perguntaram, já, se algum dia Joaquim Barbosa se candidataria. O próprio respondeu que "não" várias vezes. Recentemente, porém, disse que era "preciso fazer algo para incluir os negros no mainstream da sociedade" e que "o Brasil nunca tratou a sério esse assunto". Citado pela Afropress numa conferência em Londres, dizia: a desigualdade racial é "um dos problemas-chave na política brasileira".

FONTE:http://www.geledes.org.br/racismo-preconceito/racismo-no-brasil/23975-quem-quer-ser-negro-no-brasil